China usa feira de tecnologia para conquistar ‘território inimigo’ antes do governo Trump

Temendo as novas políticas restritivas do republicano, setor tecnológico chinês desfilou lançamentos pela CES, em Las Vegas

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Foto do author Bruna Arimathea

O sucesso das empresas de tecnologia chinesas sempre passou pelos Estados Unidos, seja na adoção, importação ou apresentação dos produtos. Mas o iminente segundo mandato de Donald Trump pode mudar a forma como essas companhias fazem negócios com os americanos - e a Consumer Electronics Show (CES), principal evento de tecnologia dos americanos, pode ter sido a última tentativa das marcas chinesas conquistarem espaço em “território inimigo” antes de uma guinada que promete endurecer o ambiente para o setor tecnológico do gigante asiático.

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A CES, que foi encerrada nesta sábado 11 em Las Vegas, contou com uma presença massiva de grandes nomes importantes da indústria chinesa, como TCL, Hisense, Lenovo, BYD e GWM. Ao todo, mais de mil expositores, entre empresas e startups do país, fizeram parte da feira neste ano, de acordo com o jornal chinês Global Times.

A ameaça de Trump para todos esses nomes é grande. O republicano, cujo mandato se inicia em 20 de janeiro, tem afirmado, desde o início de sua campanha presidencial, que pretende taxar a entrada de produtos chineses nos EUA em até 60%, além de cortar incentivos para setores em que a China tem uma forte participação no país. Uma das medidas, que pode afetar inclusive o aliado e, agora, companheiro de governo Elon Musk, é a retirada de incentivos para carros elétricos.

Estande gigante da TCL na CES exibe painéis altamente tecnológicos Foto: John Locher/AP

Segundo Trump, os subsídios para esse tipo de veículo têm beneficiado montadoras chinesas, como a BYD, a invadir o mercado americano, já que fabricantes locais, como GM e Ford não conseguem desenvolver uma frota suficientemente grande para sustentar o mercado. Com isso, o incentivo ao setor deve diminuir, além de inibir a importação de baterias elétricas para os EUA, mesmo que a Tesla, de Musk, possa ser afetada por isso.

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O presidente eleito também incentiva a atualização com frequência da lista de empresas banidas dos EUA, alegando que elas possuem laços com o governo chinês, algo que o próprio governo de Joe Biden abraçou, mas com menos afinco do que deve ser na gestão republicana. Na terça-feira, 7, por exemplo, a gigante de tecnologia chinesa Tencent e a companhia de IA SenseTime foram incluídas na lista.

No primeiro mandato de Trump, uma medida semelhante arruinou o negócio de smartphone da Huawei no Ocidente. Na época, empresas americanas foram proibidas de realizar negócios com a gigante, o que resultou na retirada do Android, que pertence ao Google, dos celulares da Huawei. Com isso, a chinesa foi obrigada a desenvolver os próprios sistemas operacionais e aplicativos, o que eliminou o apelo comercial dos aparelhos fora da China e vizinhos asiáticos.

Assim, o mercado chinês usou a CES para tentar conquistar clientes antes da virada de chave e reduzir a importância das falas do presidente eleito. “Estamos preocupados com a política governamental de Trump, mas achamos que ela pode não durar muito tempo”, disse Mekia Yang, da startup Jitlife, uma empresa que fabrica malas inteligentes. “Trump pode agir com firmeza no início, mas depois pode mudar, porque haverá alguma pressão dos mercados domésticos”, afirmou à AFP.

Assim, as chinesas aproveitaram o palco para mostrar novos produtos. A TCL, por exemplo, se equiparou a outras gigantes no mercado ao lançar a maior TV de QD-MiniLed do mundo, com 115 polegadas. Além disso, a empresa vai trazer para seus modelos mais novos a interação com chatbots de IA, para que o usuário possa dar comandos e encontrar conteúdos - a parceria vai usar o Gemini, do Google.

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A Zeekr chamou a atenção do público em Las Vegas ao apresentar um carro elétrico que mais parecia um supercomputador, com telas em alta definição e com quase 1,3 mil cavalos de potência em uma bateria de 100 kWh.

Algumas das maiores fabricantes de robôs humanoides - considerados por Jensen Huang, CEO da Nvidia, a próxima aposta da IA - também vêm da China. A Unitree, dona do H1, um robô que é três vezes mais rápido que concorrentes americanos, também esteve na CES e já fechou parceria com a Nvidia para usar o Cosmos, IA de fundação para treinar robôs. Outras cinco empresas chinesas que fabricam robôs também já acertaram uma parceria com a Nvidia. Mas o futuro das parcerias também permanece nebuloso já que Trump pretende reduzir as relações da Nvidia com a China.

Efeito Trump

Um sinal de que as coisas já estão mudando na relação entre os dois países foi a ausência de duas das principais fabricantes de eletrônicos da China: Huawei e Xiaomi. A Huawei sofre, há alguns anos, um banimento americano que alega que a empresa representa um risco para a segurança nacional.

Robô H1, da chinesa Unitree, desfila pelo pavilhão da CES Foto: Abbie Parr/AP

Já a Xiaomi pode ter decidido focar em outra feira, a Mobile World Congress (MWC), voltada para celulares, que acontece em Barcelona, na Espanha. Apesar do grande foco em telefones, a empresa também possui uma extensa linha de produtos domésticos e esteve presente em outras edições da CES.

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No entanto, para o CEO da Consumer Technology Association, Gary Shapiro, é impossível que o próximo governo americano coloque em prática tudo o que tem dito sobre os produtos da China. A CTA é a organizadora da CES.

“É como estar preocupado com o tempo: todos falam sobre, mas ninguém sabe o que fazer sobre ele”, afirmou Shapiro, durante a feira. “Se você tiver o tipo de tarifa que o presidente Trump estava falando, nós teremos uma grande depressão”.

O executivo ainda ressaltou na CES que um possível bloqueio de tecnologia chinesa no país pode ter resultados negativos para os próprios americanos.

“Se os países perceberem que estamos colocando tarifas nos produtos eles vão ser recíprocos. Eles vão retaliar contra nós e isso é algo bastante perigoso não só para os americanos, mas para toda a inovação”, explicou.

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*A repórter viajou a convite da Consumer Technology Association (CTA), organizadora da CES

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