Com menos de uma década de vida, a startup cingapuriana Grab acumula superlativos. São 25 milhões de usuários ativos por mês e quase 2 bilhões de transações em 2020, que alçaram o aplicativo ao posto de maior e mais valioso unicórnio do sudeste asiático, avaliado em US$ 16 bilhões. Na semana passada, a startup galgou mais um patamar. Em uma operação que envolveu US$ 40 bilhões, o Grab anunciou sua abertura de capital na maior fusão com uma SPAC (sigla para o termo em inglês Special Purpose Acquisition Companies) da história. Spacs são as empresas "cheque em branco", que viraram febre no mercado financeiro.
O Grab se auto-intitula um "superapp". Inicialmente uma plataforma de táxi na Malásia - embora o quartel-general da empresa seja em Cingapura -, evoluiu para um dispositivo que oferece, além de transporte, delivery de comida e de compras e, mais recentemente, serviços financeiros. A ideia da empresa é ser uma plataforma "all in one" para os usuários dos oito países nos quais atua: Cingapura, Malásia, Indonésia, Filipinas, Tailândia, Vietnã, Mianmar e Camboja.
A startup cresceu surfando a onda do avanço do mercado digital, mas se consolidou por conhecer e respeitar as peculiaridades da região. Em uma época em que os concorrentes se limitavam a pagamentos digitais, o Grab se dispôs a aceitar dinheiro vivo. Em mercados como Vietnã e Indonésia, de trânsito carregado, cadastrou motociclistas entre suas opções de motoristas.
Não à toa, a empresa eclipsou a consolidação da Uber na região e, em 2018, a gigante do transporte por aplicativo norte-americana vendeu suas operações no Sudeste da Ásia para o Grab. Em troca, a Uber detém uma fatia de 27,5% da startup oriental.
Líder de mercado
A estratégia funcionou. A empresa tem hoje 72% do valor total de vendas de toda a região para o setor de transporte pago por percurso. No setor de entrega de alimentos, tem 50% do GMV regional. Também 23% do volume total de pagamentos do mercado de pagamentos digitais do Sudeste Asiático.
"O Grab tem uma posição bastante forte em um mercado crescente no Sudeste Asiático. É uma população grande para serviços ofertados por eles frequentemente, senão diariamente. Isso faz com que o mercado potencial para o Grab seja enorme. Eles já são líderes de mercado em dois dos serviços, comida e transporte", diz Nitin Pangarkar, professor da Escola de Negócios da Universidade Nacional de Cingapura (NUS).
Um relatório desenvolvido por Google, Temasek Holdings e Bain & Company mostrou que 40 milhões de pessoas ficaram online pela primeira vez em 2020 no Sudeste Asiático, uma amostra de que o mercado potencial do Grab está, de fato, em expansão. O número de usuários de internet na região hoje é de 400 milhões de pessoas. O Grab estima que seu Mercado Total Disponível (TAM, na sigla em inglês) passará de US$ 52 bilhões, em 2020, para US$ 180 bilhões em 2025.
Abertura
A abertura de capital - consolidada semana passada - foi decidida após um ano de 2020 de fortes resultados, segundo o CEO da empresa, Anthony Tan. A empresa conseguiu, em meio à crise mundial do coronavírus, expandir o GrabMart, que entrega compras, de dois para oito países, em três meses.
O Grab optou por um meio não convencional de ir a público e o fez por meio de uma fusão com uma SPAC, em uma operação apelidada de "cheque em branco". As SPACs são corporações que atuam com o objetivo de comprar empresas já existentes e torná-las públicas por meio de um processo de fusão e aquisição. O Grab se fundiu com a Altimeter Growth Corp. num acordo de US$ 40 bilhões, o maior do tipo no mundo.
A transação adicionou ainda mais um superlativo para a história do Grab. A arrecadação de US$ 4 bilhões de fundos de investidores globais para a operação deve ser a maior oferta de ações por uma companhia do Sudeste Asiático. A expectativa é de que a estreia da ação na Nasdaq ocorra até o terceiro trimestre deste ano, de acordo com a mídia asiática, sob o tíquete GRAB.
A sócia e advogada especializada em mercado acionário e SPACs da Morrison Foester em Hong Kong, Marcia Ellis, diz que a decisão de não tomar o caminho tradicional do IPO está relacionada com o grau atual de incertezas do mercado. Se optasse pelo IPO, diz ela, o Grab teria de prever um valuation para o fim do ano, quando possivelmente teria condições de ir a público. No caso da SPAC, essa previsão tem de ser feita para um período mais curto, de alguns meses. "Quando há muita incerteza no mercado, mesmo para uma companhia como o Grab, prever o futuro para um período mais curto é preferível", afirma.
Apesar de o mercado online potencial no Sudeste Asiático estar em expansão, muitos competidores tentam pegar uma fatia dos usuários do Grab. A maior ameaça para a startup hoje é o indonésio Gojek, no setor de transportes, com quem o app teria chegado a discutir uma fusão.
Pangarkar diz que o futuro do Grab ainda é difícil de prever. Líder em entrega de alimentos e transporte, a empresa teria bastante espaço ainda para expandir seus serviços financeiros, como fintech. "Há muitos concorrentes e mesmo os bancos tradicionais estão entrando nesse setor", diz ele. "Veremos o quão efetivos eles são. É um ambiente que tem ficado cheio para o Grab."