iPhone 15: Por que a Apple se curvou para a União Europeia?

Exigência do USB-C desagradou empresa americana, que teve de adotar funcionalidade

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Foto do author Guilherme Guerra

Sem muito alarde, a Apple anunciou na terça-feira passada, 12, uma nova entrada para toda a família do iPhone 15. De agora em diante, os celulares da marca adotam o padrão USB-C, amplamente utilizado pelo mercado de tecnologia.

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A mudança é uma exigência da União Europeia (UE), que, a partir de 2024, demanda que todos os dispositivos eletrônicos que circulem no bloco tenham o padrão USB-C de carregamento. O argumento do grupo europeu é simples: trazer mais praticidade para o consumidor e gerar menos lixo eletrônico, com menos cabos de diferentes tipos e formatos circulando pelo mundo.

“Um carregador padrão é senso comum para os muitos dispositivos eletrônicos em nosso dia a dia”, escreveu o comissário europeu Thierry Breton em 9 de setembro. Segundo o político, 11 mil toneladas de lixo eletrônico foram geradas a partir de mau uso de carregadores. E um padrão único no mercado pode significar a economia de 250 milhões de euros ao ano para cidadãos e empresas.

Na prática, os consumidores poderão ter um único cabo USB-C para carregar o iPhone 15, fones de ouvido, laptops e outros aparelhos. Ou seja, não vai importar se o dispositivo é Apple, Samsung, Motorola ou de outra marca — todos terão a mesma entrada. É uma das maiores aproximações entre Apple e fabricantes de aparelhos com Android de que se tem notícia.

O decreto da UE acabou encurralando a Apple, que é a única fabricante a ter um formato próprio de entrada: o Lightning, criado por ela própria em 2012, quando o introduziu no iPhone 5 em substituição ao conector de 30 pinos (também proprietário da companhia). Enquanto isso, rivais já adotam o formato desde 2016 em seus produtos, sejam os topo de linha, sejam os modelos de entrada. Faltava apenas a dona do iPhone.

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A Apple acabou tendo de ceder à União Europeia

Eduardo Pellanda, professor da PUC-RS

“A Apple acabou tendo de ceder à União Europeia”, aponta o professor Eduardo Pellanda, pesquisador da PUC-RS e coordenador do Ubilab. Isso porque, para fabricantes do mercado de tecnologia, que têm produção global dos aparelhos, é inviável criar dispositivos diferentes para territórios específicos — mesmo a UE, com 450 milhões de habitantes.

Para a empresa americana, a outra opção era abandonar a União Europeia e interromper a venda do iPhone por lá. O que prejudicaria o caixa da companhia: a Europa foi o segundo maior mercado da Apple, com vendas totalizando US$ 71 bilhões entre outubro de 2022 e junho de 2023, segundo o mais recente balanço financeiro da empresa, de agosto.

O jeito foi se curvar e adotar o USB-C.

iPhone 15, lançado em setembro de 2023 pela Apple, vem com entrada USB-C, padrão do mercado mundial Foto: Justin Sullivan/Getty Images - 12/9/2023

Medida ‘anti-inovação’

A Apple tentou evitar que a União Europeia aprovasse esse decreto. De forma bastante rara para a companhia, que evita se posicionar publicamente sobre temas em discussão pela sociedade, a empresa foi a publico reclamar sobre a medida.

Em debate realizado pela Comissão Europeia em novembro de 2021, um porta-voz da Apple se posicionou contra a medida diante os políticos europeus. O principal argumento é o de que a adoção de um formato único é uma medida que frearia a inovação no mercado de tecnologia, já que todas as empresas usariam o mesmo formato.

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Assim como fazemos no mundo, vamos cumprir a legislação local

Greg Joswiak, executivo da Apple

“Estamos preocupados com o fato de que a regulamentação que exige apenas um tipo de conector para todos os dispositivos no mercado prejudicará os consumidores europeus ao desacelerar a introdução de inovações benéficas nos padrões de carregamento, inclusive aquelas relacionadas à segurança e à eficiência energética”, declarou o porta-voz da Apple. “Isso também reduzirá a escolha do consumidor europeu ao retirar do mercado modelos antigos mais acessíveis e aumentará o lixo eletrônico ao provocar o descarte de cabos e acessórios existentes”.

No ano passado, já sabendo do prazo de vigência do decreto, o vice-presidente de marketing da Apple, Greg Joswiak, afirmou que a companhia “não tem escolha”. “Assim como fazemos no mundo, vamos cumprir a legislação local”, declarou em conferência promovida pelo jornal americano Wall Street Journal.

Dito e feito: o iPhone 15 veio com o esperado USB-C, mas a Apple não pareceu feliz com a mudança. Prova disso é que, durante o evento, a companhia anunciou a novidade sem muita fanfarra, indo contra o histórico de marketing da empresa, que enaltece alterações em seus produtos e serviços com adjetivos e superlativos aos montes.

Apple revelou quatro novos iPhones em evento, incluindo o iPhone 15 Pro Max, com zoom óptico de 5x Foto: Loren Elliot/Reuters - 12/9/2023

Consumidor sai ganhando

A Apple pode não ter gostado, mas o cidadão sai ganhando com a medida, que traz mais praticidade e promete economia. Por exemplo, usuários de iPhone poderão economizar em cabos únicos com padrão Lightning, vendidos a R$ 219 na loja da Apple, e utilizar carregadores antigos de celulares de outras marcas.

“Para o consumidor, é uma vantagem clara, que é usar o mesmo cabo para diferentes tipos de aparelhos”, afirma Pellanda, da PUC-RS. Mas o professor explica que o importante é o carregador de tomada ser compatível com a voltagem do aparelho: “Um laptop vai precisar de uma potência diferente do iPhone, por exemplo. O cabo vai ser o mesmo, mas ainda vamos ter o problema da fonte na tomada.”

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A Apple afirma que a utilização de carregadores de tomada mais potentes fabricados pela empresa, que vão de 18W a 140W, não atrapalha a degradação da bateria de seus dispositivos. Mas a empresa não garante o bom funcionamento com produtos de terceiros.

Ou seja, a interoperabilidade de um “carregador para todos” ainda não está pronta. Mas o primeiro passo foi dado.

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