Finanças e redes sociais se misturam em retrospectiva do app Robinhood

O resumão do aplicativo americano Robinhood exibe as ações que os clientes compraram, dividendos e juros ganhos, em quais ações da carteira eles mais clicaram, entre outros dados

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Por Ezra Marcus
O app Robinhood lançou um resumo dos dados de fim de ano para seus usuários Foto: Reuters

Em 2020, flutuações extremas no mercado de ações causadas pela pandemia levaram milhões de pessoas ao mundo dos investimentos. Após as ações despencarem, em março, corretores experientes e novatos da bolsa americana Nasdaq despejaram seus dólares tanto em sedutoras empresas de tecnologia, como Tesla e Zoom, quanto em negócios castigados pelas restrições relacionadas à covid-19, incluindo companhias aéreas, restaurantes e empresas de cruzeiros marítimos.

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Para reunir impressões sobre um ano de volatilidade e investimentos impulsivos, o aplicativo americano de investimentos Robinhood lançou um resumo dos dados de fim de ano para seus usuários. 

Em comunicado à imprensa, o Robinhood Recap é apresentado como uma “experiência especial, personalizada, que conduzirá o cliente por sua jornada de investimentos de 2020— de visualizações a transações, seus mais memoráveis momentos de investimentos, grandes ou pequenos, e outros pontos marcantes do caminho”.

O resumão do Robinhood — disponível para qualquer um que tenha ativado a conta no app antes de 15 de dezembro — exibe as ações que os clientes compraram, dividendos e juros ganhos, em quais ações da carteira eles mais clicaram, entre outros dados.

Algumas pessoas elogiaram a interface da ferramenta. “Ficamos encantados ao ouvir de muitos clientes que eles gostaram de relembrar seu ano de investimentos, salvando capturas de tela das transações ou compartilhando-as nas redes sociais”, escreveu um porta-voz da empresa por e-mail.

O Robinhood é um entre vários aplicativos populares voltados ao consumidor que adotam listas compartilháveis com dados anuais de uso - uma das mais famosas é a Retrospectiva do Spotify, que este ano reuniu as mais animadas - ou, mais apropriadamente, depressivas - canções de 2020. Essas retrospectivas se valem de uma linguagem otimista e gráficos atraentes para estimular seus usuários a compartilhá-los nas redes sociais.

Mas, para a maioria das pessoas, decisões financeiras pessoais são mais difíceis de compartilhar do que, digamos, o cantor que elas mais ouviram durante o ano. Essas decisões são inerentemente privadas.

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Nas redes 

Kareem Rahma, 34 anos, comediante e empreendedor, escreveu por e-mail que ele “nunca compartilharia esse tipo de informação publicamente, que é muito mais sensível do que minhas preferências musicais no Spotify”.

Ainda assim, muita gente postou capturas de tela de suas retrospectivas financeiras nas redes sociais. Muitos ficaram chocados com a frequência com que checaram os valores de certas ações.

“A Tesla, em geral, cresceu loucamente, e obviamente suas ações decolaram, então, foi engraçado me dar conta de como eu chequei frequentemente o seu valor”, afirmou Eric Milligan, um técnico de informação.

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Jordan Bishop, 29 anos, também ficou surpreso com esse dado na sua retrospectiva. “Antes que possamos nos dar conta, já checamos umas 10 vezes no dia, e isso nos dá uma injeção de dopamina a cada vez”, afirmou ele.

“A retrospectiva do Robinhood me fez perceber que eu estava obcecado demais com cada dólar a mais ou a menos no mercado, e isso prejudicava minha saúde”, escreveu por e-mail o estudante universitário Rajat Kamboj, 20 anos. Sua retrospectiva o informou que ele verificou o valor de suas ações da Tesla 18.656 vezes em 2020, uma média de mais de 50 vezes por dia ("Você está um pouco apegado”, informou a retrospectiva).

“Enquanto corretora de autoatendimento, não damos conselhos de investimento”, afirmou um porta-voz do Robinhood em um comunicado. “O objetivo do Robinhood Recap foi celebrar momentos marcantes e oferecer às pessoas uma visão mais ampla de sua atividade ao longo do ano, ajudando-as a planejar seu comportamento no longo prazo.”

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A ferramenta virou meme no amargo WallStreetBets, um subproduto do Reddit com foco em finanças. Um usuário criou uma paródia de um post do Robinhood Recap que informava grandes perdas (“Você fez escolhas arriscadas…”).

“Esse ano houve um aumento sem precedentes entre os pequenos investidores”, escreveu o porta-voz do Robinhood. “Recebemos milhões de novos clientes no Robinhood, e cerca de metade deles estava investindo pela primeira vez. Com o Robinhood Recap, buscamos relembrar tanto novos quanto antigos clientes de sua jornada de investimentos.”

O Robinhood ganhou 3 milhões de usuários este ano, elevando seu total de clientes a 13 milhões. O aplicativo virou o favorito de investidores jovens e pouco experientes, atraídos por corretagem sem taxas, ofertas de ações grátis e uma interface de usuário envolvente que utiliza uma técnica descrita por uma reportagem do New York Times em julho como “a cartilha de estímulos comportamentais e notificações push do Vale do Silício".

O artigo do Times declarava que os usuários do Robinhood negociam produtos arriscados em um ritmo mais acelerado do que os clientes das grandes firmas de corretagem; por exemplo, os usuários do Robinhood compraram e venderam 88 vezes mais contratos arriscados de opções do que os clientes da Charles Schwab.

Várias pessoas afirmaram que o Robinhood Recap parece condizente com a estratégia mais ampla da empresa de se posicionar como uma experiência de estilo de vida, em vez de mais uma tediosa plataforma de corretagem, para atrair investidores menos sofisticados.

“A brilhante e colorida interface de usuário deles, a facilidade para a abertura de contas para compras em margem, as opções de acesso e, agora, o Robinhood Recap me passam a impressão de que eles tentam conquistar um público mais jovem”, escreveu por e-mail Luke Thornburg, 19 anos. “Essas pessoas mais jovens, que geralmente têm pouca experiência e assumem mais riscos, podem escolher o Robinhood por causa desses elementos.” Ele afirmou que perdeu dinheiro negociando opções arriscadas assim que começou a usar o aplicativo.

“O Spotify parece ser a comparação mais clara aqui”, afirmou Bishop, que é fundador de um site de finanças pessoais com foco em transporte aéreo. “Me parece fascinante — e um pouco perigosa — a maneira como finanças pessoais e redes sociais estão se misturando.”

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