Em 2019, os fãs de séries e filmes terão de colocar a mão no bolso (e baixar mais alguns aplicativos para o celular) se quiserem estar perto das novidades do mercado de streaming de vídeo. Se hoje esse setor já é disputado por grandes nomes, como Netflix, Amazon, HBO e Globo, no ano que se inicia ele ganhará dois novos competidores de peso: Apple e Disney. As datas de lançamento ainda não foram reveladas, mas as estratégias das duas empresas para buscar um lugar na tela dos consumidores está mais ou menos traçada.
No caso da dona do iPhone, o ponto de partida são os seus próprios aparelhos, na mão de usuários em todo o mundo – hoje, calcula-se que a base ativa de iPhones, por exemplo, gire em torno de 700 milhões. Com lançamento esperado para o primeiro semestre de 2019, o serviço de streaming da Apple deverá ser oferecido gratuitamente, pelo menos a princípio, para qualquer usuário de um aparelho da empresa comandada por Tim Cook.
“Controlar o dispositivo é um grande diferencial da empresa”, avalia Luís Bonilauri, diretor da área de mídia e comunicação da Accenture. Para ele, porém, a incógnita é se a empresa conseguirá ter conteúdo capaz de se destacar. Recursos para isso existem: com reservas totais de mais de US$ 200 bilhões, a Apple já destinou US$ 4,2 bilhões para novos programas até 2022, segundo a revista Variety. Também atraiu nomes como Oprah Winfrey e James Corden (o apresentador inglês do programa de música Carpool Karaoke) para a empreitada, além de contratar executivos com passagens por BBC, Paramount e Sony Pictures.
Mickey. Já a Disney aposta em décadas de conteúdo e marcas relevantes para atrair os usuários – afinal, além do Mickey, é dona de Pixar, Marvel, Star Wars, e comprou no ano passado a Fox, com direito a títulos como Os Simpsons, Avatar e Arquivo X. No fim de 2018, a empresa anunciou que o nome de seu serviço será Disney+, com estreia prevista para este ano.
Para o lançamento, a Disney já prepara séries da Marvel e de Star Wars, além de uma versão episódica de High School Musical, hit dos anos 2000. “Não é difícil imaginar que a Disney vá conseguir ganhar tração, mas é difícil saber como ela vai diferenciar seu serviço dos canais que tem em TVs por assinatura”, aponta Fernando Elizalde, analista do Gartner.
Já Fabro Steibel, diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), vê nas duas empresas motivações além do conteúdo – a Apple buscando fidelizar o cliente do iPhone e a Disney usando a plataforma como vitrine para outras fontes de receita, de produtos licenciados a parques temáticos.
Reação. Ciente das movimentações futuras, o mercado já começou a se organizar. Amazon e Netflix, por exemplo, seguem aumentando seu investimento em produção de conteúdo original – no ano passado, a Netflix gastou cerca de US$ 10 bilhões com séries e filmes. Tem dado certo – caso dos filmes Bird Box e Roma, de Alfonso Cuarón, cotado para o Oscar deste ano. Há dúvidas, porém, se a conta da empresa fecha – hoje, ela carrega dívidas na casa dos US$ 12 bilhões.
“É uma estratégia parecida com a que fez a Amazon com o e-commerce: ela busca ganhar uma escala global para, depois, fazer dinheiro”, avalia Bonilauri, da Accenture. Por ter sido pioneira no setor, a Netflix tem força suficiente para que sua estratégia funcione. Mas, para isso, seu conteúdo precisa se destacar, especialmente em um momento em que perde catálogo, à medida que novatos chegam ao mercado.
“No primeiro momento, as grandes produtoras de conteúdo fizeram acordos de licenciamento. A Netflix foi boi de piranha”, diz Steibel. Para não perder um trunfo como Friends, por exemplo, a empresa pagou US$ 100 milhões à Warner. “Agora, quando todo mundo tenta criar seu próprio serviço, o mercado vai se fragmentar. Haverá a criação de nichos”, aposta o pesquisador do ITS.
Outra consequência possível com a pulverização do streaming é o aumento da pirataria – afinal, poucos serão os consumidores que poderão pagar por diversos serviços, em mensalidades que custam pelo menos R$ 20 ao mês. Indícios disso já apareceram: o serviço de compartilhamento de arquivos BitTorrent, utilizado para download ilegal de séries e filmes, foi responsável por 22% do tráfego global de uploads no ano passado – em 2016, era de 18%, segundo dados da consultoria Sandvine.
Dados. Para os analistas ouvidos pelo Estado, há outro fator que pode desequilibrar a disputa no streaming. Além do conteúdo em si, há também os dados que cada plataforma consegue captar de seus usuários, medindo seus gostos e criando conteúdo a partir disso, em um sistema que se retroalimenta. Há mais tempo no mercado, a Netflix tem a dianteira nesse aspecto – a ponto de, ao perceber a demanda dos consumidores por séries ambientadas nos anos 1980, criar Stranger Things, um de seus maiores sucessos.
Apple e Amazon, por sua vez, conhecem os hábitos de uso de tecnologia e de consumo de seus usuários, o que também pode ser um bom sinal. Mas a disputa não está encerrada: para Steibel, do ITS, serviços regionais podem se destacar. “A Globo conhece o consumidor brasileiro de uma forma que os rivais globais não conseguem”, ressalta o pesquisador. É um trunfo, de fato, da emissora brasileira, que vai investir pesado neste ano para fazer seu serviço deslanchar para além de suas produções. Em dezembro, a empresa anunciou, por exemplo, que terá Handmaid’s Tale, exibida pela Paramount na TV paga.
A briga será boa – mas há muito dinheiro em jogo: segundo a consultoria Ampére Analysis, o mercado de streaming de vídeo deve faturar US$ 46 bilhões ao longo de 2019, superando a receita global das bilheterias de cinema, prevista para US$ 40 bilhões. Ao consumidor, é hora de preparar a pipoca – no micro-ondas de casa. / COLABORARAM MARIANA LIMA, BRUNO ROMANI E GIOVANNA WOLF
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