Tem gosto de carne, cheiro de carne e até sangra como carne – mas não vem de animal nenhum e, sim, das plantas. Trata-se do Impossible Burger, carro-chefe da startup americana Impossible Foods. O nome da empresa não foi escolhido à toa: sua missão, à primeira vista impossível, é criar um alimento que busca se parecer com o bife mais saboroso, mas de origem 100% vegetal. Criada em 2011 por Patrick Brown, um professor de bioquímica da Universidade de Stanford, a Impossible Foods lançou na semana passada, durante a feira de tecnologia CES, a segunda versão de sua carne – chamada pela empresa de Impossible Burger 2.0.
Foi a primeira vez que o tradicional evento de tecnologia americano, realizado há mais de cinco décadas, teve um lançamento de comida. Para Brown, as duas coisas estão intrinsecamente relacionadas. “Comida é a maior tecnologia que temos, há mais de 10 mil anos. Avançamos como civilização quando descobrimos o fogo e a agricultura e pudemos comer de forma diferente”, disse o cientista.
Desde a criação da Impossible Foods, ele comanda um time de engenheiros, geneticistas e especialistas em alimentos para descobrir como fazer “carne” a partir de plantas. O objetivo? Reduzir o impacto da pecuária bovina no planeta. “A produção da pecuária hoje não é sustentável. Não vamos conseguir alimentar 7 bilhões de pessoas ocupando tanto espaço no solo assim”, afirma o pesquisador.
A solução para a Impossible Foods foi encontrada quando a equipe de Brown descobriu a “heme”, uma molécula rica em ferro responsável pelo gosto característico da carne quando vai ao fogo. Ela também existe em vegetais como trigo e soja – é a partir dessa molécula, inserida nos vegetais em laboratório, que a Impossible Foods consegue fazer sua carne de origem vegetal, com ajuda de engenharia genética e fermentação.
Hoje, a fábrica da empresa, localizada em Redwood City, no Vale do Silício, é capaz de gerar 900 toneladas de alimento por mês – a produção abastece uma rede de 5 mil restaurantes nos EUA, Hong Kong e Macau, entre locais com estrelas Michelin e redes de fast-food. Além disso, o produto também é aprovado pela Food and Drug Administration, autoridade sanitária dos EUA.
Update. Além de ser usada em hambúrgueres, a carne de origem vegetal da Impossible Foods também pode virar almôndega, ensopado, recheio para tortas e até mesmo parte de um steak tartare – o prato de origem eslava que tem carne crua e condimentos. Em sua primeira versão, o alimento era feito a partir de proteína de trigo. Foi bem aceito, mas recebeu reclamações de clientes que queriam um produto sem glúten.
Agora, o Impossible Burger é feito a partir de proteína de soja, sendo não só acessível a celíacos, como também kosher e halal (ou seja, permitido para judeus e muçulmanos ortodoxos). “Recebemos sugestões dos consumidores e mudamos. É algo que conseguimos fazer, ao contrário da vaca, que não evolui há milhões de anos”, gaba-se Brown. O produto também não tem colesterol e 212 calorias a cada 100 gramas – 18% a menos que a carne bovina tradicional.
Em Las Vegas, a reportagem do Estado experimentou a segunda versão, em vários formatos: recheio de taco e empanadas, além de steak tartare e almôndega. De fato, trata-se de algo que se parece bastante com carne no sabor, mas a textura ainda é um pouco distante – é mais “chiclete” do que um bife grelhado na churrasqueira, que se desmancha na boca.
Além disso, foi possível ver o Impossible Burger sendo preparado – um trabalho tão fácil como fritar um bife. “Estou empolgada com as possibilidades”, disse a chef americana Mary Sue Milliken, dona da cadeia de restaurantes Border Grill, durante o evento. “Acredito que é minha responsabilidade, como chef, oferecer aos meus clientes alternativas mais sustentáveis. Muita gente se preocupa com o planeta, mas não sabe o que fazer.”
Para o pesquisador do MIT Media Lab Caleb Harper, especializado em agricultura computacional, o experimento da Impossible é um primeiro passo. “Hoje, gastamos 30 calorias para produzir uma caloria de proteína de carne bovina. Em termos energéticos, é algo pouco eficiente”, diz. “O Impossible Burger é um começo, mas podemos ir muito além em termos de sabor e nutrientes do que apenas replicar a carne.”
Planos. Por enquanto, a segunda versão do Impossible Burger está disponível apenas em uma dezena de restaurantes nos EUA. Até março, espera-se, estará em toda a cadeia de fornecimento da empresa. Mas há mais vindo aí: a expectativa da startup é começar a vender sua carne por quilo em mercearias e supermercados americanos ainda em 2019. “Inicialmente, o preço será equivalente a de um quilo de carne gourmet. Quando ganharmos escala, seremos competitivos”, promete Brown.
Além disso, a empresa almeja também fazer versões vegetais de frango e peixe, bem como de derivados do leite. A meta mais ambiciosa, porém, é fazer com que o mundo pare de consumir carne de origem animal até 2035 – na conversa com o Estado, Brown dispara dados sobre como o consumo de carne é insustentável. Entre seus argumentos está o fato de 41% do território dos EUA ser hoje dedicado à criação de gado ou ao plantio da alimentação para o rebanho – os números são do governo local. Ou de que são necessários 100 mil litros de água para gerar um quilo de carne bovina.
“É o único jeito de que temos de evitar uma catástrofe ambiental”, diz Brown. E ele direciona suas ambições para o Brasil. “Vocês são famosos pelo churrasco, mas também pela Amazônia. Precisamos salvar a Amazônia.”
*O repórter viajou a Las Vegas (EUA) a convite da Intel
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