A indústria da tecnologia teve vida fácil na época do presidente Barack Obama. As autoridades reguladoras não apresentaram acusações substanciais, os executivos do setor entravam e saíam do quadro de funcionários do governo, e os esforços para o fortalecimento das leis de proteção à privacidade perderam fôlego. Mas está enganado quem acha que esse tempo vai voltar quando o vice de Obama, Joe Biden, chegar à Casa Branca em janeiro.
Durante o governo Trump, republicanos e democratas começaram a colocar o Vale do Silício em sua mira. Espera-se de Biden que coloque os gigantes da tecnologia em arenas como desinformação, privacidade e formação de trustes, demonstrando uma atitude bem diferente das políticas que defendia na época em que era vice-presidente de Obama.“As grandes preocupações da tecnologia da era Obama continuam conosco e não foram resolvidas”, diz Chris Lewis, presidente do grupo de defesa dos direitos do consumidor Public Knowledge. “O gênio saiu da garrafa e as questões públicas que exigem solução estão se acumulando.”
Durante a campanha, Biden raramente falou em detalhes a respeito de suas políticas para a tecnologia. Mas criticou as empresas de redes sociais, como o Facebook, que permitiram nos seus sites a desinformação. Ele também manifestou preocupação com o poder que um grupo de empresas detêm no setor da tecnologia. A expectativa é que ele leve adiante o processo antitruste apresentado contra o Google em outubro e permita que novas denúncias sejam feitas contra Facebook, Amazon e Apple. Nenhum caso ou inquérito foi especificamente citado pela campanha, mas um de seus porta-vozes, Matt Hill, disse que Biden adotaria um posicionamento agressivo em relação a essa indústria.
“Muitas gigantes da tecnologia abusaram de seus poderes e enganaram o público americano, ferindo nossa democracia sem arcarem com nenhum tipo de responsabilidade”, disse Hill. “Isso vai acabar.”
Previsível
Para avançar, Biden terá de superar uma cisão no Partido Democrata quanto à abordagem correta com as empresas de tecnologia. Progressistas como a senadora Elizabeth Warren, de Massachusetts, e o deputado David Cicilline, de Rhode Island, defendem que as gigantes sejam desmembradas. São legisladores que provavelmente defenderão as autoridades reguladoras que seguirem essa linha. Já os moderados do partido se mostram relutantes em desmembrar essas empresas.
A postura também depende do Congresso: sem nenhum dos partidos com maioria expressiva no Senado, será difícil passar novas leis que mudem de forma profunda o setor de tecnologia – o máximo que Biden deve conseguir é apoio para investigar as gigantes.
Biden também deve enfrentar um forte lobby da indústria – só Amazon, Apple, Facebook e Google gastaram US$ 53,6 milhões em 2019 com a atividade. É mais do que Wall Street e as empresas do setor farmacêutico e energético. No entanto, executivos e lobistas atuantes veem com bons olhos a chegada de Biden, apesar de uma abordagem dura com relação à concorrência desleal. Afinal, é o fim da era imprevisível da presidência de Donald Trump.
Diretor jurídico da Apple e ex-diretor de assuntos governamentais da fabricante, Bruce Sewell foi claro sobre isso. “No Vale do Silício, os diretores dessas empresas devem pensar, ‘Biden vai pegar pesado conosco, mas, ao menos, teremos de volta um mal que conhecemos bem’.”, afirmou o executivo, que comandou as relações da Apple com Washington entre 2009 e 2017. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.