O presidente suspenso da Cambridge Analytica, Alexander Nix, disse em um vídeo secretamente gravado e divulgado nesta terça-feira, 20, que a campanha online de sua consultoria política baseada no Reino Unido desempenhou um papel decisivo na vitória do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na eleição de 2016.
Seus comentários, que não puderam ser verificados, são potencialmente um problema ainda maior para o Facebook, à medida que a empresa enfrenta o escrutínio de parlamentares nos EUA e Europa sobre o uso indevido da Cambridge Analytica de dados pessoais de 50 milhões de usuários da rede social. Ontem, até mesmo Brian Acton, cofundador do WhatsApp -- que foi vendido ao Facebook em 2014 por US$ 16 bilhões -- chegou a tuitar sugerindo que os usuários deletassem o Facebook, em resposta ao escândalo. "Está na hora", escreveu.
Nesta terça, as ações do Facebook caíram pelo segundo dia, fechando em queda de 2,5% a US$ 168,15, com investidores preocupados de que a sua relação com a Cambridge Analytica possa danificar sua reputação, dissuadir anunciantes e abrir espaço para regulações restritivas. A companhia perdeu quase US$ 50 bilhões de seu valor de mercado ao longo dos últimos dois dias. Nesta quarta-feira, 21, as ações do Facebook abriram o pregão em queda de 1,80%, sendo negociadas a US$ 165,41.
A Cambridge Analytica disse nesta terça-feira que seu conselho de diretores suspendeu o presidente Alexander Nix, logo após a exibição da segunda parte do programa do canal britânico Channel 4 sobre os métodos da empresa. No programa, Nix se vangloria de ter encontrado Trump “muitas vezes” quando ele era o candidato republicano à presidência.
Os comentários de Nix “não representam os valores ou operações da empresa e sua suspensão reflete a seriedade com que vemos essa violação”, disse a Cambridge Analytica em comunicado publicado nesta terça-feira.
Parlamentares dos EUA e Europa exigiram uma explicação de como a consultoria obteve acesso aos dados e por que o Facebook falhou em informar aos seus usuários, levantando questões mais amplas da indústria sobre privacidade do consumidor e se há regulação mais rígida no horizonte. Ontem, um comitê do Parlamento britânico convocou o presidente do Facebook, Mark Zuckerberg, nominalmente a dar explicações sobre o uso indevido dos dados pessoais dos usuários. Além disso, o órgão regulador do comércio nos EUA (FTC, na sigla em inglês) também iniciou investigação sobre o caso.
O escândalo teve efeitos inesperados até mesmo no Brasil, onde a Cambridge Analytica planejava começar a operar neste ano em parceria com o publicitário André Torreta, com a criação da Ponte CA. A empresa, que foi constituída no mês passado, porém, anunciou o fim da parceria com a companhia britânica. A nova empresa tinha interesse em explorar o mercado de marketing político no País, na primeira eleição que vai permitir o uso de impulsionamento de publicações em redes sociais como parte das campanhas políticas.
Parceiro. O pesquisador da Universidade de Cambridge, Aleksandr Kogan, que desenvolveu o aplicativo que coletou as informações de cerca de 50 milhões de usuários do Facebook e as vendeu à Cambridge Analytica também falou pela primeira vez sobre seu envolvimento no caso à emissora de TV americana CNN. "Eu não sabia quais eram as intenções da Cambridge Analytica", afirmou Kogan, durante a entrevista. "Eu estava isolado na época e só soube de Trump como todo mundo, pela televisão."
O pesquisador explicou que foi abordado pela Cambridge Analytica para prestar serviços de consultoria e que Christopher Wylie, que expôs o esquema de uso ilegal de dados, o ajudou a criar sua empresa Global Science Research, para fazer o trabalho à pedido da Cambridge Analytica. "Eu sou um pesquisador, não sei nada sobre empresas. Eles me mostraram os termos de uso que seriam usados e falaram que estava adequado às boas práticas do mercado", diz Kogan. "Eu sabia que os dados seriam usados para fins políticos, mas nada além disso."
Entenda o caso. A empresa de análise de dados Cambridge Analytica colheu informações privadas de mais de 50 milhões de usuários do Facebook, em um esforço para beneficiar a campanha eleitoral do presidente americano, Donald Trump, em 2016, de acordo com reportagens publicadas pelos jornais The New York Times e The Observer, de Londres, no último sábado.
A empresa britânica de inteligência digital coleta e relaciona dados para ações de marketing digital feitas por companhias e políticos. No caso em questão, ela usou o método para desenvolver ações para influenciar o cenário político americano e favorecer Trump.
Atingir o objetivo só foi possível graças a uma parceria com outra empresa, a também britânica Global Science Research, liderada por Aleksandr Kogan, pesquisador da Universidade de Cambridge. Ele criou um quiz online, chamado This is your digital life (Esta é sua vida digital), que exigia que as pessoas conectassem sua conta do Facebook para ser acessado. Isso permitiu que o quiz de Kogan obtivesse informações pessoais dos usuários da rede social e de seus amigos.
Os dados obtidos por meio do teste foram vendidos pela Global Science à Cambridge Analytica, numa clara violação aos termos de uso do Facebook. Isso permitiu que a empresa de inteligência cruzasse dados com outras fontes e chegasse a um perfil preciso das pessoas, usado para enviar mensagens direcionadas – incluindo notícias falsas – para influenciar votos.
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