‘Big Techs’ enfrentam crise inédita com demissões e reajustes após fartura na pandemia

Mudança no cenário macroeconômico mundial força as gigantes da tecnologia a buscar mais eficiência, desacelerando crescimento da última década

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Foto do author Guilherme Guerra

As gigantes da tecnologia, grupo de empresas mais valiosas do mundo (que abarca Apple, Microsoft, Google, Amazon e Facebook), foram as companhias que melhor surfaram na onda da pandemia de covid-19, quando o isolamento social se fez necessário para combater o vírus e, consequentemente, a digitalização de diversos segmentos foi obrigatória para manter a economia mundial girando. Agora, pouco mais de um ano da normalização dos serviços, parece que os ventos mudaram e essas firmas enfrentam uma crise inédita.

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A Meta (companhia de Mark Zuckerberg, que comanda o Facebook, Instagram e WhatsApp) demitiu 13% da força de trabalho em 9 de novembro, totalizando 11 mil pessoas, maior corte da história entre as empresas de tecnologia. Na semana seguinte, a varejista Amazon iniciou os cortes de 10 mil funcionários, cerca de 3% da companhia americana, e planeja mais uma rodada em 2023, segundo já adiantou o CEO Andy Jassy.

Outras demissões ocorreram no Twitter, Netflix, Snap e Lyft nos últimos meses, entre outras firmas, incluindo startups menores ao longo do ano. Segundo levantamento do Estadão, nos 11 meses de 2022, mais de 17 mil pessoas foram demitidas entre as grandes companhias de tecnologia dos EUA, sem incluir a Salesforce, que não revelou o número.

Apple e Google não concretizaram demissões, mas essas companhias já sinalizaram que vão buscar mais eficiência em seus produtos (o que pode significar aumento de preços para o consumidor final) e, no curto prazo, estão diminuindo ou até congelando a contratação de funcionários. Em outubro, a Microsoft demitiu mil pessoas em todo o mundo.

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Para especialistas, cada uma dessas Big Techs faz ajustes por um motivo diferente. Mas o que as une é o cenário econômico desafiador de 2022, que traz a volta à normalidade pré-pandêmica (portanto, há menor digitalização, como arrefecimento do e-commerce e do uso serviços de streaming, por exemplo), a alta dos juros globais para conter a inflação (que corrói o bolso do consumidor e encarece a tomada de capital por parte das empresas) e a guerra na Ucrânia (que desestabiliza as cadeias globais de produção).

“As gigantes da tecnologia estão começando a ver um cenário de turbulência depois de um período de crescimento massivo”, aponta o analista Dan Ives, da consultoria americana WedBush. Para ele, a Meta e a Amazon são os primeiros indicadores de um cenário sensível que deve se estender por 2023.

Pela primeira vez em uma década, estamos vendo demissões e congelamentos acontecerem pelo cenário de tecnologia

Dan Ives, analista da WedBush

Essa pressão afetou mais cedo as startups, pequenas empresas de tecnologia que operam na mesma lógica de queima de caixa e, na maior parte, dependem de aportes financeiros de investidores para continuar crescendo. Ao longo do ano, diversos nomes do mercado realizaram cortes, como a gigante Stripe, GoPuff e Coinbase demitiram milhares de pessoas, bem como companhias brasileiras do setor, como QuintoAndar, Loft e Hotmart, entre outros.

“Pela primeira vez em uma década, estamos vendo demissões e congelamentos acontecerem pelo cenário de tecnologia. Essas empresas torraram dinheiro como estrelas do rock dos anos 1980 em meio a enormes projeções de crescimento, fácil acesso a capital com baixas taxas de juros e transformações de tendências dos consumidores e empresas”, explica Ives. “Isso fez com que elas estivessem no topo da pirâmide de gastos pelo mundo.”

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Meta é a companhia proprietária dos aplicativos Facebook, Instagram e WhatsApp Foto: Dado Ruvic/Reuters - 2/11/2021

Ajuste de contas

Se a fartura proporcionada pela digitalização durante a pandemia acabou, agora é hora de o “pêndulo do mercado” rumar para um ponto de equilíbrio, defende Junior Borneli, presidente executivo e fundador da StartSe, plataforma de empreendedorismo.

Para a Amazon, por exemplo, as demissões incluem times envolvidos com diversas áreas, incluindo aqueles desenvolvedores que trabalham com a assistente digital Alexa. Desde 2019, a gigante americana do varejo saiu de 630 mil funcionários pelo mundo para chegar a 1,62 milhão no primeiro trimestre de 2022.

Já a Meta está em um lugar mais complicado, diz Borneli. Isso porque a companhia de Mark Zuckerberg enfrenta múltiplos desafios: concorrência acirrada com o TikTok, que vem “roubando” usuários mais jovens; menor eficiência em anúncios publicitários no Facebook e Instagram, causada por mudanças na privacidade do iPhone; e, por fim, investimentos até então infrutíferos no metaverso, aposta da companhia como o futuro da internet.

Meta ainda é dependente do negócio de redes sociais

Guilherme Zanin, analista da Avenue

“As demissões na Amazon são muito mais um ajuste do negócio do que uma crise interna na empresa”, acrescenta Borneli. “Quando olhamos para a Meta, existe uma crise, porque a companhia aposta em um mercado novo que ainda não está acontecendo.”

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O movimento da Meta parece não ter animado investidores, que têm olhado com receio para esse cenário de aumento de gastos. Desde setembro de 2021, a Meta perdeu quase US$ 800 bilhões em avaliação de mercado, caindo do “clube do trilhão” (composto somente pelas Big Techs) para um total de US$ 297 bilhões na última sexta-feira, 25.

O analista Guilherme Zanin, da corretora de investimentos Avenue, concorda que a situação da Meta é mais delicada. Para ele, Zuckerberg navega na contramão do mercado ao insistir no metaverso, enquanto rivais buscam mais eficiência em produtos e serviços já lançados.

“Além disso, não se sabe como esse mundo vai ser monetizado”, explica Zanin. “Com essas demissões, a companhia tentou se adaptar ao novo cenário, mas ainda pode demorar o metaverso se maturar, o que faz da Meta uma empresa ainda dependente do negócio de redes sociais.”

Tecnologia é resiliente

Apesar dos desafios, analistas do mercado acreditam que o setor de tecnologia é resiliente e ainda conta com nomes fortes que investem em inovação nas áreas de computação em nuvem, 5G, cibersegurança, processadores novos, inteligência artificial e eletrificação da economia, setores tidos como essenciais para as próximas ondas de inovação mundial.

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Para o mercado, os nomes fortes continuam sendo Apple e Microsoft, as duas empresas mais bem avaliadas (em US$ 2,4 trilhões e US$ 1,8 trilhão, respectivamente, até esta sexta-feira). As companhias têm receita diversificada, apostando em dispositivos e serviços (no caso da dona do iPhone) e em nuvem, redes sociais e games (no caso da dona do Windows).

“São as duas empresas mais velhas entre as Big Techs”, diz Borneli, lembrando que a Microsoft nasceu em 1975, enquanto a Apple é de 1976. “Elas passaram por várias crises nas últimas décadas e têm várias fontes de receita que fazem com que sejam mais resilientes em relação a oscilações de mercado. Elas são exemplos para o mercado.”

Ives, da consultoria WedBush, concorda com a resiliência dessas duas empresas, que podem sair maiores da crise ao acelerar investimento em áreas-chave enquanto aparam ineficiências: “Na corrida da tecnologia, este período de crise vai diferenciar as empresas vencedoras das perdedoras conforme entramos em 2023.”

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