O Google foi considerado pela Justiça americana um monopólio das buscas online na segunda-feira passada, 5. Agora, o juiz Amit P. Mehta, responsável pelo caso na corte, vai decidir quais “remédios” devem ser aplicados, que podem ser uma multa financeira ou até a divisão da companhia, o que causaria impacto imenso sobre toda a indústria de tecnologia dos EUA. O Google vai apelar da decisão.
A sentença dá fim a um processo que começou em 2020 com uma denúncia do Departamento de Estado dos Estados Unidos. A secretaria do governo federal americano acusa a companhia de tecnologia de firmar contratos bilionários com empresas de celulares, como a Apple e Samsung, e de navegadores, como a Mozilla, para tornar o Google o buscador padrão dos produtos e serviços. Essa parceria permitiu que, ao comprar um novo celular ou baixar um novo navegador, o usuário não precisasse optar entre o buscador do Google ou o de um rival, como o Bing ou DuckDuckGo.
Para o advogado Caio Machado, pesquisador da Universidade de Oxford e especialista em direito digital, o mercado deve esperar alguma multa ser aplicada ao Google. Isso, porém, vai ser uma “lombada” na trajetória da gigante da tecnologia: “Vai desacelerar a empresa, mas não segura a companhia”, diz em entrevista ao Estadão. “O que será surpreendente mesmo é se houvesse algum movimento para diminuir esse monopólio.”
Leia também
Além disso, o caso deve abrir margem para outros questionamentos nas estratégias das gigantes de tecnologia, diz Machado. Atualmente, o governo dos EUA investiga a Amazon, Apple e Meta por práticas anticoncorrenciais ou abuso de poder econômico, enquanto a União Europeia aplica multas com base em legislações de proteção de dados e de regulamentação de mercados digitais.
“É muito importante esse escrutínio aumentar sobre todas elas. O escrutínio é essencial, porque a assimetria de poder é muito grande em todos esses mercados”, defende Machado. “Abrir precedente com essa decisão contra o monopólio de busca do Google abre margem para outros questionamentos, ainda mais considerado o momento social e político de maior antipatia em relação às Big Techs, algo que não existia há 10 anos.”
Leia abaixo trechos da entrevista.
Qual é a avaliação sobre a decisão?
Essa decisão é muito detalhada em termos dos valores gastos para assegurar a hegemonia e o padrão tecnológico, indicando o quanto o Google pagava para a Apple, Mozilla e outras empresas. Mostra a importância econômica de se estabelecer como a solução padrão do mercado e a relevância estratégica disso.
As pessoas tendem a assumir que já vir como padrão em um buscador ou em aparelho não faz uma diferença gigantesca, acreditam que basta ter o “melhor” produto. Mas houve uma estratégia do Google em se colocar como o padrão nos navegadores, e isso fez diferença para os consumidores e concorrentes, a facilidade é um grande gerador de receita e até de monopólio. Sair do serviço padrão exige um esforço adicional, gera o que chamamos de “atrito”. A sentença mostra os preços e os benefícios obtidos por ser estabelecer como padrão de busca. A vantagem econômica de excluir os concorrentes é muito grande. Essa é uma das grandes contribuições dessa decisão.
E a decisão tem impacto gigantesco, porque estabelece precedente. As grandes empresas de tecnologia vêm numa onda de de crescimento inconteste. O modelo de negócio delas ainda é muito rentável e opera numa série de abusos sem contestação jurídica e defesa de direito consolidada. A União Europeia começou a pegar mais firme em proteção de dados. Mas, da parte antitruste, era uma festa, com as empresas adquirindo centenas de startups. E isso era inconteste. Então, ter precedentes é um efeito já muito grande.
Como o Google pode ser afetado?
Sobre o remédio, a tendência é que seja uma multa e um valor alto. E por mais que seja caro, uma punição meramente pecuniária seria apenas uma lombada na estrada do Google. Vai desacelerar a empresa, mas não segura a companhia. O que será surpreendente mesmo é se houvesse algum movimento para diminuir esse monopólio.
O que eu imagino é que o remédio vai versar sobre padrões e tipos de acordo que as companhias podem firmar, como, por exemplo, se você pode combinar qual vai ser o buscador padrão de um aparelho ou algo assim. Eu ficaria surpreso se for algo mais agressivo que isso. Mas não dá para saber o que se passa na cabeça da corte.
Como esse caso pode acelerar o ritmo de decisões contra Big Techs, que já vêm sendo discutida desde a gestão Trump e ganhou fôlego no governo Biden?
A regulação das Big Techs não vem necessariamente do governo Trump, mas vem de um movimento anterior. Em alguns casos, a gestão Trump até aboliu regulações importantes, como foi o caso da regulação sobre neutralidade de rede. A falta de regulação no setor é mundial, a União Europeia tomou a frente em regular e tentar responder os efeitos das Big Techs em diversas frentes. E os EUA, por conveniência econômica até, eram mais passivos com isso.
Nos anos 2000, o Google era o queridinho. Todo mundo queria ações das techs e que elas prosperassem. Eram tidas como empresas de garagem e “do bem”. Hoje, são gigantes e monopolísticas
Caio Machado, advogado
Abrir precedente com essa decisão contra o monopólio de busca do Google abre margem para outros questionamentos, ainda mais considerado o momento social e político de maior antipatia em relação às Big Techs, algo que não existia há 10 anos. Nos anos 2000, o Google era o queridinho. Todo mundo queria ações das techs e que elas prosperassem. Eram tidas como empresas de garagem e “do bem”. Hoje, são gigantes e monopolísticas. É muito importante esse escrutínio aumentar sobre todas elas, o escrutínio é essencial, porque a assimetria de poder é muito grande em todos esses mercados.
Essa decisão americana pode dar fôlego a outras sentenças em outros países, como a União Europeia e até o Brasil?
O movimento americano ao mesmo tempo dá fôlego para outras decisões e também se retroalimenta. Uma decisão grande num país repercute em outro. As evidências e raciocínios são transplantáveis e podem ser aproveitados em outros lugares.
Em alguns casos, o Brasil e UE estão mais bem municiados que os americanos. Temos a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), leis de proteção ao consumidor. E vemos ações mais agressivas que não sairiam nos EUA, vide o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) movendo ação contra a Meta sobre o uso de dados pessoais para treinamento de IA. Esses países anteciparam esse movimento que demorou muito para sair nos EUA. A própria UE passou legislação sobre os mercados digitais, dando possibilidade de autoridades punirem essas empresas com valores bem altos, com percentuais da receita. Nesse sentido, é um ciclo de retroalimentação global, e não é só os EUA puxando.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.