THE WASHINGTON POST - Nas últimas três décadas, a Amazon passou de uma vendedora de livros online a uma gigante que não apenas vende, mas também entrega e, às vezes, produz de tudo. Ela tem cerca de 1,3 milhão de funcionários, arrecadou mais de meio trilhão de dólares em receita anual em 2022 e comprou ou construiu negócios em áreas como supermercado, transportes, finanças e cuidados de saúde.
No entanto, problemas começaram a aparecer no ano passado e a Amazon está passando por um processo de encolhimento. No fim de 2022, a gigante anunciou que contratou demais e que iria reduzir o número de funcionários, além de desacelerar o crescimento.
Agora a empresa está fechando escritórios, cortando linhas de negócios (como as lojas físicas Amazon Go) e demitindo 27 mil trabalhadores corporativos, incluindo aqueles em áreas fundamentais, como computação em nuvem e publicidade: todos os sinais de que a era do crescimento desenfreado na empresa famosa por fazer de tudo está chegando ao fim.
“Optamos por ser mais enxutos em nossas despesas e no número de funcionários”, disse o CEO da Amazon, Andy Jassy. “O princípio primordial de nosso planejamento anual este ano era ser mais enxuto.”
Nos últimos tempos, dezenas de milhares de profissionais da tecnologia perderam seus empregos, conforme grandes empresas como Google, Microsoft e Facebook respondem a uma economia cada vez mais lenta. Porém, a última rodada de cortes torna a Amazon líder na redução do número de funcionários no setor de tecnologia.
Seis atuais e ex-funcionários que falaram sob condição de anonimato disseram que o vale-tudo da gigante da tecnologia para encontrar um foco está afetando os ânimos.
O porta-voz da Amazon, Brad Glasser, disse que a empresa “sempre esteve focada na inovação em prol dos clientes e fazendo apostas ousadas que criarão mudanças significativas no longo prazo”. Ele disse que a varejista vê oportunidades para crescimento com a Amazon Web Services e a publicidade, assim como com o Prime Video, cuidados de saúde, internet via satélite e veículos autônomos, entre outros.
Mentalidade
Embora o apetite da Amazon por novos negócios tenha sido sempre enorme, sua mentalidade de contenção de despesas a diferenciava das demais empresas de tecnologia – a austeridade é há muito tempo um princípio fundamental da varejista. Enquanto empregadores como Google e Facebook se tornaram conhecidos por locais de trabalho confortáveis e salários generosos, a Amazon é um ambiente de trabalho infamemente competitivo e às vezes agressivo, onde os funcionários eram recompensados pelo comedimento.
Agora, a Amazon está tendendo a ficar ainda mais enxuta. À medida que os postos de trabalho são cortados e a produtividade passa por ainda mais escrutínio, os trabalhadores estão perdendo parte do poder que conquistaram num mercado de trabalho aquecido.
Milhares assinaram uma petição protestando contra a exigência de retorno ao escritório da Amazon após a pandemia, mas a chefe de RH, Beth Galetti, rejeitou o documento, dizendo aos funcionários que a regra continuaria de pé, informou o site Insider.
Matt Litrell, um trabalhador de armazém e organizador sindical no Kentucky que foi demitido no ano passado, disse que o aperto de cinto da Amazon torna as preocupações com rescisões, demissões e fechamentos de edifícios “ainda mais factíveis”. Segundo Litrell, os profissionais do armazém onde ele trabalhava já perceberam uma queda no número de turnos de trabalho disponíveis.
A Amazon disse que Litrell foi demitido por questões de desempenho, mas ele afirma ter sido demitido em retaliação por suas atividades sindicais.
Jeff Bezos, fundador da Amazon, teve a famosa ideia de que a empresa não precisava ser lucrativa e poderia. Em vez disso, poderia tornar-se extremamente valiosa gastando dinheiro para crescer de forma veloz. Mas isso foi há trinta anos, e agora a Amazon é uma empresa madura sob liderança diferente – e os acionistas esperam lucros reais. Depois de ver sua avaliação de mercado disparar para quase US$ 2 trilhões durante a pandemia, a Amazon despencou e ficou abaixo de US$ 900 bilhões em novembro.
Mudanças
A Amazon continua sendo o segundo maior empregador do setor privado nos Estados Unidos. Entretanto, enquanto os gastos dos consumidores diminuíram – sobretudo depois da explosão das compras online durante a pandemia –, os clientes também voltaram a frequentar as lojas físicas e vários observaram que a experiência de fazer compras no site da Amazon tinha piorado continuamente.
Em vez de fazer uma curadoria ou recomendar produtos para tornar a aprimorar a experiência do cliente, a Amazon transformou a maior parte de seu site em publicidade, disse Juozas Kaziukėnas, do site de pesquisa de mercado de comércio eletrônico Marketplace Pulse. Isso tem sido lucrativo para a Amazon (suas atividades com publicidade agora estão crescendo mais rápido do que a Amazon Web Services), mas isso não é particularmente interessante para os clientes.
Glasser, o porta-voz da Amazon, disse que a empresa continua a inventar novos recursos de compras e está “orgulhosa dos investimentos realizados que nos permitem oferecer uma experiência de compra perfeita, com curadoria e agradável para todos os nossos clientes”.
Pressão por lucro
Embora a Amazon seja mais conhecida por suas atividades de comércio eletrônico, seu braço de computação em nuvem, a plataforma Amazon Web Services, tem sido sua divisão mais lucrativa – uma mudança arquitetada por Jassy, que o ajudou a conseguir o emprego de CEO. Porém, o crescimento da AWS caiu vertiginosamente conforme clientes como bancos, startups e empresas do setor de saúde reduziam seus gastos com tecnologia. A Amazon reconheceu a desaceleração em uma divulgação de resultados recente, dizendo que seus clientes estavam respondendo à “retração econômica”.
Com consequência, a Amazon está querendo frear os gastos. No ano passado, ela cortou postos de trabalho na divisão responsável pelo alto-falante inteligente Alexa, encerrou projetos em sua discreta incubadora Grand Challenge, recuou em seus robôs autônomos e drones para entrega, e fechou suas lojas físicas. Mas também está pressionando por lucros em suas principais áreas de atividade.
Elaine Kwon, cofundadora e sócia-gerente da Kwontified, que presta consultoria para marcas que vendem mercadorias para a Amazon no atacado, disse que a varejista reduziu drasticamente o tamanho de seus pedidos e, ao mesmo tempo, aumentou a porcentagem das vendas que recebe como pagamento.
A Amazon está “tentando ganhar o máximo de dinheiro de todas as fontes”, disse Elaine.
“Houve muitas conversas difíceis, discussões muito tensas”, acrescentou. “Mas a Amazon ainda é a superpotência quando o assunto é canal de distribuição de comércio eletrônico. O que você vai fazer, vai deixar de vender na Amazon?”
A varejista disse que está envolvida em “conversas abertas e consistentes” com marcas e comprometida em encontrar soluções mutuamente benéficas para os desafios econômicos.
Reavaliação de investimentos
A Amazon também está reavaliando suas aquisições. Isso inclui a Twitch, a plataforma de streaming de vídeo comprada pela empresa por quase um US$ 1 bilhão em 2014. Em 16 de março, o fundador da Twitch anunciou que estava deixando a Amazon. Quatro dias depois, a varejista disse que demitiria centenas de funcionários da plataforma.
TJ Parker, cuja startup farmacêutica Pillpack foi comprada pela Amazon em 2018 por US$ 750 milhões, disse no Twitter que a notícia marca o fim da “era da Amazon sendo capaz de conservar os fundadores das startups”. Parker deixou a Amazon em agosto, depois de quatro anos na empresa; os demais executivos fundadores da Pillpack fizeram o mesmo pouco tempo depois.
A Amazon Pharmacy, que surgiu da aquisição da Pillpack pela Amazon, tem tido dificuldades para ganhar força, disse um ex-funcionário que falou sob condição de anonimato. A Amazon tentou aumentar o interesse oferecendo a compra de medicamentos com descontos por meio de seu serviço RxPass.
Mas a equipe por trás do serviço de farmácia ainda não disponibilizou alguns dos recursos que tornaram a Pillpack famosa, como medicamentos convenientemente enviados em pacotes com as doses diárias.
A logística de administrar uma empresa do setor de saúde tem sido complicada – por exemplo, a Amazon não pode enviar medicamentos por meio de sua rede de logística existente, disse um segundo ex-funcionário. E incorporar a tecnologia da Pillpack ao complexo e pesado software da Amazon foi um processo longo e árduo, disseram três ex-funcionários. No geral, os antigos funcionários dizem que a empresa subestimou o quanto seria complexo administrar um serviço de saúde.
A Amazon disse que está “entusiasmada com a dinâmica da Amazon Pharmacy e dos nossos outros serviços de saúde”. A Pillpack continua a operar de forma independente e oferece os mesmos recursos.
Freio nas construções
A Amazon também está recuando nas construções. Conforme construía o império logístico que leva os pacotes às portas dos clientes em dois dias ou menos, a varejista muitas vezes abria novos pontos de entrega ou centros de atendimento a cada poucas semanas. Agora, dezenas desses projetos de construção de armazéns foram cancelados, encerrados ou atrasados.
A empresa está postergando alguns planos de expansão, incluindo a construção de sua segunda sede em Arlington, na Virgínia. Ela também adiou os planos de abrir novos escritórios em Nashville, e desistiu até mesmo de uma torre de escritórios que ocupou durante mais de uma década em sua primeira sede de longa data, em Seattle.
A Amazon disse que seus planos de longo prazo na Virgínia permanecem inalterados e que a construção em Nashville está em andamento.
A varejista também está fechando seus call centers nos EUA e transformando esses empregos em postos de trabalho remoto, de acordo com a Bloomberg. Recentemente, ela disse aos funcionários que fecharia outro centro de suporte na Irlanda.
A empresa também vem postergando a abertura de suas unidades de supermercado, a Amazon Fresh, nos EUA.
Autoatendimento fracassa
A Amazon esperava que sua tecnologia de pagamento sem caixa fosse um grande atrativo para os clientes de supermercados, mas até agora ela teve sucesso limitado, de acordo com um ex-funcionário da varejista que falou sob condição de anonimato porque ainda trabalha no setor de tecnologia.
Abrir unidades para vendas de alimentos exige um investimento inicial significativo em termos de imóveis e mão de obra, o que tornou difícil para a Amazon fazer experimentos com os mercadinhos tanto quanto a empresa gostaria, disse a fonte.
Durante uma divulgação de resultados em fevereiro, Jassy, o CEO, disse que as unidades de vendas de alimentos continuam sendo uma parte cada vez maior dos negócios da Amazon, que ele vê como uma grande oportunidade à medida que mais pessoas passam a comprar comida pela internet.
“Estamos trabalhando duro nisso. Vemos alguns sinais animadores. E quando nos ajustarmos a essa equação, vamos expandi-la mais”, disse Jassy. /TRADUÇÃO ROMINA CÁCIA
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