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A internet no banco dos réus

Proibidão proibido?

Por Dennys Antonialli e Francisco Brito Cruz

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Por Francisco Brito Cruz
Atualização:

Você já ouviu falar no "passinho do romano"? Vinda da Zona Leste de São Paulo e inventada nos fundos de quintal, a moda é fazer passos desconexos e improvisados, simulando vergonha. Vez ou outra, vale até imitar um robô. A música é o funk, nesse caso mixado com outras músicas ou sons. No passinho do MC Dadinho, a mixagem é feita com o som de um homem recitando o livro sagrado dos muçulmanos, o Alcorão.

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A moda virou febre e o YouTube recebeu diversos vídeos de jovens dançando o "passinho" do MC Dadinho ao som do Corão. Mas a ideia do MC não agradou a Sociedade Beneficiente Muçulmana, que considerou o remix ofensivo. Com o intuito de proteger as tradições islâmicas, a Sociedade entrou com uma ação contra o Google, o dono do YouTube, para retirar do ar vídeos que tivessem a música como fundo. Segundo a entidade, os vídeos traziam citações do livro sagrado em situação inadequada e desrespeitosa a seus preceitos religiosos. O Alcorão somente poderia ser recitado em "estado de pureza". Para acompanhar o som do remix, a letra tem poucos versos e não faz menção à religião muçulmana:

Lança o Passinho do Romano, lança o passinho do romanoEu já tô louco, já tô crazy, tô ficando embrasadoFaz o passinho do romanoLança o passinho do romanoMas não mostra minha cara porque eu sou envergonhadoFaz o passinho do romano, faz o passinho do romanoMas não mostra minha cara porque eu sou envergonhado

Na primeira instância, a juíza Anna Paula Dias da Costa concedeu uma liminar para tirar os vídeos com o "passinho" da Internet. Para ela, havia risco de dano imediato aos preceitos religiosos da Sociedade Beneficiente Muçulmana, o que justificaria a suspensão dos links até uma decisão final.

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O Google recorreu dessa decisão e conseguiu cassar a decisão da juíza. Seus argumentos seriam de que a proibição do vídeo caracterizaria censura à uma manifestação cultural do funk brasileiro e que os vídeos seriam "inofensivos". Além disso, alegou que as regras religiosas vinculam somente aqueles que professam daquela determinada fé, e não toda a sociedade, motivo pelo qual não haveria problema no remix criado pelo MC Dadinho recitar o Alcorão fora do "estado de pureza". O Tribunal de Justiça de São Paulo concordou com a empresa, destacando que a censura aos vídeos dependeria de uma análise cuidadosa em relação à liberdade de expressão e liberdade religiosa, o que ainda não teria sido feito na primeira instância. Até lá, é melhor deixá-los no ar do que censurá-los.

Não é a primeira nem a segunda vez que a fé entra em conflito com manifestações culturais, de cunho humorístico ou não. No fim de 2013, o canal Porta dos Fundos foi processado pelo seu especial de Natal, que recriava passagens bíblicas de maneira satírica. Em janeiro deste ano, a França assistiu com horror o ataque à sede do jornal "Charlie Hebdo", cujas charges teriam ofendido muçulmanos. Neste mês, a Igreja Universal ameaçou processar o cartunista Vítor Teixeira, por ter criado uma charge envolvendo os "Gladiadores do Altar", grupo fundamentalista criado pela Igreja.

Nesses casos, a religião é invocada como argumento que justificaria restrições à liberdade de expressão. Até que ponto manifestações como essas podem ser consideradas ofensivas? A partir de que momento pode-se falar em um dano à liberdade religiosa? Como garantir a liberdade de crítica e reflexão social em relação a cultos e credos religiosos sem permitir o preconceito e a discriminação?

Para essas perguntas complexas, a resposta do Tribunal de Justiça de São Paulo parece ter sido acertada: a análise é subjetiva e deve ser feita caso a caso, com muita cautela. Suprimir conteúdos pelo mero fato de esbarrarem em dogmas e temas religiosos é tirar a religião do alcance das manifestações culturais e democráticas. É torná-la tabu. A liberdade de expressão certamente não é irrestrita, mas nem tudo que faz rir (ou dançar) ofende.

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