Diferente e muito melhor

O mundo teria sido diferente sem a capacidade única de Jobs de perceber porque os produtos não satisfaziam as pessoas

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Por Redação Link
Atualização:

Os eletrônicos de hoje ainda existiriam sem Steve Jobs, mas qual seria a aparência deles? O mundo teria sido diferente sem a capacidade única que ele tinha de perceber porque os produtos não satisfaziam as pessoas

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Por Farhad Manjoo, colunista de tecnologia da Slate

Vazio. Cadeira reservada ficou à espera de Jobs durante evento de lançamento do iPhone 4S. FOTO: Reprodução

Mais do que qualquer outra pessoa, Steve Jobs moldou a tecnologia moderna e também a vida moderna. Recebi a notícia da morte de Steve Jobs num dispositivo inventado por ele – o iPhone – e estou escrevendo numa outra máquina que é fruto da sua vontade criadora, o computador de interface gráfica.

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Por acaso, estou usando um PC com Windows. Só o teclado é Apple. Mas nada disso importa. Assim como o smartphone de tela sensível ao toque e o tablet, o PC que usamos todos os dias se tornou onipresente graças principalmente a ele. Permita-me ir além: se você quer um Kindle Fire ou um BlackBerry PlayBook, se joga Angry Birds num iPod Touch ou num Nexus Prime, do Google, se tem Mac ou PC, a verdade é que você sucumbiu ao plano mestre de Steve Jobs.

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Talvez esse elogio pareça amplo demais. Máquinas progridem graças ao trabalho de milhares de programadores, engenheiros, montadores e pesquisadores em centenas de grandes e pequenas empresas no Vale do Silício e em todo o mundo.

Jobs, que nunca recebeu treinamento em engenharia de software ou de hardware, não tinha boa parte do conhecimento técnico necessário para impulsionar a revolução dos computadores. Ele não fez os microchips ficarem mais rápidos, não ampliou a capacidade dos discos rígidos, não reinventou os leitores óticos de mídia de armazenamento, nem os gráficos em formato bitmap, nem os rádios celulares e nem mesmo o mouse.

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Se Jobs não estivesse por perto, isto não impediria o surgimento de todos esses avanços – e pessoas como Bill Gates, Andy Grove, Michael Dell e Larry Page teriam transformado essas tecnologias em computadores, telefones e tocadores de música.

Mas se Steve Jobs não existisse, qual teria sido a aparência desses aparelhos? Para compreender como ele mudou a forma de fazer o que fazemos todos os dias, basta observar como indústrias inteiras mudaram depois que Jobs trouxe a Apple para esses mercados. Pense no BlackBerry, no Palm Pilot, no tocador de música Nomad, da Creative, ou no MS-DOS. Todos são úteis, cumpriam a função proposta. Mas não eram fantásticos de se usar. Eram todos desajeitados.

Mais importante: eles representavam o ponto culminante lógico, darwiniano, das principais tendências tecnológicas. O BlackBerry é o resultado óbvio de processadores menores, telas menores e rádios celulares melhores. Se a Research In Motion não o tivesse criado, alguma outra empresa o teria feito.

O iPhone não era uma inevitabilidade. Cada detalhe daquele dispositivo era o produto de um profundo processo de pesquisa e refinamento incomparável. Enquanto cada uma das demais empresas de tecnologia foi moldada pelas forças da evolução tecnológica, possibilitando que seus produtos ficassem melhores conforme os chips se tornavam mais rápidos e baratos, Jobs não tinha paciência para a evolução. O projetista inteligente era ele próprio.

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Toque único. O maior dos talentos de Jobs foi sua capacidade de identificar os pontos de doloroso atrito em cada tecnologia que tocava. Ele era capaz de olhar para qualquer coisa e dizer por que motivo ela não satisfazia ao usuário. Essa se tornou a fórmula padrão dele para o lançamento de novos produtos: Jobs começava explicando o que havia de pior na indústria que ele em breve suplantaria.

Smartphones do velho estilo? Eram atrapalhados pelo excesso de botões, que estavam ali quer precisássemos deles ou não e que permaneciam estáticos para cada aplicativo usado, deixando pouco espaço para a tela.

Tocadores portáteis de música? Tinham capacidade para poucas músicas, eram lentos na transferência dos arquivos, não catalogavam as músicas de maneira útil e eram grandes e desajeitados para se levar consigo. E os tablets anteriores ao iPad? Jobs era capaz de criticá-los durante um dia todo.

Há uma escola hagiográfica (termo que designa o estudo da biografia de santos) de Jobs que sugere ter sido ele o inventor individual das soluções. Mas, embora haja centenas de patentes com o nome dele, Jobs não era o grande responsável pelas ideias dentro da Apple. O papel dele era separar as boas ideias das más ideais que os outros tinham e refinar essas boas ideias até elas virarem produtos.

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O caso mais famoso desse seu talento foi o mouse, dispositivo que ele conheceu em 1979 numa viagem à unidade de pesquisas da Xerox em Palo Alto. Jobs percebeu na hora que aquilo poderia redefinir a computação e trabalhou febrilmente na tentativa de transformar aquilo em algo útil. Ele copiou outras partes do Mac de Jef Raskin, lendário especialista em interfaces de computador na Apple que bolou vários dos principais conceitos da computação gráfica. Mas ele não se limitou a imitar as melhores ideias dos outros.

Ele também se inspirou em domínios diferentes, mais distantes. Depois de largar a Universidade Reed aos 17 anos, continuou a passar o tempo no câmpus em busca de algo para fazer. Ele tinha ouvido falar a respeito do robusto programa de caligrafia daquela universidade e, assim, decidiu assistir a algumas daquelas aulas, como contou no discurso que fez em Stanford (leia íntegra aqui).

Ele atribui a essas aulas alguns dos traços mais marcantes do Mac. Neste ponto, é difícil discordar de Jobs. Se ele não tivesse trazido ao Mac os diferentes tipos de fonte com espaçamento proporcional – se o Mac não tivesse existido – é difícil imaginar outra pessoa que o tivesse feito. Microsoft? Dell? Sem chance.

Isso pode parecer um detalhe – que problema haveria se nossas fontes fossem feias? – mas o mesmo raciocínio pode ser aplicado a tudo o mais que Jobs ajudou a difundir, do touchscreen à app store. Nada disso teria chegado ao grande público sem antes passar pela cabeça dele.

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Numa era governada pela modularidade medíocre – na qual uma empresa faz o hardware, outra faz o software e outra reúne tudo num produto cheio de anúncios e aplicativos inúteis – Jobs enxergava os aparelhos eletrônicos como a expressão de uma visão artística. Foi essa visão que o definiu. E talvez só seja possível compreendê-lo por meio dos produtos lançados pela empresa dele. As pedras de toque da estética de Jobs são óbvias: elegância e minimalismo.

E ele acreditava na luta contra a inércia. Isso é verdadeiro em se tratando do plano dele para a Apple e dos aparelhos que ele ajudou a criar.

Quando olho meu iPhone, meu iPad, meu MacBook Air, ou o teclado Apple no qual estou digitando agora, posso ver mais da intimidade de Jobs do que jamais poderia ter visto em qualquer outra situação. Esses produtos existem porque ele compreendeu que as máquinas não tinham que ser como eram. Steve Jobs não se limitou a desejar que a tecnologia mudasse. Ele tornou isto realidade e, graças a ele, o mundo é um lugar muito diferente e muito melhor.

/ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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