THE WASHINGTON POST - O motim dentro da OpenAI após a demissão do CEO Sam Altman e a implosão da rede social X (ex-Twitter) sob o comando de Elon Musk não são apenas novelas do Vale do Silício. Elas são lembretes: um grupo seleto toma as decisões dentro dessas plataformas que moldam a sociedade - e o dinheiro comanda tudo.
As duas empresas conquistaram seguidores dedicados, prometendo criar tecnologia popular para um mundo em transformação: X com sua aldeia global de conversas, e OpenAI, o laboratório de pesquisa por trás do ChatGPT, com inteligência artificial (IA).
Mas sob o comando de Musk e Altman, as empresas consolidaram amplamente o poder em um pequeno grupo de fiéis e leais seguidores que deliberam em segredo e não respondem a ninguém.
Musk administra o X como um feudo, incentivando apoiadores de extrema direita, antagonizando anunciantes e atacando grupos. Altman, que foi demitido pela diretoria na semana passada e reintegrado na terça-feira, 21, tem tanto poder, se não mais, do que quando saiu - incluindo uma diretoria recém-reformulada, na qual a maioria dos diretores que se opuseram a ele foi excluída.
“Essas são tecnologias que deveriam ser tão democratizadas e universais, mas são tão fortemente influenciadas por uma única pessoa”, afirma Noah Giansiracusa, professor da Universidade Bentley, que pesquisa IA. “Tudo o que eles fazem é enquadrado como um passo em direção a uma grandeza muito maior e à transformação da sociedade. Mas esses são apenas cultos de personalidade. Eles vendem um produto.”
Novelas em andamento
Os dramas que capturaram a atenção do mundo da tecnologia estão em andamento. O X está vendo os anunciantes saírem - incluindo, mais recentemente, a empresa de Paris Hilton, que a chefe do X, Linda Yaccarino, defendeu recentemente como prova de que a empresa ainda é culturalmente relevante. E embora Altman esteja de volta à OpenAI, a composição final de seu conselho de nove membros permanece desconhecida.
Nos últimos meses, tanto o X quanto a OpenAI têm se apresentado não apenas como fornecedores de ferramentas de software, mas também como faróis de ideologias, criando ferramentas para o bem público de longo prazo.
Musk disse que comprou o Twitter no ano passado por US$ 44 bilhões para lutar contra o “vírus woke” das ideias liberais que, segundo ele, “destruirão a civilização” e para protegê-lo como uma “praça digital” para a liberdade de expressão. “Somos uma empresa que acredita na transparência”, criando “um único aplicativo que engloba tudo”, disse ele durante uma reunião interna no mês passado.
Como parte de sua cruzada, Musk demitiu milhares de funcionários, deu uma joelhada em concorrentes, financiou influenciadores de extrema direita, processou uma ONG e endossou teorias antissemitas - levando não apenas os usuários a fugir, mas também alguns de seus maiores anunciantes, que já foram responsáveis por praticamente toda a sua receita. Apple, Disney, IBM, Sony e outras empresas suspenderam seus gastos este mês depois que Musk promoveu a ideia de que os judeus têm um “ódio dialético contra os brancos”.
Já a OpenAI, desde a sua fundação em 2015, tem operado como uma espécie de organização coletivista sem fins lucrativos, uma estrutura não convencional que, segundo ela, era necessária para seu “empreendimento em escala humana que busca um amplo benefício para a humanidade”. Altman disse ao Congresso em maio que era “essencial que uma tecnologia tão poderosa como a IA fosse desenvolvida com valores democráticos em mente”.
Depois que o conselho demitiu Altman na semana passada, dizendo que ele não tinha sido “consistentemente sincero”, mais de 700 dos 770 funcionários da OpenAI prometeram desertar a menos que o conselho renunciasse - talvez para se juntar a ele na Microsoft, o gigante da Big Tech que se ofereceu para contratá-lo para liderar uma nova equipe de pesquisa avançada de IA. Os aliados de Altman inundaram o X com mensagens de lealdade e emojis de coração nos dias que antecederam o anúncio do retorno de Altman como CEO da empresa.
Em um post no X na quarta-feira, Altman disse: “Eu amo a OpenAI e tudo o que fiz nos últimos dias foi para manter essa equipe e sua missão unidas”.
A empresa disse na quarta-feira, 22, que os diretores que apoiaram sua demissão - incluindo as duas únicas mulheres do conselho, Helen Toner e Tasha McCauley, defensoras de uma ideia do Vale do Silício conhecida como “altruísmo eficaz” - foram substituídos por dois membros da elite da tecnologia e do capital de risco americano. Nenhum deles é considerado membro da “classe rebelde”.
Bret Taylor, um executivo veterano do Google e do Facebook que, como presidente do Twitter, pressionou o conselho a aceitar a aquisição de Musk, entrará como presidente. Em uma publicação no LinkedIn no ano passado, Taylor defendeu o “entusiasmo e a inevitabilidade” da IA moderna, dizendo que ela “mudará o curso de todos os setores”.
Larry Summers, ex-secretário do Tesouro e presidente da Universidade de Harvard, que certa vez sugeriu que as mulheres buscavam matemática e ciências de alto nível com menos frequência do que os homens devido a diferenças inatas entre os sexos, é o outro novo membro do conselho. Summers disse que os comentários foram mal interpretados.
Summers é conhecido como um defensor declarado da IA, dizendo em entrevistas na TV no ano passado que o ChatGPT “substituiria o que os médicos fazem” e que a IA “poderia ser a tecnologia de uso geral mais importante desde a roda ou o fogo”. Mas alguns críticos em Washington criticaram Summers por suas recentes previsões fora do alvo em relação à inflação.
Jeff Hauser, chefe do grupo de defesa de esquerda Revolving Door Project, disse em um comunicado na quarta-feira que o papel de Summers no conselho era um sinal de que a OpenAI era “pouco séria” sobre sua supervisão e que “deveria acelerar as preocupações de que a IA será ruim para todos, exceto para os mais ricos e oportunistas entre nós”. Summers não respondeu aos pedidos de comentário.
O setor de tecnologia americano há muito tempo reverencia sua lista de fundadores e visionários: Mark Zuckerberg, da Meta; Larry Page e Sergey Brin, do Google; Steve Jobs e Tim Cook, da Apple. Mas enquanto as outras empresas vendiam telefones e mecanismos de busca, Musk e Altman defendiam seu trabalho como uma missão pública para proteger a humanidade, com um negócio com fins lucrativos associado. É notável o fato de que, como empresas privadas, elas não precisam prestar contas aos órgãos reguladores federais nem aos acionistas, que podem votar contra as propostas ou se opor ao seu trabalho.
Altman e Musk não são os únicos no Vale do Silício a afirmar que suas empresas são motivadas por uma missão e não por ego e lucros. Kyle Vogt, ex-diretor da empresa de veículos autônomos Cruise, disse ao The Washington Post que seus veículos sem motorista acabariam por levar a estradas mais seguras e descartou qualquer crítica a seus carros como “sensacionalismo”, apesar de vários episódios de desordem nas ruas de São Francisco (EUA).
Vogt pediu demissão neste fim de semana, menos de um mês depois que a Califórnia revogou a licença de operação da Cruise e toda a sua frota nacional foi recolhida, após um incidente em que um dos carros atropelou um pedestre.
Marketing
A narrativa corporativa que promove a tecnologia como uma força para a harmonia pública provou ser uma das grandes ferramentas de marketing do Vale do Silício, diz Margaret O’Mara, professora da Universidade de Washington que estuda a história da tecnologia. Mas isso também obscureceu os perigos de centralizar o poder e submetê-lo aos caprichos pessoais dos líderes.
“O Vale do Silício adotou durante anos essa mensagem e esse clima de transparência e abertura radicais - lembra-se do lema do Google “Não seja mau”? - e essa ideia de um capitalismo mais amável e gentil que vai mudar o mundo para melhor”, disse ela.
“Então você tem esses momentos de ajuste de contas e se lembra: é o capitalismo. Alguns bilionários da tecnologia perderam e outros estão ganhando”, acrescentou. “Essas são pessoas do setor privado que ganham dinheiro com algo que tem uma função pública. E quando eles dão uma guinada por causa de decisões muito pessoais e muito individuais, em que um punhado de pessoas está moldando a trajetória dessas empresas, talvez até mesmo a existência dessas empresas, isso é algo novo com o qual todos nós temos que lidar.”
O fracasso do Congresso em aprovar regulamentações amplas sobre IA só contribuiu para os riscos. O deputado Ro Khanna, que representa partes do Vale do Silício, disse em uma entrevista que a turbulência da OpenAI ressalta a preocupação de que “algumas pessoas, por mais talentosas que sejam, por mais conhecedoras que sejam, não podem estabelecer as regras para uma sociedade em uma tecnologia que terá consequências tão profundas”.
Musk e Altman compartilham o gosto pelos holofotes. Depois de processar o grupo de defesa liberal Media Matters por um relatório que mostrava como os anúncios no X às vezes apareciam ao lado de conteúdo pró-nazista, Musk publicou na terça-feira, 21, uma mensagem, sob uma foto dele segurando uma katana, dizendo: “Há um grande cemitério cheio de meus inimigos. Não quero aumentá-lo, mas o farei se não tiver escolha”.
Na quarta-feira, 22, uma conta oficial do X postou um relatório separado sobre desinformação do X feito pela NewsGuard, uma agência de verificação de fatos, e alertou as organizações de notícias para que não levassem as descobertas ao pé da letra.
Altman também parecia celebrar à medida que a rebelião contra a diretoria da OpenAI crescia. No domingo, 19, quando se reuniu com os membros da diretoria no escritório da empresa sobre um possível retorno, ele postou uma selfie no X em que segurava um crachá de visitante da OpenAI. “Primeira e última vez que uso um desses”, escreveu ele na postagem, que foi curtida mais de 100 mil vezes.
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