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A internet no banco dos réus

5 decisões judiciais que dizem muito sobre a campanha política nas redes deste ano

Por Francisco Brito Cruz e Clarice Tambelli

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Por Francisco Brito Cruz
Atualização:

 

Digital influencers em campanha política? Candidato anunciando quando o eleitor procura o nome do adversário? Empresário impulsionando vídeos pessoais falando bem de candidato em rede social? As dúvidas são muitas na primeira eleição na qual a propaganda paga nas redes foi permitida no Brasil.

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A população brasileira tem usado cada vez mais a internet, especialmente no celular. Nos últimos anos, plataformas de internet consolidaram-se no dia a dia de brasileiros e brasileiras com meio essencial de se comunicarem e de se informarem. Políticos perceberam esse fenômeno e, buscando também novas formas de fazer suas campanhas, aprovaram em 2017 a permissão de propaganda eleitoral paga na internet pela primeira vez na nossa história. Entretanto, a redação da lei deixa claro que não é qualquer propaganda paga que está autorizada, mas apenas o que se chamou de "impulsionamento de conteúdos" contratado nessas grandes plataformas.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) incluiu uma definição do que seria "impulsionamento" em uma de suas resoluções, definindo-o como mecanismo ou serviço que potencialize o alcance e a divulgação da informação para atingir usuários que, normalmente, não teriam acesso ao seu conteúdo. No entanto, a imensa variedade de ferramentas de marketing digital disponíveis às campanhas tem testado as regras eleitorais desde a pré campanha. Ao longo deste curto, mas já bastante polêmico, período de campanha, quais têm sido estas novas disputas em torno da propaganda eleitoral digital? Sem a pretensão de esgotar todas as possíveis nuances dos casos, mesmo porque novas decisões sobre esse tema surgem constantemente, pinçamos cinco decisões que já dizem muito sobre uma nova era de debates nos tribunais sobre os contornos da campanha política no Brasil.

 

É proibido usar o nome do adversário em vão?

Mara Gabrilli (PSDB), candidata ao Senado por São Paulo, não gostou quando percebeu que o adversário Jilmar Tatto (PT) havia anunciado a usuários que buscassem "Mara Gabrilli" no Google. O anúncio é possível a partir da ferramenta AdWords, que é disponibilizada pelo buscador e permitida às campanhas de maneira explícita na Lei Eleitoral. Ao procurar Gabrilli, o usuário encontrava um anúncio que dizia "Mara Gabrilli? Conheça Jilmar Tatto" identificado como propaganda eleitoral e com o CNPJ da campanha.

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Gabrilli acusou o adversário de utilizar a ferramenta para alavancar sua candidatura alterando a repercussão da propaganda dela, o que a lei eleitoral proibiria. O cerne da sua argumentação foi de que Tatto estaria "desviando" uma audiência que estaria buscando por ela. Tatto se defendeu dizendo que a aplicação da lei eleitoral deve considerar que o uso de nomes de pessoas públicas numa democracia faz parte do debate eleitoral e que a candidata poderia ter utilizado a mesma ferramenta para anunciar tanto para pessoas que pesquisassem seu nome como o de seus adversários.

A tática de anunciar em resultados de busca de políticos de outro partido também chegou ao Youtube. Na imagem anúncio contratado pelo candidato ao governo do estado de SP João Dória para pesquisas por "haddad". Foto: print dos resultados de pesquisa no YouTube.

Em sua sentença, o juiz Mauricio Fiorito não identificou irregularidades formais na veiculação do anúncio, mas determinou sua remoção por entender que Tatto teria passado do limite ao utilizar o interesse dos eleitores na candidatura adversária para atrair a atenção para sua candidatura. A manobra teria sido feita "com a notória finalidade de prejudicar a candidatura" de Gabrilli, prejudicando o seu alcance. Em segunda instância, o TRE-SP confirmou a decisão do juiz Fiorito.

A questão suscita um grande debate sobre a liberdade das campanhas eleitorais em anunciar na internet. Em primeiro lugar, quais os direitos que candidatos (como Mara Gabrilli) têm em relação aos resultados de uma busca feita a partir de seu nome? Um anúncio em uma lista de resultados de busca, que não confunda o eleitor e apresente-se como propaganda de outro candidato, não adiciona elementos de competitividade em um período feito para apresentar todos os candidatos ao eleitor? Em segundo lugar, mesmo que a Lei Eleitoral determine que o impulsionamento só possa ser feito para promover ou beneficiar o candidato, como promover um concorrente sem o colocar lado a lado com seus adversários? Terceiro, a decisão não subestimaria os eleitores, imaginando que eles seriam necessariamente influenciados por um anúncio explícito do concorrente? Ao estabelecer tais direitos à Gabrilli sobre a lista de resultados de buscas com seu nome sem colocar tais questões em perspectiva, a Justiça Eleitoral pode estar restringindo o espaço do debate democrático.

 

De olho no impulsionamento alheio

Um dos vídeos impulsionados pelo empresário Luciano Hang falando sobre política no Facebook. Foto: Print do perfil do empresário.

A recente mudança na lei eleitoral prevê que o "impulsionamento de conteúdos" só pode ser realizado por candidatos, partidos ou coligações. Nenhuma outra pessoa pode "impulsionar" propaganda eleitoral nas redes sociais. De olho nisso, a coligação do presidenciável Geraldo Alckmin não deixou passar um vídeo impulsionado no Facebook na página de Luciano Hang, dono das lojas de departamento Havan. No vídeo, que foi retirado do ar após decisão do TSE, Hang falava sobre o plano de governo de seu candidato, Jair Bolsonaro.

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Hang tinha um público definido para seus vídeos. A partir de uma análise do banco de dados do projeto Você na Mira, lançado pelo InternetLab para as eleições deste ano, descobrimos que o dono das lojas Havan impulsionou 23 publicações em sua página nos últimos 4 meses, sendo 7 desses impulsionamentos com um tom político-eleitoral, por vezes com insinuações à candidatura de Jair Bolsonaro, como no caso do anúncio retirado pelo TSE. De uma forma geral, os dados mostram que Hang direciona seus vídeos para um público com 18 anos ou mais, que more perto de cidades nas quais estão localizadas lojas Havan, das quais é proprietário, como Bragança Paulista-SP, Camboriú-SC e Cuiabá-MT. Um vídeo do economista Paulo Guedes, responsável pelo projeto econômico da candidatura de Jair Bolsonaro, foi impulsionado por Hang, por exemplo, para pessoas de 18 anos ou mais que moram em Cuiabá-MT. O empresário também direciona suas opiniões políticas para pessoas interessadas em sua loja, a Havan, como é o caso de um vídeo no qual o empresário critica as pesquisas eleitorais, impulsionada, também, para pessoas de 18 anos ou mais que morem em Camboriú-SC e Brasília-DF.

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A coligação de Alckmin identificou que o impulsionamento foi utilizado de forma irregular pelo empresário no caso do vídeo que ele falava do plano de governo de Bolsonaro e pediu que a justiça obrigasse o Facebook a retirar o vídeo do ar. Uma liminar foi concedida e o Facebook retirou o vídeo no prazo de um dia. Na sentença, o ministro Luis Felipe Salomão, do TSE reconheceu que se tratava de um caso de impulsionamento ilegal, mas isentou Bolsonaro de punição por não haver prova de sua participação ou ciência na contratação.

O caso ilustra uma situação ambivalente. De um lado, o uso de receita em impulsionamento de publicações que explicitamente pedem votos a candidatos tem sido chamada de "caixa dois digital", uma injeção de dinheiro na campanha paralela ao montante investido em impulsionamento que é declarado à Justiça Eleitoral. De outro, chamar qualquer impulsionamento de conteúdo que contenha discurso político de "propaganda eleitoral irregular" parece limitar a visibilidade de eventuais discursos políticos legítimos. A ambivalência tem como base a ausência de uma definição clara do que é propaganda eleitoral na legislação brasileira, o que implica um imprevisível exame caso a caso de situações renovadas continuamente pela tecnologia.

 

Opa! Tem alguma coisa errada...

Anúncio impulsionado pelo candidato Paulo Skaf que apresenta CNPJ da campanha e os dizeres "propaganda eleitoral" conforme a legislação. Foto: print do perfil do candidato.

Alckmin não é o único de olho nos candidatos rivais. A coligação Acelera SP, do candidato João Dória (PSDB), também não deixou passar irregularidades nas propagandas eleitorais patrocinadas pela campanha do candidato concorrente ao governo de São Paulo, Paulo Skaf (MDB), em sua página no Facebook. A coligação foi à Justiça Eleitoral para remover posts da campanha no Facebook que não vinham acompanhados do CNPJ da candidatura e da expressão "propaganda eleitoral", como determina a Lei Eleitoral.

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Os argumentos principais no caso são a necessidade de transparência ao eleitor de que a publicidade é relativa ao período eleitoral e, ainda, o controle de gastos da campanha, já que a falta de identificação pode indicar que a contratação não foi realizada pelo CNPJ da campanha. A coligação de Dória pediu que o Facebook removesse o conteúdo postado e demandou que a plataforma entregasse os dados dos responsáveis pelos impulsionamentos, quem os pagou e o valor gasto.

O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo concedeu uma liminar para que o Facebook fosse obrigado a suspender o impulsionamento dos posts sem a devida identificação. A defesa de Paulo Skaf se manifestou em seguida, argumentando que havia seguido o padrão correto exigido pelo Facebook, mas que por algum problema da plataforma, o impulsionamento saiu da forma convencional, não como propaganda eleitoral. Na sentença, o juiz Paulo Sergio Brant de Carvalho Galizia livrou o Facebook de responsabilidade, determinando que mesmo que a plataforma disponibilize um sistema próprio de cadastro, a identificação correta da propaganda eleitoral (inclusive com o CNPJ) é de responsabilidade dos candidatos e partidos. Sob este argumento, o candidato Paulo Skaf foi condenado ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00.

Mesmo que pareça uma formalidade, a identificação correta de material de campanha é uma importante regra do jogo. A possibilidade de se fazer propaganda em redes sociais criou uma nova disputa entre as campanhas e as próprias plataformas sobre essa regra. A decisão do TRE-SP foi sensível a um argumento contundente: não há alguém mais responsável pela regularidade do material de campanha que a própria campanha.

 

Mas pera, ele é de qual partido?

Não só de impulsionamento irregular se processa o adversário. O candidato do partido NOVO, Rogério Chequer, não gostou muito das cores utilizadas por Márcio França (PSB) nas fotos da sua campanha no Facebook. Além de contestar o uso do laranja, cor da identificação visual do NOVO, o adversário alegou também que o candidato Márcio França não utilizou as identificações da sua coligação e partido nas fotos, e isso poderia causar confusão no eleitorado.

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Tweet do candidato Rogério Chequer, do Partido NOVO, criticando propaganda do candidato Márcio França, do PSB. Foto: print do perfil do Twitter do candidato.

O candidato do NOVO Exigiu que o conteúdo parasse de circular no Facebook. Na sentença do caso, o juiz Paulo Sérgio Brant de Carvalho Galizia condenou o candidato Márcio França a corrigir a irregularidade das fotos ou, ele mesmo, retirar as propagandas do Facebook, sob pena de multa no valor de R$ 5.000,00 por dia de descumprimento. Para o juiz, as fotos não continham a identificação de legenda partidária obrigatória, essencial para identificação pela Justiça Eleitoral e pelos eleitores.

A imagem fala bastante por si só e respalda a decisão do TRE-SP. Mesmo que a discussão das cores seja mais subjetiva, o uso da palavra 'novo' e a ausência da identificação da legenda partidária fazem com que a propaganda pareça, de fato, do partido NOVO de Chequer.

 

Digital influencers e a campanha eleitoral em #publiposts

Recentemente, uma polêmica envolveu o tuitaço em apoio ao candidato a reeleição do governo do Estado do Piauí, Wellington Dias (PT), quando diversos perfis no Twitter publicaram elogios ao candidato. Após algum estranhamento, uma das usuárias da rede, chamada Paula Holanda, publicou a cópia de um email enviado por uma agência de publicidade que revelaria que as postagens estariam sendo pagas pela campanha do candidato. Holanda afirmou que havia sido expulsa de um grupo de mensagens de "influenciadores" mantido por uma agência de publicidade por ter se recusado a fazer campanha para o petista mediante pagamento por postagem.

Print dos tweets que originou a polêmica envolvendo o candidato ao governo do Piauí, Wellington Dias.  

A coligação adversária, Piauí de Verdade (PSDB/DEM/PSB), levou o caso ao Tribunal Regional Eleitoral do Piauí alegando que Wellington Dias contratou uma agência para fazer o impulsionamento de conteúdo ilegal no Twitter. Os oposicionistas buscavam que a justiça aceitasse ouvir Holanda como testemunha e que a Agência Lajoy informasse o valor gasto com a propaganda, quem contratou e a forma de pagamento.

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O caso foi julgado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. Na sentença, o juiz Geraldo Magela e Silva Meneses alegou que não haviam provas suficientes que apontassem para a contratação das empresas representadas ou pagamento aos influenciadores. Assim, deu ganho de causa ao governador Wellington Dias e afastou a condenação de multa por propaganda irregular na internet.

Em casos como este, a produção de provas é de fato bastante complexa, mas é difícil ignorar que vídeos veiculados pela imprensa mostravam funcionários de agências instruindo os tais influenciadores a postarem apoio a candidatos mediante pagamento.

Tais casos demonstram todo um novo campo de debates sobre como a Justiça Eleitoral deve olhar para o chamado "marketing de influência". De um lado, argumenta-se que esses influenciadores poderiam ser considerados uma espécie de "cabo eleitoral", sendo assim lícita sua campanha nas redes. Por outro, o caso de Wellington Dias deixa claro o modelo de negócio nesse mercado: influenciadores vendem posts, o que torna inescapável a identificação de contratação de espaço publicitário, de compra de anúncio. A questão se torna ainda mais problemática nos casos em que tais influenciadores não sinalizam aos seus seguidores que estão recebendo para fazer postagens. Por ora, a regra de que não é possível contratar "impulsionamento" por fora dos mecanismos oferecidos pelas próprias redes sociais parece estabelecer um limite claro em casos como este.

 

***

 

A análise dos casos mencionados neste post demonstra como a campanha de 2018 é uma espécie de "episódio piloto" do que serão campanhas eleitorais no Brasil daqui pra frente, num país cada vez mais conectado e digital. A forma pela qual a Justiça Eleitoral aplicará regras agora assenta a forma das campanhas na rede nos próximos anos.

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Confira abaixo as decisões citadas:

Caso Havan: Processo 0600963-23.2018.6.00.0000. Sentença.

Caso Skaf: Processo nº 0605154-88.2018.6.26.0000. Acórdão.

Caso Márcio França: Processo nº 0605153-06.2018.6.26.0000. Sentença.

Caso Mara Gabrilli: Processo n: 0605327-15.2018.6.26.0000. Sentença.

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Caso Wellington DiasProcesso 0601189-27.2018.6.18.0000. Sentença.

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