THE NEW YORK TIMES - Em março, funcionários do Google ficaram chocados quando souberam que a Samsung estava considerando substituir o Google pelo Bing da Microsoft como mecanismo de busca padrão em seus dispositivos. Por anos, o Bing foi um mecanismo de busca em segundo plano. Mas se tornou muito mais interessante para os especialistas do setor quando adicionou recentemente nova tecnologia de inteligência artificial (IA).
A reação do Google à ameaça da Samsung foi “pânico”, de acordo com mensagens internas revisadas pelo New York Times. Um valor estimado de US$ 3 bilhões em receita anual estava em jogo com o contrato da Samsung. Um adicional de US$ 20 bilhões está vinculado a um contrato semelhante da Apple, que será renovado este ano.
Competidores turbinados por IA, como o novo Bing, estão se tornando rapidamente a ameaça mais séria ao negócio de busca do Google em 25 anos, e em resposta, o Google está correndo para construir um novo mecanismo de busca totalmente novo. Ele também está atualizando a ferramenta atual com recursos de IA, de acordo com documentos internos revisados pelo The New York Times.
As novas funcionalidades, sob o nome de projeto Magi, estão sendo criadas por designers, engenheiros e executivos que trabalham em salas de sprint para ajustar e testar as últimas versões. O novo mecanismo de busca ofereceria aos usuários uma experiência muito mais personalizada do que o serviço atual da empresa, tentando antecipar as necessidades dos usuários.
Lara Levin, porta-voz do Google, afirmou em um comunicado que “nem todas as ideias de produto ou conceitos de brainstorming levam a um lançamento, mas, como já dissemos antes, estamos animados em trazer novas funcionalidades alimentadas por IA para a busca e compartilharemos mais detalhes em breve”.
Bilhões de pessoas usam o mecanismo de busca do Google todos os dias para encontrar desde restaurantes e direções até entender um diagnóstico médico - essa simples página branca com o logo da empresa e uma barra vazia no meio é uma das páginas mais usadas no mundo. Mudanças nela teriam um impacto significativo na vida das pessoas comuns, e até recentemente, era difícil imaginar qualquer coisa desafiando-a.
O Google tem se preocupado com concorrentes alimentados por IA desde que a OpenAI, startup de São Francisco que trabalha com a Microsoft, apresentou o ChatGPT em novembro. Cerca de duas semanas depois, o Google criou uma força-tarefa em sua divisão de busca para começar a construir produtos de IA, disseram duas pessoas com conhecimento dos esforços, que não foram autorizadas a discuti-los publicamente.
Modernizar seu mecanismo de busca se tornou uma obsessão no Google, e as mudanças planejadas podem colocar novas tecnologias de IA em telefones e casas em todo o mundo.
A ameaça da Samsung representou a primeira rachadura potencial nos negócios de busca aparentemente invulneráveis do Google, que valiam US$ 162 bilhões no ano passado. Embora não estivesse claro se o trabalho da Microsoft com IA era a principal razão pela qual a Samsung estava considerando uma mudança depois dos últimos 12 anos, essa foi a suposição dentro do Google. O contrato está em negociação e a Samsung pode continuar com o Google.
Mas a ideia de que a Samsung, que fabrica centenas de milhares de smartphones com Android (do Google) todos os anos, sequer consideraria a troca de mecanismos de busca chocou os funcionários do Google. Depois que alguns trabalhadores foram informados de que a empresa estava procurando voluntários neste mês para ajudar a reunir material para uma apresentação à Samsung, eles reagiram com emoji e surpresa. “Uau, OK, isso é louco”, respondeu uma pessoa.
Um porta-voz do Google disse que a empresa está continuamente melhorando seu mecanismo de busca para dar aos usuários e parceiros mais motivos para escolher o Google, e que os fabricantes de telefones Android são livres para adotar tecnologias de diferentes empresas para melhorar a experiência de seus usuários.
Samsung e Microsoft se recusaram a comentar.
A busca do Google por IA
O Google tem feito pesquisas em inteligência artificial há anos. Seu laboratório DeepMind em Londres é considerado um dos melhores centros de pesquisa em IA do mundo, e a empresa tem sido pioneira em projetos de IA, como carros autônomos e os chamados modelos amplos de linguagem (LLM), que são usados no desenvolvimento de chatbots.
Nos últimos anos, o Google tem utilizado LLMs para melhorar a qualidade dos seus resultados de busca, mas tem evitado adotar completamente a IA porque ela é propensa a gerar declarações falsas e tendenciosas.
Agora, a prioridade é vencer a próxima grande corrida da indústria. No mês passado, o Google lançou seu próprio chatbot, Bard, mas a tecnologia recebeu críticas.
Os planos para o novo mecanismo de pesquisa, que demonstram as ambições do Google em reimaginar a experiência de pesquisa, ainda estão em estágios iniciais, sem cronograma claro para quando lançará a nova tecnologia de pesquisa.
O sistema aprenderia o que os usuários querem saber com base no que estão pesquisando quando começam a usá-lo. E ofereceria listas de opções pré-selecionadas para objetos para comprar, informações para pesquisar e outras informações. Também seria mais conversacional - um pouco como conversar com uma pessoa prestativa.
Conheça o Magi, do Google
Mas muito antes de o mecanismo de pesquisa ser reconstruído, o Magi adicionará recursos ao mecanismo de pesquisa existente, de acordo com documentos internos. O Google tem mais de 160 pessoas trabalhando em tempo integral nele, disse uma pessoa com conhecimento do trabalho.
O Magi manteria anúncios misturados aos resultados da pesquisa. Consultas de pesquisa que poderiam levar a uma transação financeira, como comprar sapatos ou reservar um voo, por exemplo, ainda apresentariam anúncios em suas páginas de resultados.
Isso é importante para o Google, uma vez que os anúncios de pesquisa são a principal forma de obter receita. O Bard não apresenta anúncios, e há uma expectativa na indústria de tecnologia de que as respostas de IA em mecanismos de pesquisa possam tornar os anúncios menos relevantes para os usuários.
As adições de pesquisa planejadas também podem responder perguntas sobre codificação de software e escrever código com base no pedido do usuário. O Google pode colocar um anúncio sob as respostas de código de computador, de acordo com um documento.
Na semana passada, o Google convidou alguns funcionários para testar os recursos do Magi e os encorajou a fazer perguntas de acompanhamento ao mecanismo de busca para avaliar sua capacidade de manter uma conversa. Espera-se que o Google lance as ferramentas ao público no próximo mês e adicione mais recursos no outono, de acordo com o documento de planejamento.
A empresa planeja lançar inicialmente os recursos para um máximo de 1 milhão de pessoas. Esse número deve aumentar progressivamente para 30 milhões até o final do ano. Os recursos estarão disponíveis exclusivamente nos EUA.
Outros produtos com IA
O Google também explorou possibilidades para permitir que as pessoas usem a tecnologia de mapeamento do Google Earth com ajuda da IA e procurem música por meio de uma conversa com um chatbot, escreveu um diretor do Google em um documento. Outras ideias de produtos estão em vários estágios de desenvolvimento. Uma ferramenta chamada GIFI usaria a IA para gerar imagens nos resultados de imagens do Google.
Outra ferramenta, Tivoli Tutor, ensinaria aos usuários um novo idioma por meio de conversas de texto aberto com a IA. Outro produto, o Searchalong, permitiria que os usuários fizessem perguntas a um chatbot enquanto navegam na web pelo navegador Chrome do Google. As pessoas poderiam perguntar ao chatbot sobre atividades próximas a um aluguel do Airbnb, por exemplo, e a IA analisaria a página e o resto da internet em busca de uma resposta.
Jim Lecinski, ex-vice-presidente de vendas e serviços do Google, disse que a empresa foi provocada à ação e agora precisa convencer os usuários de que é tão “poderosa, competente e contemporânea” quanto seus concorrentes. “Se somos o principal mecanismo de busca e esta é uma nova atribuição, um novo recurso, uma nova característica dos mecanismos de busca, queremos ter certeza de que estamos nessa corrida também”, disse Lecinski, professor de marketing na Northwestern University, em uma entrevista. /TRADUÇÃO DE ALICE LABATE
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