Os bilionários “barões do espaço” – Elon Musk, Jeff Bezos e Richard Branson – deram à indústria um prestígio que não era visto desde a era Apollo nos anos 60 e 70, com Branson e Bezos viajando ao espaço em voos suborbitais em suas próprias espaçonaves e a SpaceX de Musk se tornando a principal empresa a enviar pessoas e cargas para a Estação Espacial Internacional. Em meio aos bons ventos, os investidores estão com medo de ficar de fora.
É uma ótima notícia para as empresas espaciais que esperavam conseguir uma fatia do negócio de lançamento de satélites. Porém, o êxtase fez com que os analistas alertassem que o espaço ainda é um negócio nascente e arriscado, a uma explosão de foguete do desastre.
Centenas de milhões de dólares estão agora fluindo para uma indústria há muito considerada arriscada demais para investimentos sérios. Novas startups estão surgindo em um ritmo que traz à memória os primeiros dias do boom da tecnologia, quando o dinheiro era injetado nas startups do Vale do Silício no início da era da Internet. O general John "Jay" Raymond, chefe de operações espaciais da Força Espacial dos Estados Unidos, chegou a prever durante um recente discurso que o investimento no setor espacial comercial levaria a "uma segunda era de ouro do espaço".
Na última década, os investidores injetaram US$ 200 bilhões em 1.500 empresas espaciais em todo o mundo, de acordo com uma análise realizada pela Space Capital, empresa de capital de risco que investe no setor espacial. Os investimentos em novas empresas espaciais chegaram a US$ 7,6 bilhões no ano passado, um aumento de 16% em relação a 2019, de acordo com a Bryce Space and Technology, empresa de consultoria.
"Este nível de investimento é consistente com a tendência de seis anos, começando em 2015, de níveis sem precedentes de investimento impulsionado por capital de risco circulando na indústria espacial", disse a empresa.
Isso ajudou a impulsionar uma economia global espacial que cresceu 4,4% em 2020, de acordo com a Space Foundation, organização americana sem fins lucrativos que defende os setores da indústria espacial global. Ao longo dos últimos 10 anos, a economia espacial cresceu 55%, de acordo com a organização, que disse que o mercado de produtos e serviços espaciais está avaliado em US$ 219 bilhões.
Abertura de capital
Além desses investimentos, várias empresas espaciais abriram o capital no ano passado por meio de empresas de aquisição de propósito específico (SPACs). A Virgin Galactic, empresa de turismo espacial de Branson, foi uma das primeiras empresas de destaque a abrir o capital por meio de uma SPAC quando se fundiu com um fundo de hedge de Nova York em 2019. Desde então, as SPACs "explodiram em popularidade", de acordo com um relatório de analistas da Avascent and Jefferies, empresa de consultoria financeira especializada no setor aeroespacial, que constatou que as fusões em todos os setores arrecadaram US$ 83 bilhões em 2020 em comparação com US$ 14 bilhões no ano anterior. Mas as ações podem ser voláteis. Nas últimas semanas, por exemplo, quando duas empresas espaciais enfrentavam problemas, as ações delas sofreram perdas. As ações da Virgin Galactic caíram depois que a Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA, na sigla em inglês) disse que estava investigando a empresa depois que seu voo espacial, com Branson a bordo, saiu da área autorizada. A investigação foi relatada pela primeira vez pela New Yorker.
A Astra, startup de foguetes com sede fora de São Francisco, viu suas ações caírem depois que uma tentativa de lançamento falhou e não conseguiu alcançar a órbita no mês passado.
Apesar disso, mais de uma dezena de empresas abriram o capital, ou anunciaram que fariam isso nos últimos meses. Entre elas estão a Planet, que construiu uma constelação de satélites para capturar imagens da Terra, e a Astra. A Rocket Lab, que lançou dezenas de pequenos satélites em seu foguete, o Electron, começou a ser comercializada na Nasdaq no mês passado. E a Virgin Orbit, que "lançou" um foguete, desenvolvido para enviar satélites para a órbita, debaixo da asa de um Boeing 747, anunciou que abriria o capital por meio de uma SPAC e que havia arrecadado US$ 100 milhões em outra rodada de financiamento apoiada pela Boeing e pela AE Industrial Partners.
As empresas de fora dos EUA também estão impulsionando o crescimento, segundo os analistas. “Daqui para a frente, eu esperaria ver o setor se tornando cada vez mais internacional”, disse Nickolas Boensch, gerente de programa na Bryce. “China, Japão e Reino Unido têm sido grandes players aqui, e há algo vantajoso em ter uma capacidade doméstica.”
Mas parte do mercado talvez esteja excessivamente promovido e superaquecido, e os analistas alertam que isso poderia reiniciar uma bolha de tecnologia semelhante a do início dos anos 2000. “Não acho que haja qualquer dúvida de que estamos em uma bolha”, disse Greg Autry, professor de política de liderança espacial e negócios na Universidade do Estado do Arizona. “Mas está tudo bem. Muitas pessoas se assustaram durante a bolha de comércio eletrônico. Mas se eu tivesse a oportunidade de comprar a Amazon ou o Google no auge daquela bolha, eu compraria.”
Mas como os profissionais da Avascent observaram na receita projetada de 10 empresas que recentemente abriram o capital, os analistas alertaram que “nem todas as SPACs são criadas iguais”. Eles observaram que “não há almoço grátis no mercado de capitais. Dado que as SPACs oferecem grandes oportunidades de retorno, elas, consequentemente, carregam riscos notórios.” Chad Anderson, o sócio-gerente da Space Capital, concordou, dizendo que "na maioria das vezes, isso deve ser visto com um olhar muito cético." Várias empresas ainda não produziram receita, disse ele, e "elas têm essas projeções de passarem magicamente de US$ 15 milhões para US$ 2 bilhões em receita em dois anos. E você deve se perguntar como elas vão fazer isso." Os investidores há muito evitavam investir na indústria espacial - a maneira mais rápida de se tornar um milionário no setor, como diz um ditado, é entrar nessa como um bilionário.
"Havia um mercado muito limitado, com um punhado de empresários o defendendo de um lado e o governo do outro", disse Anderson.
Novo horizonte
A SpaceX mudou esse cenário. A empresa de Musk mostrou que poderia ganhar a confiança da NASA e do Pentágono, fechar contratos lucrativos com o governo, assim como conquistar uma grande parte do mercado de lançamento comercial de espaçonaves. No ano passado, por exemplo, a SpaceX fechou um contrato com o Pentágono de US$ 316 milhões para lançamentos de satélites entre 2022 e 2027. A United Launch Alliance, a joint venture da Lockheed Martin e da Boeing, recebeu US$ 337 milhões para lançamentos durante aquele período. A SpaceX tem sido uma notável beneficiária de investimento privado. Em 2015, o Google e a Fidelity investiram US$ 1 bilhão na empresa, ajudando-a a financiar a constelação de satélites, chamada de Starlink, que está sendo construída para fornecer internet aos consumidores a partir do espaço.
Repetir o sucesso da SpaceX talvez seja difícil. A tentativa da Astra de alcançar a órbita deu errado no mês passado em uma situação estranha, em um estilo "eu acho que consigo", a empresa viu o foguete iniciar os motores em sua plataforma de lançamento no Alasca, em seguida, deslizar para o lado como se estivesse caindo e, finalmente, subir aos céus. Ele voou direto para cima por 2 minutos e meio antes de girar descontroladamente. Os controladores no solo encerraram o voo, causando a queda do foguete no oceano. Mas o CEO da Astra, Chris Kemp, acredita que sua empresa, que usa uma plataforma de lançamento móvel, o que permite a empresa realizar lançamentos de qualquer lugar onde consiga permissão, terá sucesso em um mercado que está vendo uma enorme proliferação no número de satélites inundando a órbita da Terra.
Nos próximos 10 anos, mais de 50 mil satélites podem ser lançados na órbita, em comparação aos poucos milhares atualmente em operação hoje, de acordo com a Analytical Graphics Inc., empresa com sede fora da Filadélfia que desenvolve software para rastrear espaçonaves e destroços no espaço. Para acompanhar a demanda, a Astra planeja realizar lançamentos quase diariamente até 2025, disse Kemp, uma meta ambiciosa que, segundo ele, na verdade, é "conservadora". “Isso é o que é ótimo em ser uma empresa de capital aberto”, afirmou."Você precisa mostrar algumas coisas e, então, seus acionistas irão julgá-lo com base em seu desempenho." Depois de o lançamento da Astra não ter saído como planejado, Kemp disse que um motor da espaçonave falhou logo após a ignição. Mas ele escreveu no Twitter que estava "incrivelmente orgulhoso de nossa equipe. O espaço talvez seja difícil, mas assim como esse foguete, não estamos desistindo." Peter Beck, fundador e CEO da Rocket Lab, também acha que sua empresa está bem posicionada. Ela realizou quase duas dezenas de lançamentos nos últimos três anos de sua base na Nova Zelândia, colocando mais de 100 satélites em órbita para uma variedade de clientes, inclusive a NASA e o Pentágono. E tem mais de US$ 100 milhões em lançamentos reservados para uma série de clientes comerciais e do governo. Tudo isso dá à Rocket Lab uma vantagem sobre algumas das outras empresas espaciais que buscam arrecadar recursos, disse Beck. “Somos líderes nesta área há três anos”, disse ele. “À medida que os investidores tentam distinguir as empresas, é bastante gritante. Existe uma coluna cheia de zeros - zero lançamentos, zero receita, zero tudo. E há uma coluna do lado da Rocket Lab que tem números significativos. Portanto, isso deve ser bastante óbvio." Quando Tim Ellis tentou arrecadar dinheiro para sua jovem startup de foguetes em 2016, ele apresentou a proposta a 90 investidores ao longo de um período exaustivo de seis semanas. "Oitenta e nove disseram não", lembrou. "Um disse sim" para cobrir a rodada de US$ 10 milhões.
Mas, no ano passado, a história foi diferente. Os investidores procuraram Ellis e sua empresa, a Relativity Space, e ele conseguiu US$ 500 milhões, uma quantia gigantesca para uma empresa de foguetes que nunca lançou uma única espaçonave. Então, em junho, a empresa arrecadou mais US$ 650 milhões, um feito que diz que permitirá a construção de uma nova instalação e a busca por um foguete maior projetado para competir com a SpaceX. A Relativity Space já vendeu uma série de voos em seu foguete, o Terran 1, que a empresa planeja lançar no início do próximo ano. O foguete é "definitivamente a espaçonave com mais pré-vendas na história antes do lançamento, tanto pelo número de voos quanto pelo valor total", disse Ellis. O que destaca a Relativity de seus concorrentes é o modo como ela fabrica seu equipamento. Os foguetes são feitos completamente por uma impressora 3D gigantesca, o que poderia abrir outros caminhos nos negócios para a empresa. Mas, por ora, ela está focada na construção de foguetes e mudar o jeito tradicional que a indústria opera há anos, afirmou. "Sempre soubemos que estávamos, na verdade, construindo essa tecnologia de fabricação baseada em um software que pode ser dimensionada sem ferramentas fixas", disse Ellis. "E estou bastante convencido de que isso será a força dominante, não apenas na indústria de lançamentos, mas na indústria aeroespacial em geral, que não muda há 60 anos. Ainda estamos construindo produtos à mão, um por vez, com centenas de milhares a milhões de peças individuais, uma cadeia de suprimentos muito complicada, uma tonelada de trabalho manual e estruturas de custo realmente ineficientes. " No início, isso era uma proposta difícil de ser vendida. Atualmente, é apoiada por alguns dos maiores nomes da comunidade de investidores, de Mark Cuban a Y Combinator, Fidelity, BlackRock e Tiger Global.
Agora tudo que a empresa precisa fazer é provar que é digna de todo aquele dinheiro. /TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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