Um grupo de ex-funcionários do Facebook escreveu nesta quarta-feira, 3, uma carta ao presidente executivo da rede social, Mark Zuckerberg, criticando sua postura com relação às publicações do presidente americano Donald Trump. O grupo, formado por alguns dos primeiros engenheiros da empresa, bem como o primeiro chefe de comunicação do Facebook, disse que a postura de Zuckerberg de não “fazer nada” com as mensagens de Trump é uma traição aos ideais do Facebook e pediu para que o executivo reconsidere sua posição.
Alguns dos signatários foram pessoas que ajudaram a escrever as regras originais de comunidade do Facebook, que dizem o que pode ou não ser publicado na rede. É um tema complicado: Mark Zuckerberg está sob ataques desde que o Twitter etiquetou várias mensagens de Trump na semana passada, para indicar que elas continham inverdades ou glorificavam a violência. Na quarta-feira, o Snapchat também disse que ia parar de promover a conta de Trump dentro de seu aplicativo, após determinar que as falas do presidente poderiam incitar a violência.
O Facebook decidiu não agir nas publicações em que Trump fez declarações falsas sobre o voto por correio (algo permitido nas eleições americana) ou em mensagens agressivas sobre os protestos causados pela morte de George Floyd, um negro morto pela polícia de Minneapolis, no norte dos EUA. Zuckerberg tem sido criticado interna e externamente pela inação. Alguns funcionários do Facebook chegaram a pedir demissão, enquanto outros organizaram uma passeata virtual e se recusaram a trabalhar. Na terça-feira, Zuckerberg defendeu sua posição, dizendo que Trump não violou as políticas do Facebook e que ele apoia a liberdade de expressão.
O Facebook não comentou a carta, que pode ser lida abaixo:
A liderança do Facebook deve reconsiderar suas políticas a respeito de discurso político, começando por fazer a checagem de publicações de políticos e etiquetando explicitamente posts que possam ser danosos. Como funcionários iniciais de várias áreas da empresa, fomos autores dos Padrões de Comunidade originais, criamos código que deu voz a pessoas públicas ou não e ajudamos a criar uma cultura empresarial em torno da conexão e da liberdade de expressão. Crescemos no Facebook, mas ele não é mais nosso.
O Facebook ao qual nos juntamos desenhou produtos para empoderar as pessoas e políticas para protegê-las. O objetivo era permitir a maior quantidade possível de expressão, a menos que ela causasse dano de forma explícita. Nós discordamos frequentemente, mas entendemos sempre que manter as pessoas seguras era a coisa certa a se fazer. Agora, parece, esse compromisso mudou.
Não trabalhamos mais no Facebook, mas também não o negamos mais. E não o reconhecemos. Seguimos orgulhosos do que fizemos, agradecidos pela oportunidade e esperançosos da força positiva que ele se tornou. Mas nada disso significa que temos de ficar quietos. De fato, temos uma responsabilidade em nos manifestar.
Hoje, a liderança do Facebook interpreta que liberdade de expressão significa que eles não devem fazer nada – ou quase nada – para interferir no discurso político. A liderança decidiu que líderes eleitos deveriam obedecer a padrões menos exigentes do que aqueles que são governados por eles. Um conjunto de regras para você, outro para qualquer político – seja um prefeito ou o presidente dos Estados Unidos. Isso expõe dois problemas fundamentais:
Primeiro: o comportamento do Facebook não combina com o objetivo já mencionado de evitar qualquer censura política. O Facebook hoje, já atua, usando a expressão já utilizada por Zuckerberg, como “árbitro da verdade”. O Facebook monitora o discurso a todo momento adicionando avisos a links, reduzindo o alcance de conteúdo ou checando fatos de discurso político de pessoas… que não são políticos.
É uma traição dos ideais que o Facebook diz ter. A empresa em que nós entramos valorizava dar aos indivíduos uma voz tão alta quanto a de seus governos – protegendo o oprimido, não o poderoso.
O Facebook agora vira sua cabeça para longe desse objetivo. A empresa diz que colocar avisos em uma publicação de um político é inapropriado, mas remover conteúdo de um cidadão é aceitável – mesmo se eles estão dizendo a mesma coisa. Não é uma posição nobre sobre a liberdade. É incoerente, e pior, é covarde. O Facebook deveria exigir dos políticos um padrão mais elevado do que de qualquer eleitor.
Segundo: desde o início do Facebook, pesquisadores aprenderam muito sobre psicologia em grupo e as dinâmicas da persuasão em massa. Graças a eles, entendemos o poder que as palavras têm para aumentar a violência. Sabemos que os discursos dos poderosos importam muito. Eles estabelecem normas, criam estruturas de permissão e até mesmo implicitamente autorizam a violência. Isso piora com a amplificação causada por algoritmos. A liderança do Facebook parece ter conversado com esses pesquisadores, ativistas e organizadores, mas a empresa parece ainda assim comprometida e garantir livre poder para os poderosos.
Então, o que devemos fazer sobre isso? Se todo o discurso dos políticos merece ser público e todo conteúdo público é inviolável, então não há limite para o que as pessoas mais poderosas do mundo podem dizer na maior rede social do mundo. Ou pelo menos, não há um limite que essa plataforma esteja disposta a reforçar.
A publicação de Trump na última sexta-feira não só ameaça o uso de violência do Estado contra os cidadãos. Ela também manda um sinal para milhões de pessoas. As políticas do Facebook permitem que essa frase esteja no ar. Numa era de tiroteios transmitidos pela internet em tempo real, o Facebook deveria entender o risco disso mais do que qualquer empresa. A retórica de Trump, marcada pela história do racismo americano, pôs no alvo um grupo de pessoas. As próprias regras do Facebook não permitiriam que essas pessoas dissessem o mesmo contra Trump.
Nossos corações partidos motivam esta carta. Estamos devastados em ver o descaminho de algo que construímos e acreditamos que faria do mundo um lugar melhor. Entendemos que é difícil responder essas questões em uma escala, mas também acreditávamos que seria difícil construir a plataforma que criou esses problemas. Há uma responsabilidade em resolvê-los – e resolver problemas é algo em que o Facebook é bom.
Para os atuais funcionários que estão se manifestando: nós vemos vocês, apoiamo vocês e queremos ajudar. Esperamos que vocês continuem a se questionar com algo que está nos pôsteres dos escritórios do Facebook: “o que você faria se não tivesse medo”.
Para Mark Zuckerberg: sabemos que você pensa muito sobre esses assuntos, mas também sabemos que o Facebook precisa trabalhar para ganhar novamente a confiança das pessoas. O Facebook não é neutro e nunca foi. Fazer do mundo algo mais aberto, conectado, dar força ás comunidades e uma voz a todos – essas não são ideias neutras. Fact-checking não é censura. Usar uma etiqueta para mostrar violência não é autoritarismo. Por favor, reconsidere sua posição.
Aja e seja corajoso.
Sinceramente, alguns de seus primeiros empregados.
Meredith Chin, Adam Conner, Natalie Ponte, Jon Warman, Dave Willner, em nome de Ezra Callahan, Chris Putnam, Bob Trahan, Natalie Trahan, Ben Blumenrose, Jocelyn Blumenrose, Bobby Goodlatte, Simon Axten, Brandee Barker, Doug Fraser, Krista Kobeski, Warren Hanes, Caitlin O’Farrell Gallagher, Jake Brill, Carolyn Abram, Jamie Patterson, Abdus-Salam DeVaul, Scott Fortin, Bobby Kellogg, Tanja Balde, Alex Vichinsky, Matt Fernandez, Elizabeth Linder, Mike Ferrier, Jamie Patterson, Brian Sutorius, Amy Karasavas, Kathleen Estreich, Claudia Park / TRADUÇÃO DE BRUNO CAPELAS
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