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Busca pela vida eterna entre ricaços da tecnologia inclui sessões de ressonância de US$ 2,5 mil

Engenheiros e empreendedores do Vale do Silício fazem parte do movimento que acredita ser capaz poderiam ‘biohackear’ a expectativa de vida humana

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Por Elizabeth Dwoskin
Atualização:

THE WASHINGTON POST - Jessica Jensen sempre se considerou uma pessoa bastante saudável. A executiva do Vale do Silício se alimentava bem e se exercitava uma vez por semana. Mas na primavera de 2021, ela ouviu falar da Prenuvo, uma clínica boutique que oferece uma “ressonância magnética de corpo inteiro”.

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Embora as ressonâncias magnéticas sejam normalmente usadas para diagnosticar problemas específico, a Prenuvo apresenta o serviço como uma medida preventiva de rotina, como uma colonoscopia ou uma mamografia. Jensen ficou intrigada, e seu marido a convenceu a experimentar o exame na véspera de seu aniversário de 50 anos.

No dia seguinte ao exame, que custou US$ 2,5 mil, uma enfermeira da Prenuvo ligou para Jensen para dizer que a ressonância magnética havia detectado um cisto de dois milímetros em seu pâncreas. Os médicos confirmaram seus temores: Ela tinha câncer de pâncreas em estágio 1.

Jensen, que foi submetida a uma cirurgia para remover o tumor - juntamente com um terço do pâncreas e todo o baço. Ela atribui à Prenuvo a salvação de sua vida e passou a fazer parte de um número cada vez maior de defensores do exame de corpo inteiro, uma tendência que se consolidou entre os moradores ricos de lugares como o Vale do Silício e Los Angeles.

Prenuvo, que tem serviço ressonância magnética de corpo inteiro Foto: Prenuvo/Divulgação

Embora nenhum órgão médico oficial tenha sancionado a prática, celebridades e pessoas do capital de risco estão frequentando um número crescente de clínicas e inundando as mídias sociais com fotos de exames. Kim Kardashian postou recentemente sobre seu próprio exame, que ela descreveu como uma “máquina que salva vidas” e colocou a hashtag #NotAnAd.

Isso também sinaliza a próxima fase do movimento do “eu quantificado”, que começou entre engenheiros e empreendedores do Vale do Silício que argumentam que poderiam “biohackear” seus corpos para uma maior longevidade, tomando decisões de saúde com base em pilhas de dados personalizados.

“Para muitas pessoas com dinheiro aqui - especialmente após 2021 - a próxima fronteira é a sua saúde”, diz Kat Manalac, sócia da Y Combinator, maior aceleradora de startups do mundo.

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Cheia de dinheiro devido à explosão do mercado de tecnologia, uma nova geração de ricaços levou esse ethos ainda mais longe. Eles estão financiando uma nova onda de startups de saúde quantificada, que prometem um atendimento elevado e individualizado, alimentado por dados e inteligência artificial (IA).

Entre elas estão clínicas de atendimento primário como a Forward Health, que oferece exames de sangue “em tempo real”, monitoramento biométrico e aconselhamento genético preventivo. Há a Everlywell, que anuncia no Instagram kits de testes caseiros, que detectam bactérias intestinais problemáticas e alergias alimentares. Há a Signos, que usa adesivos de monitoramento contínuo de glicose para oferecer recomendações de dieta e exercícios em tempo real por meio de um aplicativo. Várias startups, incluindo a Ezra e a Neko Health, também oferecem exames de corpo inteiro.

Um investidor da Ezra, Bryan Johnson, que vendeu sua empresa Braintree para o PayPal por US$ 800 milhões há uma década, diz que gasta US$ 2 milhões anualmente com sua própria saúde. No início deste ano, ele recebeu uma transferência de plasma sanguíneo de seu filho de 17 anos como um experimento de bem-estar.

Uma pesquisa recente com 3 mil americanos, realizada pela A/B Consulting com a empresa de capital de risco Maveron, revelou que os americanos mais ricos - que ganham mais de US$ 250 mil por ano - estão dispostos a fazer o possível para viver mais. Isso inclui pagar do próprio bolso por novas terapias arriscadas, como a edição de genes. Manalac observou que a publicidade nas mídias sociais impulsionou a popularidade das ressonâncias - é uma tendência da era da pandemia, em que experiências médicas são vendidas diretamente aos consumidores online.

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Os financiadores da Prenuvo, da Ezra e de outras empresas de ressonância magnética de corpo inteiro são eles próprios alguns dos primeiros biohackers. Anne Wojcicki, CEO da empresa de genética 23andMe e ex-mulher do cofundador do Google, Sergey Brin, financia a Ezra e a Prenuvo e passou anos monitorando sua própria saúde. Outra financiadora da Ezra, Esther Dyson, participou dos primeiros encontros em que as pessoas trocavam planilhas de registros de saúde, disse ela em uma entrevista.

Entre os financiadores da Prenuvo estão também o presidente da Alphabet, holding do Google, Eric Schmidt, a supermodelo Cindy Crawford, importantes firmas de capital de risco e o criador dos termostatos Nest. Já a empresa sueca Neko Health foi fundada pelo CEO do Spotify, Daniel Ek. A empresa afirma que sua tecnologia pode coletar 50 milhões de pontos de dados sobre o corpo em minutos.

“O futuro da saúde é ter uma visão de 360 graus de seu corpo em todas as diferentes dimensões”, disse Emi Gal, de 37 anos, engenheiro de software que fundou a Ezra em 2018.

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O próprio Gal usa dois rastreadores de saúde diferentes - um em cada pulso - e toma suplementos dietéticos feitos sob medida, que são personalizados com base em seu exame de sangue. Todas as noites, nos últimos oito anos, ele preencheu seu “LifeLog” - uma planilha do Google codificada por cores na qual ele monitora seus hábitos de sono, seus níveis de oxigênio, sua densidade óssea e a pressão sobre seu coração, além de 154 outros pontos de dados sobre seu corpo.

A obsessão dele vem desde a infância, quando ele desenvolveu mais de 200 pintas, predispondo-o ao câncer de pele. “Fiz biópsias e removi pintas durante toda a minha vida”, disse ele.

Embora muitos dos membros do Ezra sejam biohackers, Gal calcula que dois terços são “conscientes do câncer”, pessoas que perderam entes queridos por causa do câncer e querem controlar sua ansiedade. Outro subgrupo é a Geração Z. “Eles não bebem, usam rastreadores, gastam a maior parte de sua renda disponível em suplementos e exercícios no Instagram”, disse ele.

Saguão de uma das clínicas da Prenuvo  Foto: Prenuvo/Divulgação

Não há indicação

Os especialistas em saúde pública concordam que muitos cânceres são detectados tarde demais e recomendam novos métodos de detecção precoce. Para os oito tipos de câncer mais comuns, a taxa de sobrevivência de 10 anos é de mais de 90% quando o câncer é diagnosticado no primeiro estágio, em comparação com 5% quando a doença é detectada no quarto estágio, de acordo com a Cancer Research UK.

No entanto, nenhuma instituição médica importante afirmou que a ressonância magnética de corpo inteiro é uma solução adequada. O processo pode levar os pacientes a um carrossel de testes de acompanhamento e procedimentos potencialmente complicados, que trazem seus próprios riscos.

“Os achados incidentais são, em sua esmagadora maioria, benignos”, disse Saurabh Jha, professor associado de radiologia do Hospital da Universidade da Pensilvânia e um crítico declarado dos exames. Mas a única maneira de saber se algo é benigno, argumentou ele, é continuar sendo examinado - o que é caro para o indivíduo e para o sistema de saúde.

“Aprendemos que existe esse reservatório silencioso de doenças que vive na maioria das pessoas, e que as doenças sutis se sobrepõem muito ao fato de serem completamente normais”, disse ele. “Em algum momento, você não consegue distinguir entre as duas.”

Em abril, o American College of Radiology divulgou uma declaração dizendo que não havia “nenhuma evidência documentada de que o exame de corpo inteiro seja econômico ou eficaz para prolongar a vida”. O American College of Preventive Medicine (Colégio Americano de Medicina Preventiva) recomendou que não fosse feito, embora as recomendações abordem principalmente os riscos das tomografias computadorizadas, que, ao contrário das ressonâncias magnéticas, submetem os pacientes à radiação potencialmente prejudicial.

Exames de ressonância de corpo inteiro viram tentativa de biohackear a longevidade  Foto: WashingtonPost / WashingtonPost

Os defensores dos exames dizem que a solução para os falsos positivos é, ironicamente, mais exames, o que permite que os radiologistas obtenham uma linha de base individualizada para cada paciente.

“A falácia dos argumentos contra o rastreamento é que eles presumem que quanto mais exames forem feitos, mais coisas assustadoras serão vistas e mais procedimentos desnecessários serão realizados”, disse o Dr. Daniel Sodickson, professor de radiologia da Universidade de Nova York e consultor da Ezra. “Mas quanto mais exames você fizer, menos terá que se preocupar, pois o médico estará mais familiarizado com aquela pessoa em particular.”

Há poucos dados em grande escala sobre pessoas que se submeteram a ressonâncias de corpo inteiro porque a prática é nova. As empresas afirmam que suas taxas de falsos positivos são muito baixas, mas que ainda é muito cedo para divulgar estatísticas.

IA para diminuir custos

As empresas também estão trabalhando arduamente na criação de IA para reduzir os custos dos exames. Devido aos avanços no reconhecimento de imagens, a Ezra diz que seu objetivo é oferecer um exame de corpo inteiro de 15 minutos por US$ 500 nos próximos anos - muito menos do que os US$ 2,3 mil que a empresa cobra atualmente.

Mas eles reconhecem que seus clientes são essencialmente cobaias em um vasto experimento para provar que a prática é benéfica em larga escala - o único caminho em potencial para que os exames sejam cobertos pelo seguro.

Poucos desses sujeitos parecem se importar. “Minha esposa e eu temos quatro filhas pequenas e podemos nos dar ao luxo de tomar essa precaução extra - é claro que vamos fazer isso”, disse Joe Lonsdale, investidor e cofundador da empresa de dados Palantir. /TRADUÇÃO BRUNO ROMANI

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