Documentos internos do Facebook obtidos pelo Estadão mostram que conteúdos políticos são os maiores vetores de desinformação do Brasil, segundo a percepção dos próprios usuários da rede social. O estudo elaborado pela empresa de Mark Zuckerberg tenta mapear quais são as principais categorias de materiais responsáveis por espalhar “desinformação cívica”, termo usado pela empresa para se referir a publicações enganosas relacionadas à política e à democracia.
A revelação está contida nos “Facebook Papers”, um pacote de documentos da empresa vazados para um consórcio internacional de veículos de imprensa, incluindo Estadão, New York Times, Washington Post, Guardian e Le Monde. A divulgação dos papéis foi feita à Securities and Exchange Commission (SEC, na sigla em inglês), órgão regulador das empresas listadas em bolsa nos Estados Unidos. As informações também foram fornecidas ao Congresso americano de forma editada pelo consultor jurídico de Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook que coletou pesquisas internas da rede social após pedir demissão em maio deste ano por discordar das atitudes da companhia.
Publicado em um painel interno da companhia em julho de 2020, o Facebook mapeou sete tipos de fontes de desinformação cívica que se destacam nas suas plataformas. A intenção era identificar as experiências negativas dos usuários nos serviços. Foram incluídos sete países na pesquisa: Brasil, Colômbia, Indonésia, Índia, Japão, Reino Unido e EUA.
Segundo o gráfico apresentado no documento, os conteúdos de mensagem política foram apontados como vetores de desinformação por 60% no Facebook dos brasileiros entrevistados. Embora o documento não forneça uma definição clara sobre a que se refere a expressão “mensagem política”, o contexto da pesquisa dá a entender que se tratam de mensagens postadas por figuras políticas e seus apoiadores nas redes.
A comparação com outros países deixa claro que o peso das mensagens políticas é uma realidade brasileira. Nos EUA, esse número fica em pouco mais de 30%, por exemplo. Na Índia, um dos principais mercados dos produtos do Facebook no mundo, a marca é de 46%. Apenas a Colômbia possui uma porcentagem maior que o Brasil em relação à desinformação via mensagens políticas no Facebook: 66%.
Uma das observações no documento, que acompanha o gráfico, é de que a empresa não pode considerar todos os seus mercados da mesma forma na hora de avaliar ou construir estratégias para as redes sociais. Destacada, a mensagem diz: “Recomendação: evitar abordagens únicas para todos os países em relação à desinformação”.
A segunda maior marca de alcance em desinformação cívica no País, de acordo com a pesquisa, são artigos em sites, com cerca de 59%. Em seguida, aparecem as categorias piadas (42%), publicidade (32%), contas falsas (25%), fraudes (23%) e mensagens de spam (20%).
Todas as porcentagens foram calculadas de acordo com as respostas dos entrevistados brasileiros — que somaram 5 mil usuários de apps da empresa, ao todo. A fatia desses participantes que efetivamente respondeu sobre o Facebook não foi apresentada.
A rede social também tenta mapear conteúdos enganosos de forma mais ampla, não apenas relacionado à política e democracia. Porém, no estudo analisado pelo Estadão, os pesquisadores avisam que não foi possível publicar resultados da categoria por um erro no sistema de questionários.
A pesquisa não traz apenas informações do Facebook sobre o tema. Foram incluídos também resultados dos outros serviços da empresa: WhatsApp, Instagram e Facebook Messenger. Nesses apps, o Brasil se destaca pela grande quantidade de desinformação via artigos em sites, com 60% dos conteúdos percebidos no mensageiro. Mensagens políticas aparecem na segunda posição, com 50%, e publicidade fica atrás, com 49% dos conteúdos no WhatsApp. O tópico sobre publicidade não foi explicado no estudo — o item pode se referir a listas de transmissão, mensagens e encaminhamentos de divulgação de serviços pagos, já que o app não tem publicidade tradicional, como banners e posts impulsionados.
No Messenger, mensagens políticas aparecem em primeiro, com 49% e artigos em site em segundo, com 46%. Publicidade aparece entre as três formas mais comuns, com 32% dos conteúdos.
Já no Instagram, no terceiro lugar aparece a classificação “piadas”, com 35%. O tópico também não foi explicado pela pesquisa, mas pode se tratar de memes, charges e outros tipos de conteúdo de humor. No topo, mensagens políticas e artigos em sites voltam a liderar, com 50% e 59%, respectivamente.
Twitter foi citado
A pesquisa também levou em conta como os usuários viam esses mesmos aspectos no Twitter, rede social rival do Facebook. Os entrevistados responderam sobre as mesmas categorias e, no Brasil, quase 70% dos usuários perceberam mensagens políticas como um dos pilares de desinformação na plataforma. O número é o único que ultrapassa os valores em relação ao Facebook.
Nas últimas semanas, o Twitter divulgou uma pesquisa interna em que relatou que seus algoritmos tinham tendência de impulsionar conteúdos da extrema direita, por um conjunto de fatores de compartilhamento dos usuários — que tornava a visibilidade desse conteúdo maior.
Sobre a inclusão do Twitter na pesquisa do Facebook, a empresa de Jack Dorsey foi procurada pela reportagem para comentar sobre o assunto, mas preferiu não se posicionar.
O que diz o Facebook
Em relação ao documento que traz a pesquisa sobre a percepção dos brasileiros, o Facebook diz: "Os resultados desta pesquisa não medem a prevalência ou a quantidade de um determinado tipo de conteúdo nos nossos serviços. A pesquisa mostra a percepção das pessoas sobre o conteúdo que elas veem nas nossas plataformas. Essas percepções são importantes, mas dependem de uma série de fatores, incluindo o contexto cultural. Divulgamos trimestralmente a prevalência de materiais que violam nossas políticas e estamos sempre buscando identificar e remover mais conteúdos violadores."
O Facebook costuma divulgar relatórios de transparência para falar sobre suas políticas de uso e sobre conteúdos frequentemente retirados da plataforma por pedidos de usuários ou órgãos judiciais, por exemplo. Porém, entre as categorias presentes no estudo vazado, apenas “spam” também aparece nos relatórios divulgados pela empresa.
Sobre os vazamentos do Facebook Papers, a empresa diz ao Estadão: “A premissa central nestas histórias é falsa. Sim, somos um negócio e temos lucro. Mas a ideia de que lucramos às custas do bem-estar e da segurança das pessoas não compreende onde residem nossos próprios interesses comerciais.” Desde o início dos vazamentos, Frances vem repetindo que a empresa sacrificou a segurança dos usuários pelo lucro.
À reportagem, a companhia também afirma que tem mais de 40 mil pessoas na equipe de integridade. “Apenas em 2021, devemos investir mais de US$ 5 bilhões em segurança e integridade, mais do que qualquer outra empresa do setor de tecnologia”, diz.
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