Políticas de diversidade estão sob ataque na Apple e a empresa tenta defendê-las; entenda

Continuidade de políticas de inclusão da empresa serão votadas pelos acionistas no fim de fevereiro

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Por João Pedro Adania
Atualização:

O recuo quanto a políticas de diversidade e inclusão virou tendência entre grandes empresas do Vale no Silício, como Meta e Amazon. A Apple, no entanto, defendeu publicamente a posição de manter essas práticas.

A posição da fabricante do iPhone foi divulgada em documento enviado a investidores, no qual recomenda a seus acionistas que votem na próxima assembleia, prevista para 25 de fevereiro, contra a proposta de eliminação dos programas de inclusão e diversidade. O documento aparece no site da gigante.

Segundo a empresa comandada por Tim Cook, a orientação de ir contra a proposta se baseia na capacidade da Apple em gerenciar seus próprios negócios Foto: Indranil Aditya/WashingtonPost

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Programas de diversidade e inclusão são um conjunto de medidas feitas para fazer com que pessoas de todos os contextos – independente de etnia, classe, sexualidade e gênero – se sintam apoiadas e incluídas no local de trabalho.

A orientação de ir contra a proposta se baseia na capacidade da Apple em gerenciar seus próprios negócios, afirma o conselho - que incluí o CEO Tim Cook - da empresa . “A proposta é desnecessária, pois a Apple já possui um programa de conformidade bem estabelecido, e a proposta tenta, de maneira inadequada, restringir a capacidade da Apple de gerenciar suas operações empresariais ordinárias, equipes e estratégias de negócios”. No documento a liderança da empresa diz que segue a lei e cumpre os regulamentos de não discriminação. Ainda diz que seu comitê de auditoria supervisiona os riscos legais e comerciais dos programas de inclusão.

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Embora não tenha sido citado nominalmente, um investidor foi alvo da resposta da companhia. O National Center for Public Policy Research (NCPPR) é um grupo conservador que usou seu direito de acionista para apresentar a proposta de interromper os programas.

Esse grupo é conhecido por pressionar grandes empresas americanas contra políticas consideradas progressistas. O principal argumento do NCPPR é que os programas de inclusão e diversidade expõe a companhia a riscos legais e financeiros após a decisão da Suprema Corte contra ações afirmativas em 2023.

Em junho daquele ano, a Suprema Corte dos EUA restringiu a adoção de cotas raciais em universidades publicas e privadas do país. Especialistas afirmaram na época que a medida também implicaria em restrições de mesma natureza no mundo corporativo.

Grande e articulado, o think tank já tentou ações parecidas no Bank of America e na Johnson & Johnson, o que consolidou uma prática que combina ativismo conservador com pressão corporativa.

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Discussões sobre como aumentar a diversidade, em particular raça, ganharam destaque global em 2020, quando um policial americano assassinou George Floyd e levou as empresas a definiram suas próprias políticas em meio a protestos.

Desde então, o conceito foi atacado por políticos de direita como Donald Trump, que se comprometeu a encerrar programas do tipo no governo e no setor privado.

Em busca de aproximação com o novo presidente, que toma posse no dia 20 de janeiro, diversas Big Techs já alinharam se alinharam com o republicano. Na semana passada, a Meta comunicou a descontinuidade dos programas imediatamente. “O cenário legal e político em torno dos esforços de diversidade, equidade e inclusão nos EUA está mudando”, afirmou em um documento interno Janelle Gale, vice-presidente de recursos humanos da proprietária do Facebook.

Ao mesmo tempo que a Meta também fez referência as decisões recentes da Suprema Corte, ela anunciou mudanças nas políticas de moderação de conteúdo e checagem de informações falsas ou enganosas para “voltar às nossas raízes em busca da livre expressão”.

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Outra companhia a recuar em programas de diversidade foi a Amazon, que anunciou o encerramento de seus programas. Na sexta-feira, dia 10, um memorando que dizia “encerrando programas e materiais desatualizados” circulou pela empresa de Jeff Bezos.

Outra companhia a recuar em D&I foi a Amazon, que anunciou o encerramento de seus programas de diversidade  Foto: David Ryder/AFP

A medida também extrapolou o setor da tecnologia. O McDonald’s disse na semana passada que metas de diversidade para sua liderança e fornecedores seriam revistas e citou a decisão da Suprema Corte. A empresa introduziu as metas – que incluíam ter 45% de líderes mulheres e 35% da liderança global de grupos “sub-representado” – em 2021 após alegações de discriminação e assédio sexual.

O maior varejista do mundo Walmart, em novembro, parou de usar os termos “diversidade e inclusão” e abandonou o treinamento focado nesse grupo. Ainda anunciou que não vai mais considerar raça ou gênero na hora de escolher fornecedores ou assinar contratos. Todas essas medidas foram tomadas após conservadores ameaçarem boicotar a empresa.

Também sinalizaram deixar de lado questões de diversidade, supostamente alinhadas a políticas progressistas, os seis maiores bancos do mundo – JP Morgan, Citigroup, Bank of America, Morgan Stanley, Wells Fargo e Goldman Sachs – que deixaram em dezembro aliança bancária net zero bancada pela ONU, que se comprometia a zerar emissões de gases de efeito estufa.

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A American Civil Liberties Union (ACLU), uma ONG americana cuja missão é “defender e preservar os direitos e liberdades individuais garantidas a cada pessoa neste país pela Constituição e Leis dos Estados Unidos” disse que tomará medidas legais para prevenir o que descreve como “recuo da segunda administração Trump da aplicação de direitos civis e ataques a esforços para promover a justiça racial”.

“Embora a maior parte do país apoie esforços para abordar a desigualdade racial, Trump promete erradicar muitos desses esforços e, assim, piorar as disparidades raciais”, disse a ACLU antes da eleição em novembro.

Por que a Apple se posicionou contra as ofensivas conservadoras?

Em uma defesa mais enfática dos seus programas, a Apple disse ter reafirmado seu compromisso como “empregadora de oportunidades iguais que não discrimina em recrutamento, contratação, treinamento ou promoção em qualquer base protegida por lei”.

A principal liderança da companhia, Tim Cook, se tornou o primeiro CEO assumidamente gay de uma marca Fortune 500 e ampliou as iniciativas de inclusão. Entre 2014 e 2023, dobrou o número de funcionários de grupos “sub-representados” e estabeleceu parcerias com universidades de tradição negra e instituições voltadas para minorias.

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A principal liderança da companhia, Tim Cook, se tornou o primeiro CEO assumidamente gay de uma marca Fortune 500 e ampliou as iniciativas de inclusão Foto: Alberto Pezzali/AP

Durante os protestos do Black Lives Matter, em 2020, se comprometeu a destinar US$ 100 milhões a iniciativas de equidade racial, o que incluía a criação de uma escola de desenvolvedores em Detroit e um centro de inovação em Atlanta, ambos focado na comunidade negra.

A maior iniciativa de inclusão e diversidade da Apple é o Diversity Network Associations (DNA), que já conta com 55 mil membros divididos em 67 grupos ao redor do mundo.

O futuro da companhia, no entanto, ainda depende da votação de 25 de fevereiro, onde a assembleia vai indicar a fim ou não dos programas de inclusão. É esperado que a decisão seja um termômetro de outras empresas globais quanto essas políticas.

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