O aplicativo X, antigo Twitter, voltou a funcionar para alguns usuários brasileiros nesta quarta-feira, 18, após quase 20 dias de bloqueio determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) graças a uma manobra da empresa, que usa endereços de IP dinâmicos fornecidos pela empresa americana Cloudflare. Além da violação, o tribunal se vê diante de um cenário complexo: bloquear a Cloudfare poderia causar um apagão cibernético de escala imprevisível, dizem especialistas.
Fundada em 2009, a Cloudflare fornece serviços de infraestrutura e segurança para diversos sites e aplicativos, como o Discord, Udemy e Canva - atualmente, ela vale US$ 26,6 bilhões na Bolsa de Nova York. A Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint) afirma que o X burlou a ordem judicial por meio da adoção de endereços de IP dinâmicos fornecidos pela Cloudflare.
Jéferson Campos Nobre, professor do Instituto de Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que uma grande quantidade de serviços disponibilizados na internet utilizam os serviços da Cloudfare, muitas delas adotam o serviço escolhido pelo X, chamado de proxy reverso. Essa é uma técnica usada para que servidores de serviço online suportem tráfego alto e sejam capazes de carregar mais rapidamente.
Para fazer isso, o proxy reverso atua como um intermediário entre o usuário e o provedor do serviço. Porém, ao realizar essa comunicação, o proxy reverso esconde o IP (o “endereço” da máquina na internet) de quem contrata o serviço, que acaba adotando números fornecidos pela Cloudflare. O bloqueio do X no Brasil foi feito a partir do número de IP verdadeiro da empresa de Elon Musk.
“O endereço da internet que nós utilizamos para acessar um site pode se modificar com tecnologias como a da Cloudflare”, explica Nobre. “Essa é uma das formas que podem ser utilizadas para evitar o bloqueio, porque se ele for feito apenas em um endereço, ao se mudar esse endereço o bloqueio deixa de ser eficiente.”
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O desafio de bloquear o X
A Cloudflare é utilizada por diversos serviços legítimos, como bancos e grandes plataformas de internet. Bloquear a Cloudflare para impedir o acesso ao X poderia causar um impacto significativo na internet brasileira, afetando o funcionamento de muitos sites e aplicativos - a extensão é imprevisível. “Seria uma ação bastante temerária,” afirma Nobre.
Um exemplo disso ocorreu nesta terça-feira, 17, quando diversos países ficaram sem acesso a determinados sites por conta de uma manutenção feita nos servidores da empresa. Uma alternativa, segundo o professor, seria bloquear o acesso aos endereços específicos utilizados pelo X por meio do serviço de tradução de nomes para endereços na internet (DNS). Outra solução seria uma possível colaboração entre a Cloudflare com relação à decisão do Governo, isolando o tráfego do X e permitindo o bloqueio por parte da Anatel.
No entanto, essa solução exigiria um monitoramento constante e atualizações frequentes, já que a Cloudflare poderia facilmente mudar os endereços utilizados pelo X. Outra possibilidade seria a própria Cloudflare realizar o bloqueio, mas Nobre reconhece que questões comerciais entre o X e a Cloudflare poderiam dificultar essa ação.
A suspensão do X foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, em 30 de agosto, após o descumprimento de ordens judiciais por parte da empresa e seu proprietário, Elon Musk.
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