A rede social Bluesky nasceu em 2023 como um dos candidatos mais fortes a “novo Twitter”. Desde a compra de Elon Musk por US$ 44 bilhões, em outubro de 2022, e as mudanças encabeçadas pela nova gestão, pessoas e marcas vêm se afastando do que hoje se chama de X e procuram um novo lar para postar ideias em poucos caracteres, com linhas do tempo infinita e a ideia de “praça pública da internet”, um lugar onde todos podem ler e ser lidos sem filtros de algoritmos.
Em meio a rivais como Threads, Koo e Discord, o Bluesky é a única rede que consegue replicar o espírito do antigo passarinho azul. Ao mesmo tempo, a plataforma adota o conceito de “rede social aberta” e “descentralizada”, cuja principal característica é permitir que usuários possam montar seus próprios algoritmos e escolher quais assuntos desejam ler – nesse formato de código aberto, os algoritmos que recomendam conteúdos não precisam ser definidos por empresas como Facebook, Instagram, TikTok ou mesmo do X, mas sim por cada usuário.
O céu azul, porém, ficou nublado neste mês de maio. Maior nome envolvido na promoção da plataforma e praticamente um porta-voz do negócio, o fundador e ex-CEO do Twitter Jack Dorsey abandonou a cadeira no conselho da nova rede. A saída levantou dúvidas sobre o futuro do Bluesky, que soma 5,6 milhões de usuários em todo o mundo.
Para Dorsey, o Bluesky começou a esbarrar no mesmo problema do Twitter, cujo comando ele deixou em 2021, e de outras plataformas de mídias sociais: a moderação de conteúdo. Por pressão dos anunciantes, que não querem ter suas marcas associadas a um “bueiro digital” repleto de conteúdo de ódio, as empresas de tecnologia se esforçam em usar trabalho humano e de inteligência artificial (IA) para retirar do ar conteúdo que possa desrespeitar as regras de boa convivência do espaço, como publicações racistas, misóginas, antissemitas, LGBTfóbicas, etc.
Dorsey, que testemunhou no Congresso americano após os episódios de tentativa de invasão do Capitólio nos EUA em 6 de janeiro de 2021, diz que esse trabalho das plataformas é uma forma de censura ao usuário e um ataque à liberdade de expressão – mesmo pensamento defendido por Elon Musk, que afrouxou as regras de monitoramento de conteúdo do X.
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A saída de Dorsey não parece ter mudado os rumos do Bluesky. Em entrevista ao Estadão, a plataforma planeja seguir como uma alternativa saudável ao Twitter (ou X) e, sim, moderar conteúdo em seu aplicativo, que pode ser baixado nas lojas digitais.
“Essa é uma área em que Jack (Dorsey) discordava. Ele queria que criássemos apenas o protocolo (de rede social descentralizda) e não tomássemos essas decisões de moderação opinativas”, afirma a presidente executiva e cofundadora do Bluesky, Jay Graber, em entrevista por videochamada. Segundo ela, o fundador do Twitter não participava das decisões da empresa havia meses: “Ele não estava ativo fazia um tempo.”
Decidimos criar um espaço moderado e seguro para as pessoas
Jay Graber, CEO e fundadora do Bluesky
Segundo a imprensa americana, a divergência com Dorsey surgiu quando o Bluesky decidiu deixar de ser somente um protocolo descentralizado de rede social aberta. Similar aos provedores de e-mail, o conceito permite que qualquer um, inclusive outras empresas, possam criar sua rede social em cima da estrutura fornecida de interoperabilidade de comunicação. Da mesma forma que um usuário de Gmail (do Google) pode se comunicar com um usuário de Outlook (da Microsoft), o protocolo de rede aberta permitiria, em tese, que uma publicação no Facebook possa ser publicada e lida também no LinkedIn. Nesse formato, o provedor não é responsável pela publicação dos usuários e, portanto, não lhe é exigido moderar conteúdo.
O vácuo deixado pelo Twitter desde o fim de 2022 forçou o Bluesky a desenvolver um aplicativo próprio, de mesmo nome, em cima da própria tecnologia de código-aberto. Ao adotar esse modelo, a equipe teve de escolher entre moderar conteúdo e atrair marcas anunciantes ou adotar a política de afrouxamento do novo X.
“Quando você está no negócio de oferecer um serviço às pessoas, como estamos fazendo agora com o aplicativo Bluesky, você quer ter certeza de que elas estão tendo uma boa experiência, então precisamos tomar algumas decisões em relação à moderação. Por isso, decidimos criar um espaço moderado e seguro para as pessoas”, explica a CEO.
A moderação do Bluesky acompanha o modelo de outras redes como o Facebook e Instagram. Ameaça de violência e assédio estão proibidos, assim como quaisquer publicações que possam violar a lei local. Há também os usuários que atuam como moderadores, com poder para controlar o que pode ou não ser publicado em determinado tópico (que, no Bluesky, ganha um “feed” próprio, similar a um fórum online). Esse formato de moderadores humanos é similar ao que já fazem o Discord e Reddit – e, ainda assim, enfrentam problemas, como nos conteúdos extremistas que circulam nessas plataformas.
Ao contrário do Threads, lançado como um braço do Instagram para ser o “novo Twitter”, mas sem a intenção de abraçar a polarização partidária que toma os debates nacionais, o Bluesky não veta conteúdo político na plataforma. Além disso, o formato de customização de algoritmos permite que cada usuário defina o que quer ver na própria tela – o que inclui as acoloradas discussões nas mídias sociais.
“Uma das principais diferenças é que não temos um feed único como o Twitter ou o Instagram”, diz Graber. A executiva cita que, com alguns ajustes no algoritmo da rede social, essas empresas têm o poder de alterar o que todos os usuários veem na tela. No Bluesky, é possível criar filtros e se inscrever em tópicos e comunidades de assuntos próprios. “Em última análise, deixamos à escolha do usuário e ao seu critério o que quer ver”.
Bluesky torna Brasil uma prioridade
O Brasil é um dos países mais empolgados com redes sociais e é conhecido por ser um “early adopter” de novas tecnologias. Muitas vezes, por conta desse traço dos usuários brasileiros, as empresas costumam lançar por aqui soluções ainda inéditas em outros territórios ou, ainda, dedicar especial atenção ao público local.
“De todos os diferentes mercados globais, o Brasil é aquele que mais anima nossas equipes”, afirma a diretora de operações do Bluesky, Rose Wang, ao Estadão. “Os brasileiros são muito sociáveis, extremamente bons em memes, muito vibrantes. Essa é uma comunidade com a qual queremos passar mais tempo.”
Rose afirma que os usuários brasileiros já desbravavam o Bluesky quando o aplicativo tinha 10 mil usuários no mundo. De 2023 a fevereiro de 2024, a plataforma exigia convites de membros já cadastrados para admitir novos usuários, causando um frisson em menor escala se comparado à febre do Clubhouse, em 2021.
Além disso, o Bluesky tem tentado atender aos desejos de brasileiros. Segundo a CEO Jay Graber, a opção de inserir GIFs foi implementada após pedidos de usuários do País, bem como traduziu a plataforma para o português brasileiro. Um “superfeed” de publicações de brasileiros também foi criado, com intuito de criar uma “praça pública digital” similar ao Twiter. “Sabemos que a base de usuários brasileiros parece gostar muito de piadas e memes, por isso estamos nos certificando de que teremos espaço para isso no Bluesky”, diz a presidente executiva.
Realmente precisamos conquistar o povo brasileiro
Rose Wang, COO do Bluesky
Não há informações sobre o número de brasileiros na plataforma, mas celebridades já têm tentado desbravar o novo território. Em abril passado, o presidente Lula criou uma conta na plataforma, onde começou a anunciar as decisões do governo – a criação ocorreu após Elon Musk criticar as decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes contra o X.
“Estamos tornando o Brasil uma prioridade”, diz Rose Wang. A aposta do Bluesky é de longo-prazo entre as redes sociais. E isso, continua ela, significa abraçar os usuários do País. “Realmente precisamos conquistar o povo brasileiro, e, por meio deles, vamos ter um poder duradouro.”
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