A corrida da inteligência artificial (IA) se intensificou entre EUA e China nos últimos meses. Mas o Brasil também pode ser um polo importante da tecnologia. É preciso, porém, que os setores da economia, como agro, energia e indústrias, estejam atentos e dispostos a investir na tecnologia. É nisso que acredita Luiz Tonisi, presidente da Qualcomm na América Latina. A empresa é uma das principais fabricantes de chips no mundo e passou a realizar fortes investimentos em IA.
Por aqui, a abundância de dados faz com que o Brasil seja um forte candidato a oferecer condições de treinamento de IA. Além disso, a possibilidade de modelos de linguagem ampla (LLMs) alimentados com informações em português e sobre o País pode ser uma ferramenta poderosa frente às tecnologias importadas em algumas áreas. Para Tonisi, as universidades, startups e profissionais que temos podem dar conta do recado — principalmente no desenvolvimento de softwares práticos — se tiverem pressa na corrida.
A urgência da Qualcomm para liderar a disputa por IA se explica. Em 2023, uma das empresas de tecnologia mais valorizadas do período foi a Nvidia, que foca em chips específicos para IA. No ano passado, a empresa viu uma sequência de alta de ações de mais de 230%. Uma área para oportunidades, porém, pode ser a de chips dedicados a IA para smartphones - para equipar seus processadores, a Apple tem o Apple Neural Engine, fabricado pela própria empresa e voltados especialmente para a tecnologia.
Já a Qualcomm é fornecedora de um dos primeiros chipsets com IA “embutida” do mercado, o Snapdragon 8 Gen 3, que equipa os novos celulares Galaxy S24 da Samsung. Com o processador, usuários podem acessar recursos de tradução, transcrição e correção de textos por IA sem precisar usar aplicativos ou internet para obter respostas. É uma tendência que deve se intensificar em 2024.
Em entrevista exclusiva ao Estadão, Tonisi contou os planos da Qualcomm para acompanhar o futuro da IA e discutiu o papel do Brasil neste cenário. Veja os melhores momentos da entrevista:
Qual a visão da Qualcomm para esse novo período da IA “embutida” nos aparelhos?
É muito simples: a gente acredita que ela vai ser híbrida. Por que a gente está começando a ver IA nos celulares e em outros dispositivos? Tudo o que a gente viu de IA hoje era por meio da nuvem. Na IA híbrida, parte do processamento ou todo o processamento vai ser feito direto no dispositivo, permitindo tarefas como tradução simultânea, por exemplo, sem conexão com a internet.
Qual é a vantagem de uma IA híbrida?
A primeira é o custo da transação. Se você fizer toda transação baseada em nuvem, o custo dessa transação e o consumo de energia que você tem é muito superior a um processamento direto no celular ou no computador, por exemplo. A segunda coisa é a segurança. Quando falamos de IA, falamos de assistente personalizado, de uma exposição das suas preferências, gostos e dados. Na IA embutida no aparelho, essas informações não vão para a nuvem. Então, pela parte de segurança, é um fator super importante você ter esses dados armazenados e selecionados por você e pelo seu assistente pessoal ou virtual. A terceira é que acreditamos que a IA vai estar em tudo: nos carros, nos celulares, nos computadores e vai transitar em todos esses aparelhos simultaneamente.
O que muda em um chip quando ele tem a função de processar uma inteligência artificial?
A gente está acostumado a sempre falar de CPU, que é capacidade de processamento central. Quando a gente vai para IA, a gente fala de NPU, que é a capacidade de processamento neural. É sobre a quantidade de parâmetros que o processador tem. Eles são importantes porque definem a quantidade de dados já inseridos no processador, permitindo que ele acesse a informação direto (no dispositivo). Uma imagem com IA generativa pode ser gerada assim, uma ferramenta de tradução também. Não é necessário conexão com a internet para essas atividades. Então o CPU continua sendo super importante, mas tem outras coisas agora que entram para jogar forte no desenvolvimento do processador, que é construir essa NPU e a quantidade de parâmetros que ele pode rodar.
Como esses parâmetros funcionam?
Quando você coloca uma quantidade de parâmetros dentro do processador, ele se baseia em uma curva que busca responder quais são as coisas que mais se repetem no mundo. A partir disso, é possível rodar os modelos de linguagem (LLMs) para trazer os resultados que você precisa. Mas tudo isso é muito dinâmico uma vez que o aparelho pode se conectar à rede, porque o dispositivo sempre vai estar aprendendo com você.
Como é possível garantir a segurança de dados dentro desses parâmetros que estão a todo momento buscando informações para se alimentar?
Todas as informações são criptografadas dentro do próprio chipset, elas não são abertas. Então não há dados indo para um software. Toda transação tem que ser aprovada pelo processador e o usuário pode abrir a informação criptografada, mover arquivos de lugar e trancá-la novamente nesse “cofre”. É importante porque a informação vai se tornar cada vez mais pessoal. Mas o usuário pode escolher as informações que quer compartilhar com a IA, porém esses dados pertencem a mais ninguém.
O Brasil pode ser um polo de desenvolvimento de IA? Por que?
A primeira resposta é que sim. Mas eu acredito que o Brasil pode, dentro das matrizes do que é importante economicamente e socialmente para o País, começar a desenvolver aplicações. Por exemplo: será que eu não posso ter máquinas com IA no agronegócio? Tomando decisões e ajudando a aumentar a produtividade, a competitividade do Brasil? Eu acho que a gente tem excelentes universidades, excelente mão de obra. Mas é uma questão de decisões. Se os setores econômicos no Brasil quiserem, eles podem usufruir, usar e criar (ferramentas de IA) e eu acho que tem mão de obra e capacidade intelectual local para isso.
A IA é 100% o foco da Qualcomm agora?
Sim. Nós nos colocamos como a empresa da IA híbrida. Vamos estar em todos os aparelhos, desde um IoT até o smartphone, computador e até servidores no futuro, por que não? A gente acredita que precisa espalhar IA por toda a cadeia. Por que eu tenho que ter IA só no celular? A experiência do usuário daqui para frente vai ter a IA espalhada por tudo que é lado.
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