Nos últimos dias, os usuários do TikTok nos EUA entraram em um frenesi. Não é à toa: o secretário de Estado do governo Trump, Mike Pompeo, disse no início do mês que está pensando em proibir o aplicativo por causa de preocupações com a segurança nacional. Foi um sentimento ecoado até pelo próprio presidente americano, Donald Trump, em entrevistas recentes. De repente, o que poderia ser uma especulação virou uma ameaça real: e se o TikTok for banido dos Estados Unidos, como aconteceu com outra chinesa, a Huawei?
Com medo de perder sua diversão e seu espaço, alguns tiktokers partiram para a revolta, vingando-se com resenhas negativas do aplicativo da campanha de Trump para 2020. O aplicativo recebeu mais de 700 avaliações negativas na quarta feira e apenas 26 avaliações positivas, de acordo com dados da empresa de análise Sensor Tower. Atualmente, o aplicativo tem classificação de uma estrela.
“Para os millennials e a geração Z, o TikTok é o nosso espaço, e Trump o ameaçou", disse Yori Blacc, 19 anos, usuário do TikTok na Califórnia. “Se eles se meterem conosco, nós vamos reagir.”
As suspeitas envolvendo o TikTok, que pertence à empresa chinesa ByteDance, também emanaram do setor privado. No início do mês, a Amazon pediu a seus funcionários que apagassem o TikTok de qualquer celular que possa “acessar e-mails da empresa", de acordo com memorando obtido pela reportagem. Vários funcionários da Amazon manifestaram sua frustração com o pedido no Twitter. Horas mais tarde, a empresa voltou atrás e disse que o e-mail tinha sido enviado por engano.
Mas sob a frustração dos usuários há muita ansiedade. Para muitos jovens, o TikTok tem sido uma janela de expressão criativa e conexão humana, especialmente durante os meses de ensino à distância e isolamento social.
“Se o TikTok fosse realmente fechado, eu perderia muitos amigos próximos que fiz, e todo o trabalho investido e progresso no sentido de reunir seguidores", disse Ashleigh Hunniford, 17 anos, que tem mais de 400 mil seguidores no app. “É uma parte importante da adolescente que me tornei. Perdê-lo seria como perder uma pequena parte de mim.”
Para influenciadores, banimento doeria no bolso
Há também aqueles para quem o TikTok é um ganha-pão. “O aplicativo botou comida na nossa mesa", disse Hootie Hurley, 21 anos, com mais de 1,1 milhão de seguidores no aplicativo. Para ele, uma proibição ao TikTok no momento atual seria particularmente devastadora. “O TikTok tem sido uma grande parte da vida das pessoas durante a quarentena, ajudando todos a superar a pandemia", disse ele.
Os influenciadores que assistiram em 2016 à derrocada do Vine, outro popular aplicativo de vídeos breves, aprenderam a importância da diversificação do público em diferentes plataformas. Mas, mesmo para os maiores astros do TikTok, transferir o público de uma plataforma para outra é um trabalho imenso.
“Tenho 7 milhões de seguidores no TikTok, mas não consigo o mesmo resultado em outras plataformas", disse Nick Austin, 20 anos. “Tenho apenas 3 milhões no Instagram e 500 mil no YouTube. Aconteça o que acontecer, será difícil transferir todo o público que tenho no TikTok.”
Alguns dos maiores astros do TikTok já fizeram uma migração bem sucedida para o YouTube. Membros da Sway House, como Bryce Hall, logo se tornaram astros ali. Outros influenciadores do TikTok, como Charli D’Amelio e Josh Richards, também já estão na casa dos milhões de seguidores.
“Quando o Vine acabou, todos os usuários do Vine migraram para o YouTube, tomando conta da plataforma”, disse Hurley. “Se o TikTok for proibido, os tiktokers vão tomar conta do YouTube. São os tiktokers que estão nas manchetes hoje. Se o TikTok for tirado deles, não acredito que vão simplesmente desaparecer.”
Ellie Zeiler, 16 anos, disse que uma falha técnica recente, fazendo com que o TikTok mostrasse temporariamente um total de zero visualizações nos vídeos, levou alguns usuários a acreditarem que a proibição seria iminente. Ela disse ter visto centenas de usuários entrando ao vivo, despedindo-se dos seguidores e pedindo a eles que os seguissem em outros canais. “Pensei: ‘Não, não pode ser'", disse ela.
Além de dar aos jovens um lugar para se reunir e entreter uns aos outros, a plataforma do TikTok também se prestou à divulgação de causas políticas e de justiça social. “Acho que isso vai afetar muito os comentários políticos entre os adolescentes", disse Hunniford. “O TikTok é usado como válvula de escape nos protestos e por pessoas que falam de suas crenças políticas. Sua proibição teria um efeito negativo aos olhos de pessoas da minha idade.”
Para rivais (americanos), medida de Trump pode ser benéfica
Se os comentários do governo Trump puseram de pernas para o ar a comunidade do TikTok, seu efeito foi benéfico para outros aplicativos. O aplicativo Byte, de vídeos curtos, criado por um dos fundadores do Vine, Dom Hoffman, chegou rapidamente ao posto de aplicativo mais baixado após a notícia da possível proibição ao TikTok. O influenciador Elijah Daniel incentivou seus seguidores a baixarem o aplicativo na quinta feira.
“Ninguém usa o Byte, mais conhecido como Vine 2.0, porque não há gays na plataforma", disse ele em vídeo do TikTok. “Assim sendo, é óbvio que ele não vale a pena. Mas, para garantir, criei um perfil no Byte. Vamos tomar conta do Byte e fazer dele um aplicativo gay antes que alguém aproveite essa oportunidade.”
Neste mês, muitos usuários do Byte publicaram vídeos de boas-vindas aos usuários do TikTokers no aplicativo, ensinando a eles o funcionamento das coisas. “A comunidade do Byte está recebendo uma enxurrada de usuários do TikTok", disse Kyle Harris, 29 anos, aficcionado pelo Byte. “Muitos tiktokers chegam confusos em relação ao funcionamento do app. Esperam encontrar um clone do TikTok, mas não é disso que se trata. O Byte não é concorrente do TikTok e nem deseja sê-lo.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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