Toda startup agora é uma empresa de IA, e risco de bolha cresce

Consumidor está cada vez mais desinteressado em chatbots e outros produtos de inteligência artificial

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Por Gerrit De Vynck

SAN FRANCISCO — No início deste ano, o banco de investimento UBS publicou um relatório elogiando o chatbot ChatGPT, da startup de inteligência artificial OpenAI, dizendo que a ferramenta estava a caminho de alcançar 100 milhões de usuários mensais apenas três meses após ser lançado publicamente.

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Isso superaria o aplicativo TikTok, que levou nove meses, e os dois anos e meio do Instagram para atingir o mesmo marco, escreveram os analistas. “Em 20 anos acompanhando o espaço da internet, não nos lembramos de um crescimento tão rápido em um aplicativo de internet para consumidores.”

Embora o relatório tenha iniciado uma onda de cobertura de notícias e empolgação (um alívio para uma indústria de tecnologia atribulada lutando contra uma retração), os 100 milhões eram baseados em visitas ao site, e não nos números oficiais de “usuários ativos mensais” da própria OpenAI, que teriam sido comparáveis às estatísticas do TikTok e Instagram.

Esse relatório ajudou a acender a febre da IA que dominou o Vale do Silício por quase um ano, desencadeando uma corrida ao ouro à medida que empresas como Google e Microsoft corriam para competir e lançar seus próprios chatbots. Os fundos de capital de risco investiram bilhões de dólares em startups de IA, enquanto em teleconferências nas últimas duas semanas, CEOs de tecnologia citaram a IA como uma área-chave de crescimento.

No entanto, ainda não está claro como e quando essa tecnologia se tornará realmente lucrativa — ou se algum dia será. Já existem alguns relatórios de que o uso do ChatGPT está em declínio. E a “IA generativa” é incrivelmente cara para construir e operar — desde chips especializados até poder de computação de servidores de dados e engenheiros caros.

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“Todo mundo e sua mãe” estão adicionando algum tipo de tecnologia de IA em sua startup para atrair a atenção dos investidores de risco, disse Alice Deng, cofundadora da startup de pagamentos Slope. “Estou apenas preocupada que tanto barulho chegue ao ponto de estourar essa bolha e de repente ninguém mais se importe”, disse Deng.

Ciclos de ‘hype’

O Vale do Silício viu onda após onda de ciclos de hype nas últimas décadas — com sucesso misto. A infame bolha da Era Ponto Com viu empresas se tornarem públicas e tirar centenas de milhões de dólares de investidores de varejo simplesmente por ter um “.com” em seu nome. Inúmeras empresas de mídia social lutaram pela supremacia, mas poucos se lembram de nomes como FriendFeed e Yik Yak.

Enquanto isso, bilhões de dólares foram investidos na construção de carros autônomos, mas, após anos de desenvolvimento, a tecnologia ainda não está pronta para adoção em massa, apesar das previsões de que seriam generalizadas até meados da década de 2020.

As criptomoedas tiveram seus próprios ciclos de empolgação. Mais recentemente, a bolha atingiu o pico no final de 2021, levando milhões de pessoas a perderem dinheiro.

Houve até uma onda anterior de burburinho de capital de risco em IA em meados da década de 2010, quando avanços científicos em reconhecimento de imagem, tradução e outros desenvolvimentos de IA levaram a uma explosão de startups no espaço. Muitas foram adquiridas por grandes empresas de tecnologia.

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Na última iteração, a tecnologia por trás de chatbots como o ChatGPT e o Bard, do Google, é treinada em grandes quantidades de dados extraídos da internet aberta. Isso significa grandes necessidades de energia e computação. A Nvidia, empresa que fabrica os chips de computador e software mais adequados para IA, viu sua avaliação crescer ao longo do último ano, tornando-se a sexta empresa mais valiosa do mundo, avaliada em US$ 1,1 trilhão.

Conhecida pelos veículos elétricos, montadora americana Tesla realiza testes com carros autônomos há anos, mas ainda não há data para a tecnologia chegar ao consumidor Foto: Mike Blake/Reuters - 30/5/2018

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Chatbots também divulgam informações falsas como se fossem reais, um problema que as empresas estão tentando resolver, mas alguns pesquisadores de IA dizem que pode não ser possível corrigir. Empresas de IA também foram criticadas por artistas, cineastas e músicos por usar suas obras protegidas por direitos autorais para treinar modelos de IA sem permissão ou pagamento. Um número crescente de processos judiciais busca impedir as empresas de usar dados da web aberta, uma parte fundamental do motivo pelo qual os bots funcionam tão bem.

Ondas anteriores de tecnologia voltada para o consumidor, como mídia social ou comércio eletrônico, foram viabilizadas por acesso relativamente barato à publicidade online e armazenamento em nuvem. A IA é mais cara, tornando mais difícil para as empresas terem sucesso, especialmente se ainda não descobriram seus modelos de negócios.

“No final do dia, IA é apenas software, e software caro”, disse Andrew Harrison, CEO da empresa de capital de risco Section 32. “É software de baixa margem, a menos que faça algo dez vezes melhor.”

O relatório da UBS, que citou adequadamente seus dados, gerou burburinho em parte porque as nuances se perderam nas pessoas. Gráficos comparando o ChatGPT a aplicativos bilionários como Instagram, Spotify, Uber e TikTok ricochetearam nas redes sociais.

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Repórteres começaram a incluir o número de 100 milhões nas reportagens como um fato, sem explicar de onde ele veio originalmente. Palestrantes o citavam em conferências como evidência de que a IA seria tão disruptiva para a sociedade quanto o advento da internet ou da eletricidade.

OpenAI é a empresa americana responsável por criar o ChatGPT Foto: Richard Drew/AP - 31/1/2023

A OpenAI não divulga quantas pessoas realmente usam o ChatGPT. Um porta-voz da OpenAI se recusou a comentar os números de usuários da empresa.

O Google tampouco divulgou números para o Bard nem quantas pessoas estão usando a versão de seu mecanismo de busca que responde a consultas com respostas geradas por IA. Cerca de 750 mil usuários de suas ferramentas de produtividade receberam acesso a ferramentas de IA generativa, mas a empresa não disse quantos as estão usando ativamente.

Em julho, a Microsoft anunciou preços para alguns de seus novos produtos de IA generativa, incluindo uma ferramenta que ajuda profissionais de cibersegurança a entender que tipos de invasões sua empresa pode estar enfrentando. Mas também não disse quantas pessoas estão usando as ferramentas ainda.

Porta-vozes da Google e Microsoft não retornaram os pedidos de comentários feitos pelo Washington Post.

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Salvos pela onda da IA

Nos últimos seis meses, a IA ajudou a aumentar as avaliações das empresas de Big Tech após um ano de más notícias, incluindo demissões e queda na receita de anúncios. Mas, enquanto os CEOs de tecnologia citavam repetidamente o valor da IA generativa para seus negócios durante teleconferências nas últimas duas semanas, ainda há poucos detalhes sobre como transformarão isso em um sucesso financeiro multibilionário.

Em uma ligação com analistas na semana passada, o CEO do Google, Sundar Pichai, disse que o número de clientes em nuvem da empresa que se inscreveram para usar modelos de IA generativa disponíveis em suas plataformas cresceu 15 vezes de abril a junho, mas não forneceu números exatos.

Em 2018, Pichai disse que a IA teria um impacto mais “profundo” na sociedade humana do que a descoberta do fogo. Em entrevistas, palestras e ligações este ano, ele repetidamente disse que a IA generativa é uma enorme oportunidade de negócio para a gigante da tecnologia e que está trabalhando para integrá-la em todas as linhas de produtos da empresa.

Estamos apenas começando uma maratona na corrida da inteligência artificial

Andy Jassy, CEO da Amazon

A Microsoft, que assinou um acordo multibilionário com a OpenAI para usar a tecnologia da startup em seus próprios produtos, diz que a IA generativa já está trazendo novos negócios. Mais de 11 mil empresas usaram as ferramentas da OpenAI fornecidas pela divisão de nuvem da Microsoft.

“São quase 100 novos clientes adicionados todos os dias neste trimestre”, disse o CEO Satya Nadella na semana passada em uma ligação com analistas. O número de empresas se inscrevendo para usar a ferramenta de codificação GitHub Copilot AI dobrou trimestre a trimestre, acrescentou ele.

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Na quinta-feira, o CEO da Amazon, Andy Jassy, soou uma nota de cautela durante uma teleconferência de resultados da empresa. A empresa tem se baseado principalmente em seu provedor de serviços em nuvem, Amazon Web Services, para suas incursões em IA generativa.

“Estamos apenas começando uma maratona, na minha opinião”, disse Jassy. “Acho que será transformador e acredito que transformará praticamente todas as experiências dos clientes que conhecemos. Mas acho que ainda é muito cedo. Acredito que a maioria das empresas ainda está tentando entender como deseja abordá-lo.”

(O fundador da Amazon, Jeff Bezos, é proprietário do The Washington Post. A CEO interina, Patty Stonesifer, faz parte do conselho da Amazon.)

O CEO da Apple, Tim Cook, disse em uma teleconferência em maio que “há várias questões que precisam ser resolvidas” quando se trata da tecnologia. Mas, em uma ligação na quinta-feira para discutir os resultados financeiros da empresa com analistas, ele elaborou, dizendo que a empresa já estava trabalhando em IA generativa “há anos” e que a IA era “integral para praticamente todos os produtos que construímos.” / TRADUÇÃO POR GUILHERME GUERRA

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