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Shein é acusada de roubo de propriedade intelectual via ‘algoritmo secreto’; veja fotos

Tecnologias de inteligência artificial da gigante varejista teriam criado cópias exatas de designs protegidos por direitos autorais

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Atualização:

A Shein está sendo processada nos EUA por conta de suas ferramentas de inteligência artificial (IA) responsáveis por captar tendências do mundo da moda. Na última semana, três artistas norte-americanos entraram com uma ação contra a gigante de comércio eletrônico, acusando-a de “roubo sistemático e em grande escala de propriedade intelectual” por meio de um “algoritmo secreto”.

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Na ação movida por Krista Perry, Larissa Martinez e Jay Baron, as tecnologias teriam criado cópias exatas de designs protegidos por direitos autorais, um mecanismo que seria “parte integrante do processo de ‘design’ e DNA organizacional” da empresa. Isso, segundo a denúncia, equivale a uma violação da Lei das Organizações Corruptas e Influenciadas pelo Crime Organizado (ou RICO, na sigla em inglês), dos Estados Unidos.

“A Shein ganhou bilhões de dólares criando um algoritmo secreto que determina surpreendentemente as tendências emergentes da moda – e associando-o a uma estrutura corporativa, incluindo esquemas de produção e atendimento, que são perfeitamente executados para fazer girar as rodas do algoritmo, incluindo seus aspectos desagradáveis e ilegais”, afirmam os artistas no processo movido em um tribunal da Califórnia.

“Esse algoritmo não poderia funcionar sem gerar os tipos de cópias exatas que podem prejudicar muito a carreira de um designer independente,” diz a denúncia.

Procurada pelo Estadão, a Shein disse “levar muito a sério todas as alegações de infração” e que “toma medidas assertivas quando são apresentadas queixas por titulares de direitos de propriedade intelectual válidos”. “Nos defenderemos vigorosamente contra esta ação judicial e quaisquer reclamações que não tenham mérito.”

A queixa é amparada por provas visuais. O design “Trying My Best” (dando meu melhor, em tradução livre), de Jay Baron, teria sido replicado integralmente pela Shein e, depois, vendido por US$ 2,20, ou R$ 10,50 na atual cotação. A peça é patenteada, e a própria frase é uma marca comercial registrada pelo artista. Já Krista Perry viu a obra “Make It Fun” (algo como “torne divertido”, em português) sendo vendida por US$ 3 (R$ 14,40).

“A inteligência artificial da Shein é inteligente o suficiente para se apropriar indevidamente das peças com maior potencial comercial”, afirmam os artistas no processo. Os produtos foram retirados da plataforma após a repercussão do caso.

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À esquerda, "Trying My Best", trabalho original de Jay Baron; à direita, produto vendido pela Shein Foto: Jay Baron/Reprodução
Artistas acusam Shein de roubo de propriedade intelectual via algoritmos. À esquerda, trabalho original de Krista Perry; à direita, o vendido pela empresa chinesa. Foto: Krista Perry/Reprodução

“Alta tecnologia, não alta moda”

Guardadas a sete chaves, as ferramentas de IA da Shein são um verdadeiro tesouro de mercado, segundo especialistas consultados pelo Estadão. “Costumo dizer que ela é uma Zara com algoritmo”, afirma Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, consultoria empresarial de estratégia de varejo e transformação.

“A Shein tem um modelo muito inovador de negócios, no sentido de conseguir identificar tendências a partir de dados estruturados e não estruturados, vindos de redes sociais, e traduzi-los em input de produto.”

A eficiência é tamanha que são mais de 2 mil novos produtos adicionados por dia na plataforma. Segundo o especialista, isso tem forçado outras empresas do setor a mergulhar em capacidade analítica e algorítmica para fazer frente à gigante chinesa. “A Shein está obrigando a indústria a se tornar muito mais intensiva em tecnologia”, resume.

É a mesma percepção dos artistas que a denunciaram nos Estados Unidos. No processo, Perry, Martinez e Baron dizem que não há uma Coco Chanel ou um Yves Saint Laurent por trás do império da Shein, mas um “misterioso gênio da tecnologia” chamado Xu Yangtian, ou Chris Xu, fundador da varejista. De acordo com os denunciantes, ele transformou a Shein “na maior empresa de vestuário do mundo por meio da alta tecnologia, não da alta moda”.

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É verdade: em 2022, a Shein foi avaliada em mais de US$ 100 bilhões em valor de mercado, superando as concorrentes H&M e Zara somadas. O dado a posiciona entre as três maiores startups do mundo, depois da ByteDance, dona do TikTok, e da SpaceX, de Elon Musk. Mas, da mesma forma que a tecnologia é a responsável pela posição de prestígio entre as maiores empresas do mundo, ninguém sabe como os algoritmos de fato funcionam.

“É um diferencial competitivo muito importante, então o sigilo sobre o código é bastante natural”, diz André Miceli, coordenador acadêmico do MBA de Marketing e Negócios Digitais da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Isso não impede, porém, que se especule como ele funciona. Para o especialista, o algoritmo trabalha com análise preditiva. “As ferramentas provavelmente trabalham com grupos de indivíduos, os chamados ‘clusters’, e analisam o que cada um deles mais gosta de consumir para que se criem novas soluções alinhadas a esses gostos”, diz.

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Com esses dados em mãos, as ferramentas de tecnologia conseguem prever o que esses “clusters” poderão gostar depois. É um processo baseado em recompra, segundo Miceli – o pilar do “ultra-fast fashion”.

“São peças que não são feitas para durar anos. O consumidor vai voltar ali para comprar, e a Shein entende bem qual é a melhor oferta seguinte para um determinado cliente que acabou de comprar um produto específico, de forma a manter aquela pessoa sempre ali.” Isso já cunhou um novo termo: “intuição artificial”, um braço das ferramentas de IA.

Na visão dos artistas denunciantes, essa intuição artificial é a responsável pela suposta cópia não-autorizada de designs patenteados. As tecnologias da Shein teriam captado tendências criadas por eles, identificado um potencial de lucratividade e, então, repassado para a própria equipe de designers, que as teria replicado a preços bem menores.

“Quando a Shein copia um designer pequeno ou independente, o resultado mais provável (sem especialistas em proteção de marca e software especializado à procura) é que a violação passará despercebida”, afirmam eles na ação.

“Nessas circunstâncias, a Shein colhe todos os benefícios de roubar e apresentar o design que sua tecnologia identificou como valioso o suficiente para aceitar: faz vendas e mantém os olhos dos clientes grudados no site e no aplicativo da Shein por muito mais tempo. E se a demanda do cliente justificar, o item é encomendado novamente e mais são vendidos (agora que a barra está limpa).”

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