O cofundador e presidente executivo do Uber, Travis Kalanick, renunciou ao cargo em definitivo na noite desta terça-feira, 20. Sua saída ocorre algumas horas após membros da empresa enviarem uma carta pedindo a renúncia de Kalanick o mais rápido possível. De acordo com o jornal The New York Times, foram horas de drama entre o executivo e os principais investidores. Kalanick consultou um membro do conselho antes de anunciar sua decisão. O executivo já estava afastado temporariamente da empresa desde a semana passada, quando anunciou uma licença com prazo indeterminado.
Por meio de um comunicado, quando anunciou a renúncia, Kalanick, de 40 anos, justificou a decisão. “Eu amo a Uber mais que tudo no mundo e neste momento difícil na minha vida pessoal, aceitei o pedido dos investidores para renunciar para que a Uber possa continuar crescendo em vez de estar distraído com outro conflito”, afirmou.
Com a saída em definitivo, ainda não se sabe quem deve assumir a vaga – Arianna Huffington, que é membro do conselho administrativo do Uber, tem ampliado sua influência na empresa e pode ser um dos nomes considerados para assumir a empresa. Outros nomes, como Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook, e Marissa Mayer, ex-presidente executiva do Yahoo (recém-vendido para a operadora Verizon), também são citados por fontes próximas às negociações à imprensa internacional.
"Escolher uma mulher como presidente executiva teria um significado forte, especialmente considerando que parte dos problemas do Uber vem de uma cultura machista e do assédio sexual", diz Fabro Steibel, diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio) e professor da ESPM-RJ.
Confira, no vídeo abaixo, a conversa entre Bruno Capelas, repórter do Link, e Claudia Tozetto, editora do Link, sobre a renúncia de Travis Kalanick e o futuro do Uber:
Apesar de sua saída, Kalanick ainda terá relevância nas decisões tomadas no Uber, já que ainda é acionista majoritário da empresa e continuará ocupando uma cadeira no conselho de administração."O Uber hoje precisa de um grande administrador no cargo de presidente executivo. Alguém que pode guiar a transição organizacional e ganhar confiança do mercado, mostrando o horizonte para a empresa para evoluir serviços de mobilidade conectados", diz Martin Birkner, diretor de pesquisas do Gartner.
Além de procurar um novo presidente executivo, o Uber ainda tem dois desafios de recrutamento: procurar um diretor de operações e um diretor financeiro, cargos que estão vagos na empresa há algum tempo.
"Com a saída de Kalanick, encontrar esses postos talvez fique mais fácil: o jogo está em aberto agora, e a promessa e o modelo de negócios do Uber são bastante atraentes para talentos de liderança no mundo digital", avalia Birkner. "Ainda assim, não será uma transição fácil", diz o analista do Gartner, citando que a empresa precisa resolver questões como o seu programa de carros autônomos e a capacidade de ter um negócio sustentável sem precisar infringir a legislação trabalhista em vários países.
Para Fabro Steibel, do ITS-Rio, a situação do Uber é melhor que parece. "Eles têm uma crise de marca, mas também têm recursos financeiros e intelectuais. O Uber faz parte de um mercado que está crescendo. É muito diferente de empresas de hardware, que estão vendo seu mercado em declínio", avalia.
Segundo os analistas, a saída de Kalanick e a escolha de um futuro novo presidente executivo podem ter poucas consequências diretas para a qualidade do serviço do Uber no Brasil, no curto prazo. Para Pedro Zanni, professor da Fundação Getúlio Vargas, a reorganização da empresa é uma boa notícia para seus competidores no País, como 99 e Cabify. "Havia o risco de que o Uber avançasse em questões éticas para derrubar o 99. Com essa mudança de gestão, espera-se que o Uber seja cada vez mais alinhado a protocolos de ética, e isso vai aumentar a competição no mercado", diz o pesquisador. "Para o consumidor, é bom lembrar, competição é sempre saudável."
Na carta enviada pelos investidores a Kalanick, a missão de encontrar um diretor financeiro foi dada como extrema prioridade para o Uber. Entre os investidores que assinaram a carta, estão o fundo Round Capital, Lowercase Capital, Menlo Ventures, Fidelity Investments e Benchmark Capital.
Em sua conta no Twitter, Bill Gurley, do Benchmark, fez homenagens ao executivo. "Haverá muitas páginas nos livros de história devotadas a Travis Kalanick. Poucos empreendedores tiveram um impacto tão duradouro no mundo."
Retrospectiva. Nos últimos meses, o Uber vive uma grave crise. Desde fevereiro, a empresa conduz uma investigação interna sobre a cultura, após denúncias de casos de assédio sexual e moral dentro da companhia. Há duas semanas, mais de 20 funcionários foram demitidos. Os resultados completos da investigação também foram liberados na última semana, quando o vice-presidente de negócios – e segundo na linha de comando – Emil Michael deixou a empresa. Muito próximo a Kalanick, Michael estava no Uber desde 2013, e auxiliou a companhia em áreas como fusões e aquisições. No relatório final de Holder, entregue na última semana, era sugerido que Emil Michael saísse da empresa.
A empresa também enfrentou outros escândalos recentemente, como quando Kalanick discutiu com um motorista do serviço e foi gravado, as revelações que mostraram que o Uber usou um software para evitar a fiscalização pelo governo e a competição do rival Lyft em diversos países. Mais recentemente, há ainda o embate na Justiça com a Waymo, divisão de carros autônomos do Google, sobre um suposto roubo de tecnologia por um executivo do Uber. No Brasil, é importante lembrar, o Uber também passa por uma batalha contra motoristas na Justiça do Trabalho – as decisões divergem até aqui.
Travis fundou o Uber em 2009 e transformou a empresa -- que usa um aplicativo de carona paga para ligar motoristas e passageiros -- em um colosso do mundo dos transportes. A empresa já teve valor de mercado estimado em US$ 68 bilhões, mas, segundo analistas, os escândalos podem ter encolhido o valor de mercado da empresa para cerca de US$ 50 bilhões -- o valor de mercado não é conhecido, já que a empresa ainda não negocia ações na Bolsa de Valores. Diante de tal perspectiva de perdas, o afastamento temporário de Kalanick, anunciado na semana passada, não parece ter sido uma ação suficiente para os principais acionistas da empresa.