O que o celular ‘misterioso’ da Huawei diz sobre a guerra tecnológica entre EUA e China

Sanções americanas assombram a China há anos, mas desenvolvimento de tecnologia própria do oriente pode reverter a situação

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

BLOOMBERG - A maior empresa de tecnologia da China, a Huawei, ganhou destaque global como líder em redes sem fio 5G e smartphones antes de se dedicar ao desenvolvimento de chips e inteligência artificial (IA). Mas em 2019, a empresa se tornou um alvo dos EUA quando o governo Trump a colocou em uma lista de companhias proibidas de atuar no país — o ex-presidente também pressionou os seus aliados a banir os equipamentos da Huawei por completo devido a preocupações com espionagem.

As sanções quase acabaram com o negócio de celulares para consumidores da Huawei. Mas a empresa se recuperou com o apoio do governo da China. Agora, a gigante de tecnologia ressurge com um aparelho celular que tem preocupado o ocidente por conter um chip potente fabricado inteiramente na China, o que pode tornar o país independente na produção de semicondutores.

A campanha contra a Huawei — e seu possível retorno — levantam questões sobre uma guerra já antiga entre os dois territórios: os esforços dos EUA para conter a ascensão geopolítica da China foram eficazes ou adequados? Qual das duas superpotências assumirá a liderança em setores futuros, como a IA?

Por que os EUA têm um problema com a Huawei?

PUBLICIDADE

Autoridades do governo dos EUA disseram que a Huawei poderia usar sua presença nas redes de telecomunicações do mundo para fazer espionagens. Em 2012, um relatório do Comitê de Inteligência da Câmara dos EUA apontou a Huawei e a ZTE, outra fabricante chinesa de equipamentos de comunicação, como possíveis ameaças à segurança. Em 2020, a Comissão Federal de Comunicações designou as empresas como perigosas e ordenou que as operadoras dos EUA retirassem os equipamentos da Huawei e da ZTE de suas redes.

Antes disso, já em 2018, as preocupações com a Huawei levaram o então presidente Donald Trump a bloquear uma aquisição que poderia ter entregue a liderança global à empresa chinesa. Essas preocupações aumentaram à medida que as operadoras gastaram bilhões de dólares em redes 5G, que coletam dados e permitem serviços em uma escala sem precedentes.

Qual é a importância da Huawei?

Em pouco mais de três décadas, a Huawei deixou de ser uma revendedora de produtos eletrônicos para se tornar uma das maiores empresas privadas do mundo, com posições de liderança em equipamentos de telecomunicações, celulares, computação em nuvem e segurança cibernética. Com isso, a chinesa conseguiu ter operações substanciais na Ásia, Europa e África, mas sanções dos EUA prejudicaram seus negócios.

A empresa continuou a investir em 5G, entrando entre os 10 maiores recebedores de patentes dos EUA em 2019, e ajudou a construir redes 5G em todo o mundo.

As sanções assustaram alguns clientes e fornecedores da Huawei em todo o mundo, mas os consumidores e as operadoras chinesas se uniram a ela. A empresa é um dos maiores investidores do país em pesquisa e desenvolvimento.

Publicidade

Em agosto de 2023, um exame de seu mais recente smartphone Mate 60 Pro revelou um chip de 7 nanômetros projetado pela companhia que está apenas alguns anos atrás da tecnologia mais avançada do mundo. Também foi dito que a Huawei estava estabelecendo uma rede de fábricas para fabricar seus chips depois que as sanções bloquearam seu acesso a muitas instalações avançadas.

Por que seus equipamentos são um problema de segurança?

O governo dos EUA — assim como o chinês e outros — tem receio de empregar tecnologia estrangeira em comunicações vitais por medo de que os fabricantes possam instalar “escutas” ocultas para que espiões acessem dados confidenciais ou que as próprias empresas os entreguem aos governos de seus países.

As redes 5G são particularmente preocupantes porque vão além de tornar os downloads de smartphones mais rápidos. Elas também permitem novas tecnologias, como carros autônomos e a internet das coisas. A operadora Vodafone, sediada no Reino Unido, teria encontrado e corrigido algumas falhas de escutas em equipamentos da Huawei usados em seus negócios na Itália em 2011 e 2012. Embora seja difícil saber se essas vulnerabilidades foram mal-intencionadas ou acidentais, a revelação foi um golpe para a reputação da Huawei.

Quem está usando a Huawei e quem não está?

O Japão e a Austrália aderiram ao boicote dos EUA logo no início, enquanto o Canadá proibiu a Huawei de usar 5G em 2022, depois de hesitar por mais de três anos. O Reino Unido proibiu suas operadoras de telecomunicações de comprar equipamentos 5G da Huawei a partir de 2021, e os equipamentos já instalados devem ser removidos até 2027. A Suécia baniu a Huawei e a ZTE de sua rede 5G em 2020.

Publicidade

Embora a Alemanha tenha evitado uma proibição total, suas operadoras decidiram não usar a Huawei no núcleo crítico de suas redes 5G. Mas a empresa conquistou clientes na Rússia, no Oriente Médio, na África e na Ásia, incluindo as Filipinas e a Tailândia.

Os equipamentos da Huawei tendem a ser mais baratos do que os das rivais nórdicas Nokia e Ericsson. Na Malásia, o primeiro-ministro disse que seu país usará a Huawei “o máximo possível”. O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, também defendeu o uso de equipamentos da Huawei. “Não podemos nos dar ao luxo de ter nossa economia atrasada por causa dessa briga”, disse ele em 2019.

O que mais os EUA fizeram?

O país passou a restringir a capacidade da Huawei de vender equipamentos no país e, mais significativamente, de comprar peças de fornecedores americanos, adicionando a Huawei a uma lista de proibições do Departamento de Comércio em 2019.

Acusando a empresa de tentar “driblar” esses controles de exportação, o departamento impôs mais restrições aos fabricantes de chips que usam tecnologia americana para projetar ou produzir semicondutores usados pela Huawei. Isso significa que fornecedores como a Taiwan Semiconductor Manufacturing (TSMC), que equipam aparelhos da Apple, tiveram que cortar o contato com a Huawei, a menos que obtivessem uma autorização específica do governo americano — com multas e outras penalidades para quem desrespeitasse o acordo.

Sob o comando do presidente Joe Biden, as condições de algumas licenças de exportação foram reforçadas em componentes como semicondutores, antenas e baterias, impedindo seu uso em dispositivos 5G da Huawei. Outras medidas anteriores incluíram a adição de 38 afiliadas da Huawei em 21 países na lista de proibição americana. A Comissão Federal de Comunicações disse que estabeleceria uma relação de equipamentos proibidos no mercado interno e criaria um programa para reembolsar as operadoras dos EUA pela implementação da ordem.

A Huawei tem investido, com apoio do governo chinês, em tecnologias para construir seus próprios chips Foto: REUTERS/Edgar Su

Quem mais acusou a Huawei?

Em 2003, a Cisco processou a Huawei por supostamente infringir suas patentes e copiar ilegalmente o código-fonte usado em roteadores e switches. A Huawei removeu o código, os manuais e as interfaces de linha de comando contestados e o processo foi arquivado. A Motorola processou a Huawei em 2010 por supostamente conspirar com ex-funcionários para roubar segredos comerciais. Esse processo foi posteriormente resolvido.

Em 2017, um júri considerou a Huawei responsável pelo roubo de tecnologia robótica da T-Mobile e, em janeiro de 2019, o Departamento de Justiça dos EUA indiciou a Huawei por roubo de segredos comerciais relacionados a esse caso. No mesmo mês, a Polônia, um firme aliado dos EUA, prendeu um funcionário da Huawei por suspeita de espionagem para o governo chinês. A Huawei demitiu o funcionário e negou qualquer envolvimento em suas supostas ações.

O que diz a Huawei?

A Huawei diz que as restrições dos EUA não têm a ver com segurança cibernética, mas são projetadas para proteger o domínio americano na tecnologia global. A empresa negou repetidamente que ajude o governo de Pequim a espionar outros governos ou empresas. A companhia, de propriedade do fundador Ren Zhengfei, bem como de seus funcionários por meio de um sindicato, começou a divulgar resultados financeiros, gastou mais em marketing e se envolveu com a mídia estrangeira. Ren tornou-se mais franco ao lutar para defender sua empresa.

Publicidade

Embora tenha dito que se orgulhava de sua carreira militar e de sua filiação ao Partido Comunista, ele rejeitou as sugestões de que estava cumprindo as ordens de governo ou de que a Huawei havia entregue informações de clientes. As conquistas tecnológicas por trás do Mate 60 Pro acenderam o fervor nacionalista em toda a China e ele se tornou um símbolo da luta do país contra as sanções dos EUA. A mídia apoiada pelo Estado, incluindo o jornal Global Times, declarou que o surgimento do chip que equipa o smartphone é um avanço diante das restrições americanas.

Outras empresas chinesas estão sentindo a pressão?

Sim. No final de 2020, o Pentágono adicionou mais quatro companhias, incluindo a China National Offshore Oil e a SMIC, a uma lista de empresas que, segundo ele, pertencem ou são controladas pelos militares da China, expondo-as a um maior escrutínio e possíveis sanções. Outros gigantes chineses da tecnologia foram incluídos na lista de proibições por supostamente estarem envolvidos em violações de direitos humanos contra a minoria muçulmana na região de Xinjiang.

Entre elas estão a Hangzhou Hikvision Digital Technology e a Zhejiang Dahua Technology, que, segundo alguns relatos, controlam até um terço do mercado global de vigilância por vídeo, a SenseTime, startup de inteligência artificial mais valiosa do mundo, e a Megvii Technology, também gigante da IA. A ZTE quase entrou em colapso depois que o Departamento de Comércio dos EUA a proibiu por três meses em 2018 de comprar tecnologia americana. Os EUA adicionaram a Pengxinwei IC Manufacturing, mais conhecida como PXW, à sua lista em 2022

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.