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OpenAI: dona do ChatGPT quer ser ‘anti-Google’, mas teve que se espelhar no rival

Empresa nasceu sem fins lucrativos, mas precisou se ajustar para desenvolver inteligência artificial

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Foto do author Bruno Romani
Atualização:

São raras as vezes em que uma empresa de tecnologia consegue deixar uma marca na história. Aconteceu quando a Apple apresentou o iPhone ou quando a Microsoft lançou o Windows. Desde novembro, esse seleto grupo tem um novo nome: a startup americana OpenAI. Nascida como uma espécie de “anti-Google”, a companhia por trás do ChatGPT precisou ficar mais parecida com os rivais para virar a grande sensação da inteligência artificial (IA).

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Embora tenha surgido no radar de muita gente apenas agora, a OpenAI é um nome acompanhado de perto por especialistas e pesquisadores da área. A companhia nasceu em 2015 com um propósito bastante nobre: evitar que um sistema de inteligência artificial geral (AGI, na sigla em inglês) fosse desenvolvido e controlado por uma única corporação. O temor se justifica, pois uma AGI é um sistema de IA com “capacidade humana”, algo que costuma ser retratado das formas mais distópicas na ficção - mas que, hoje, está longe de ser realidade.

“Em 2015, as técnicas de IA, chamadas de aprendizado profundo, estavam explodindo e havia preocupação com armas guiadas de forma autônoma. E a OpenAI surgiu com a proposta de ser ‘amigável’, preocupada com o ser humano”, diz Fábio Cozman, diretor do Centro para Inteligência Artificial (C4AI) da Universidade de São Paulo (USP). “A qualidade das pessoas e o nome dos investidores envolvidos chamavam a atenção”, diz.

De fato, os nomes por trás da organização formam uma escalação de “jogos das estrelas” do Vale do Silício. Os dois fundadores são o bilionário Elon Musk e Sam Altman, que na época comandava a Y Combinator (YC), principal aceleradora de startups do mundo. Entre os primeiros investidores estão Peter Thiel, cofundador do PayPal e um dos principais nomes do investimento de risco dos EUA, e Reid Hoffman, cofundador do LinkedIn. Também transferiram recursos Greg Brockman (diretor de tecnologia da fintech Stripe), Adam D’Angelo (fundador do site de perguntas e respostas Quora), Shivon Zilis (diretora de projetos da Neuralink, de Elon Musk) e Vinod Khosla (cofundador da Sun Microsystems).

Na época, os envolvidos prometeram colocar US$ 1 bilhão na OpenAI, que surgiu como uma organização sem fins lucrativos. O propósito era desenvolver sistemas poderosos de IA de forma ética, responsável e transparente, e disponibilizá-la publicamente (algo impensável para outros gigantes da tecnologia) - ou seja, a ideia era “democratizar a tecnologia”. A missão e o dinheiro inicial ajudaram a OpenAI trazer como cientista-chefe Ilya Sutskever, ex-Google e um dos principais nomes do mundo no desenvolvimento de IA.

Foi também uma resposta à movimentação do Google no campo da IA. Um ano antes da fundação da OpenAI, o gigante das buscas comprou por US$ 500 milhões a DeepMind, startup britânica candidata a desenvolver uma AGI - o trabalho da companhia, por exemplo, resultou no Alphafold, sistema capaz de prever as estruturas de todas as proteínas existentes na natureza.

O negócio tocou em um dos grandes temores de Altman, que hoje é o CEO da OpenAI. Em 2016, ele disse à revista New Yorker que tinha dois medos: pandemias causadas por vírus sintetizados em laboratórios e ataques por IA que resultassem em catástrofe nuclear. “Tento não pensar muito a respeito, mas tenho armas, ouro, iodeto de potássio, antibióticos, baterias, máscaras de gás da Força de Defesa Israelense e um grande pedaço de terra para onde posso fugir”, disse ele à reportagem.

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Sam Altman, da OpenAI, temia um futuro distópico causado por inteligência artificial  Foto: Stephen Brashear/ AP

Inteligência artificial se alimenta de dinheiro

Com Brockman como CEO e Musk fora (o bilionário deixou a OpenAI em 2018, citando conflitos de interesse entre a OpenAI e suas companhias Tesla e SpaceX), a organização seguiu fazendo avanços em IA. “A OpenAI é revolucionária em diversas áreas, como as técnicas de aprendizado por reforço. Eu uso as APIs deles há alguns anos”, conta Reinaldo Bianchi, professor do Centro Universitário da FEI.

“A OpenAI era uma fundação para avançar a tecnologia e não tinham um produto monetizável como o Facebook e o Google”, lembra Bianchi. Isso começou a pesar contra a organização, que passou a enfrentar desconfianças sobre a clareza dos seus objetivos. Logo, a OpenAI descobriu que o desenvolvimento de IA se alimenta mais do que uma missão nobre: é necessário muito dinheiro, bem além do primeiro US$ 1 bilhão investido. Em 2019, Altman expressou isso para a revista Wired. “A quantidade de dinheiro que precisamos para ter sucesso em nossa missão é muito mais gigante do que eu pensava”, disse.

A OpenAI era uma fundação para avançar a tecnologia e não tinham um produto monetizável como o Facebook e o Google

Reinaldo Bianchi, professor do Centro Universitário da FEI

No mesmo ano, a OpenAI criou um braço for profit (ou seja, que visa ao lucro) e nomeou Altman, na época com 34 anos, como CEO. A escolha fazia sentido: como membro da YC, o americano viu e ajudou diversas startups a encontrarem seus modelos de negócios e avançarem - passaram pela YC nomes como Airbnb, Stripe, Reddit, Dropbox e Twitch. Ou seja, a OpenAI teria que ficar mais parecida com os seus rivais, como o Google, e buscar formas de tornar suas pesquisas em uma sólida fonte de receita.

Na sequência, a OpenAI fechou um primeiro investimento com a Microsoft - publicamente, falava-se em US$ 1 bilhão, mas a Fortune afirma que foram US$ 3 bilhões. No começo deste ano, após o sucesso do ChatGPT, as partes acertaram um acordo ainda maior: outros US$ 10 bilhões.

Na guinada comercial, criou-se também uma estrutura complexa, na qual todos os lucros são direcionados aos investidores até que o valor inicial - e posteriormente o pagamento do investimento - sejam quitados. A Microsoft tem direito a US$ 92 bilhões, enquanto os outros têm direito a US$ 150 bilhões. Em 2021, a OpenAI recebeu investimentos de alguns dos gigantes do capital de risco focados em tecnologia: Tiger Global, Sequoia Capital e Andreessen Horowitz.

Apenas na fase final, o braço não lucrativo da OpenAI passa a controlar o dinheiro.

As contas da companhia mostram como os bolsos de investidores eram necessários. Ainda segundo a Fortune, a OpenAI projetava receita de US$ 30 milhões e prejuízo de US$$ 544,5 milhões em 2022. Só em computação e dados, fundamentais para o funcionamento do ChatGPT, o custo foi de US$ 416,45 milhões - outros US$ 89,31 milhões foram direcionados para Recursos Humanos, enquanto outros gastos operacionais consumiram US$ 38,75 milhões.

Guinada comercial

Com o novo manto comercial, os rumos internos da companhia também mudaram. A reportagem da Fortune conta que a cobrança aos 300 funcionários passou a ser também por produtos que possam virar fonte de receita. E o foco passou a ser em modelos de linguagem ampla (LLM, na sigla em inglês), tecnologia que está por trás do ChatGPT e que já era visada pelo seu alto grau de aplicação comercial. Em 2020, a OpenAI lançou o GPT-3 (o LLM “cérebro” do ChatGPT) e, em abril do ano passado, foi disponibilizado o DALL-E 2 (IA que gera imagens a partir de comandos de texto).

Publicamente, a estratégia também foi romper a bolha dos especialistas em IA. O ChatGPT foi criado como solução para tornar mais fácil a manipulação do GPT-3. Além disso, as ferramentas foram disponibilizadas para um grande público, movimento que gerou críticas. Dadas as possibilidades dessas IAs percorrerem um caminho de viés, plágio, desinformação e falta de transparência, o movimento da OpenAI é tratado como irresponsável por alguns especialistas e rivais - é a jogada agressiva que Altman parecia temer de Google, quando fundou a startup.

Inteligência artificial da DeepMind derrotou humanos no jogo AlphaGo em 2016; compra da startup pelo Google motivou a criação da OpenAI  Foto: Son Hyung-ju/Reuters

Além disso, o sucesso do ChatGPT, aumentou os temores sobre como a tecnologia vai mudar o mercado de trabalho, incluindo diversas profissões ligadas ao Ensino Superior - o controle do mundo pela IA talvez tenha chegado de maneira mais sútil do que Altman imaginava em 2016.

À New Yorker, ele disse sobre a evolução da IA: “Eu estou no time dos humanos. Eu não tenho uma boa razão lógica para estar triste, exceto pelo fato de que a classe de coisas nas quais os humanos são melhores continua a encolher… Melancolia é uma palavra melhor do que ‘triste’”.

Eu não tenho uma boa razão lógica para estar triste, exceto pelo fato de que a classe de coisas nas quais os humanos são melhores continua a encolher… Melancolia é uma palavra melhor do que ‘triste’

Sam Altaman, CEO da OpenAI, para a revista New Yorker em 2016

Resta saber se ele ainda se sente desta maneira depois de ver a OpenAI virar candidata a nova gigante da tecnologia. A companhia deve lançar ainda neste ano um sistema capaz de gerar vídeos a partir de comandos de texto. E a nova versão do GPT também é aguardada, o que deve tornar o ChatGPT em uma ferramenta ainda mais poderosa. Além disso, a tecnologia da startup deve passar por uma integração profunda com os produtos da Microsoft, começando pelo buscador Bing.

Se o plano de Altman de dominação em IA se concretizar, a OpenAI terá que liderar as discussões para não deixar apenas uma marca na tecnologia, mas também no mundo de forma mais ampla. Em 2016, o executivo afirmou à New Yorker sobre o impacto econômico da IA: “Teremos riqueza ilimitada e uma grande quantidade de perda de postos de trabalho, então (um programa de) renda básica faz sentido. Isso vai liberar aquele indivíduo no meio de um milhão capaz de criar a próxima Apple”.

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