Implementar uma ‘megaconstelação’ de milhares de satélites é o plano da SpaceSail, uma empresa controlada pelo governo chinês que tem o objetivo de fornecer internet global de alta velocidade, proposta similar à Starlink, de Elon Musk. A tal constelação tem nome: Qianfan (ou mil velas, em tradução livre).
Funciona assim: satélites são posicionados em órbita baixa (LEO) de modo a operar em altitudes entre 300 km e 2 mil quilômetros da superfície da terrestre. Por isso, conseguem fornecer internet de alta velocidade e baixa latência, além de abranger locais inacessíveis por meio terrestre.
Com robusto investimento do governo em tecnologia aeroespacial, a estatal – subsidiaria da Shanghai Spacecom Satellite Technology (SSST) – recebeu aporte de US$ 933 milhões (cerca de R$ 5,6 bilhões). Ela também não esconde a ambição de oferecer cobertura global de internet até 2027 e possuir uma frota de 14 mil satélites em órbita na Terra antes da próxima década.
O cronograma, porém, está longe do combinado, os chineses previam ter 600 satélites até o fim de 2024. A companhia enviou três cargas para a órbita da Terra e ao todo soma 54 satélites em funcionamento. Os dois primeiros foguetes levaram 18 satélites cada um, entre agosto e outubro.
A decolagem mais recente aconteceu em 5 de dezembro, quando um LongMarch6A partiu do Centro de Satélites de Taiyuan, província de Xanxim, no norte da China.
No entanto, a estreia da SpaceSail teve sabor agridoce: o primeiro foguete explodiu após liberar os dispositivos na órbita. O acidente, alardeado pelo Comando Espacial dos Estados Unidos, causou uma nuvem de lixo espacial. Na ocasião, cerca de 700 detritos foram identificados pela consultoria Leolabs, nos quais apenas os maiores que 10 centímetros de diâmetro podem ser monitorados. Uma segunda empresa de monitoramento de satélites e soluções, a Slingshot, divulgou fotos da explosão e se comprometeu a monitorar 50 pedaços de detritos que representam perigo significativo para outros satélites.
O contexto em que o plano de internet global chinês começou não podia ser mais desafiador: a SpaceX lidera esse mercado com quase 7 mil satélites em órbita e permissão regulatória para lançar outros 12 mil nos próximos anos. Além disso, a empresa de Musk registrou um pedido no International Telecommunication Union (ITU) que aumenta essa carga para mais 30 mil satélites. Ou seja, ela pode ter 42 mil novos dispositivos ao redor do planeta.
Como a SpaceSail pode mudar a telecomunicação?
Quando um novo player entra para valer na competição, o consumidor sempre tende a sair na vantagem. O preço fala mais alto na hora de comparar serviços parecidos, e concorrente é o que não falta no cenário de telecomunicação.
“Os preços devem baixar com certeza e eu acho que eles vão começar a fazer preços diferentes em mercados diferentes”, diz Eduardo Pellanda, professor e pesquisador de Comunicação Digital da PUC – RS. “Hoje, o preço da Starlink é muito homogeneizado no mundo”. Existem três pacotes de assinatura da companhia de Musk, o mais barato garante um ponto fixo de conexão, os outros são móveis e mudam de valor conforme a necessidade.
Além de Musk e os chineses, Jeff Bezos também se interessou por uma fatia do mercado e a Amazon lançou o Projeto Kuiper – tão igual aos outros que quem começou foi um ex-funcionário da Starlink. Com serviço programado para entrar em operação em meados de 2025, a começar pela Argentina e depois avançar por Brasil, Chile, Uruguai, Peru, Equador e Colômbia.
Nova corrida espacial
A Starlink, mesmo que em posição confortável em relação às outras empresas, já começa a esgotar a capacidade em algumas regiões como o Brasil. O remédio, portanto, é lançar mais satélites.
Tanto o serviço chinês quanto a Starlink estão focadas no cliente de locais onde a internet ‘tradicional’ não chega. “Essas constelações são focadas em áreas remotas e rurais, onde a infraestrutura terrestre não chega, oferecendo conectividade de internet onde não há alternativa”, diz Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco. “Ela não tem capacidade para substituir a rede de internet urbana já instalada. É como se fosse uma antena de celular, tem uma capacidade para atender no máximo mil ou duas mil pessoas”.
Foi com esse pensamento que a SpaceSail testou seu modelo de negócio. Os primeiros a se conectarem à rede foram os habitantes do interior rural da China, onde cerca de 300 milhões de pessoas não têm acesso regular à internet.
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De agricultores a soldados, além de feitos científicos e a boa vontade em levar conexão em áreas inacessíveis, as redes via satélite já provaram a sua eficiência em siuações extremas, como guerras. A Starlink garantiu conexão rápida aos combatentes ucranianos em meio à guerra contra a Rússia, o que motivou a SpaceX a criar uma divisão dedicada a assuntos militares, a Starshield. A China, por óbvio, sabe disso e quer emular o feito em seu território.
No Brasil, um acordo assinado em novembro pelo governo e a SpaceSail autoriza o posicionamento de satélites para fornecer a rede em território nacional, da mesma forma que a Telebrás e a estatal chinesa vão compartilhar informações sobre demandas futuras de mercado.
Essas empresas, portanto, são fundamentais no xadrez geopolítico dos países. Além da China, a companhia de Musk é proibida de operar, no Irã e na Rússia. “A Qianfan não entra nos Estados Unidos por causa dessa questão geopolítica”, diz Tude.
A Qianfan – às vezes chamada de “G60 Starlink” em referência a uma estrada no sul da China onde militares projetam construir um hub de empresas espaciais – não é a única a lançar satélites para o espaço. Em 2020, a constelação Guowang por meio de um documento enviado para a União Internacional de Telecomunicações indicou comportar 13 mil satélites em um único projeto.
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