É um equívoco imaginar que as grandes empresas de tecnologia não são reguladas. Como qualquer empresa, elas precisam respeitar as leis em vigor nos países em que operam. Sendo assim, direitos do consumidor, liberdade de expressão dos usuários, proteção de dados pessoais, recolhimento de tributos e cumprimento da lei penal se misturam em um complexo pacote regulatório. Para empresas globais, a demanda é ainda maior, pois existem tensões naturais entre a tendência em se padronizar práticas (para facilitar a operação) e a necessária adequação à cultura e às normas jurídicas locais.
A questão não parece ser “se” as empresas serão reguladas, mas sim “como” (e por quem). O presidente francês Emmanuel Macron fez um longo discurso sobre o tema no Fórum de Governança da Internet, em 2018. Ao final, o jornal Le Monde resumiu a fala: a regulação será feita com ou contra as plataformas.
É da Europa que vem boa parte das novidades. Pelo lado do direito da concorrência aparecem alegações sobre abuso do poder econômico. Na perspectiva da proteção de dados, a entrada em vigor de um novo regulamento já começa a gerar sanções. Como resposta ao terrorismo, a remoção expressa e a filtragem de conteúdo entraram em debate. O mesmo expediente poderá ser obrigatório para cumprir com as novas regras sobre direitos autorais, gerando polêmica com youtubers e criadores.
Mas será que todas as regras devem valer para todas as empresas? Na Alemanha, uma nova lei exige maior transparência e velocidade na remoção de conteúdo para redes sociais com mais de 2 milhões de usuários. A revisão das regras europeias sobre direitos autorais também considera o tamanho das plataformas. Se, por um lado, esse limite parece favorecer os pequenos empreendedores e a inovação, até que ponto sabemos qual será o seu efeito a médio prazo?
Está aberta a temporada de experimentações regulatórias – e a exportação de suas contradições. Não raramente, a mesma autoridade que critica as grandes empresas de tecnologia por resistirem à adequação às leis locais é a primeira a sugerir a importação, sem maiores reflexões, de soluções adotadas lá fora.
Para além da regulação estatal, vale lembrar que a própria dinâmica entre as empresas pode limitar suas atuações. Tim Cook, presidente executivo da Apple, tem buscado posicionar a empresa como defensora da proteção de dados pessoais. Essa fala, logicamente, mira em concorrentes que têm o seu modelo de operações ancorado no tratamento de dados pessoais (e toda a engenharia de publicidade atrelada).
Ao repetir incessantemente que “dados são o novo petróleo” – e com isso justificar qualquer solução regulatória – estamos esquecendo de quem são esses dados, de onde eles vieram e o que pode ser feito com eles. Na sombra dos grandes debates normativos e das ferozes disputas por mercado, está cada um de nós, cada vez mais cientes de que medidas adotadas pelos governos ou ferramentas desenvolvidas pelas plataformas podem gerar enorme impacto na forma como somos, nos comunicamos, nos informamos e nos enxergamos hoje. *É PROFESSOR DA UERJ E DIRETOR DO INSTITUTO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE (ITS)
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