Com assistentes de voz, casa conectada vira realidade no Brasil em 2019

Falando português, sistemas de Amazon e Google impulsionam marcas a lançar produtos como lâmpadas e sensores a preços acessíveis

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Linha de caixas conectadas da Amazon que chegou ao Brasil Foto: Taba Benedicto/Estadão

Quase toda família tem um tio meio exibido, que adora se gabar no almoço de domingo sobre a última novidade tecnológica que comprou. Este ano, ele vai ganhar mais uma categoria de dispositivos para mostrar: objetos de casa conectada, que permitem acender uma lâmpada ou fechar uma cortina apenas com um comando de voz. A empolgação tem sua razão: ao chegarem ao Brasil falando bom português, assistentes pessoais como Amazon Alexa e Google Assistant incentivaram o lançamento de produtos como lâmpadas e câmeras inteligentes a preços acessíveis. Em 2019, a casa conectada está mais perto do que nunca de ser realidade no País. 

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A automação residencial não é algo exatamente novo. Mas, com plataformas complexas e projetos feitos sob demanda, o setor tinha alcance limitado. Das duas, uma: para ter uma casa automatizada, era preciso por a mão no bolso ou se aventurar, tal como Professor Pardal, a programar bugigangas e engenhocas. Agora, é diferente: primeiro, por conta dos assistentes chegarem ao Brasil falando português. “Em um país em que nem todos falam inglês, isso é algo importante para o mercado”, avalia Jessica Ekholm, vice-presidente de análises da consultoria Gartner. Além disso, porque as gigantes americanas estão trazendo ao Brasil as caixas de som conectadas. 

Além de tocar música e dar informações como previsão do tempo, esses dispositivos também podem integrar diferentes objetos inteligentes e fazê-los entender o que usuário quer, a partir de comandos de voz. É algo intuitivo. “A fala é a primeira forma de comunicação que temos. Também pode ser a forma mais fácil do homem interagir com a máquina”, afirma Norberto Alves Ferreira, gestor de soluções de Internet das Coisas e Inteligência Artificial do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPQD). “Estamos vivendo uma fase de experimentações e novas aplicações vão surgir.”

Por enquanto, o Google tem apenas produtos de terceiros como a JBL por aqui, mas promete para o fim do ano o lançamento do Nest Mini 2, versão “miniatura” de seu alto-falante inteligente. Já a Amazon oferece, desde o início do mês, vários modelos da linha Echo, com preços que variam de R$ 350 a R$ 700. “A caixa de som conectada é um cavalo de Troia do bem: o usuário vai levar para casa e perceber que tem outras necessidades”, diz José Roberto Muratori, presidente da Associação Brasileira de Automação Residencial (Aureside). 

Fiat lux

A chegada desses aparelhos também motivou um ecossistema de fabricantes. Com parcerias com as duas gigantes americanas, marcas como Positivo, LG, D-Link, Xiaomi e Sony trouxeram ao mercado ou lançarão até o fim do ano produtos que custam a partir de R$ 100, são fáceis de configurar e permitem ao usuário ter um “gostinho” do que já é a casa inteligente. “É um produto não só para os tecnológicos, mas para as pessoas comuns: uma lâmpada, por exemplo, custa R$ 100 e pode ser configurada em minutos, sem precisar chamar um técnico”, diz Norberto Maraschin, vice-presidente de mobilidade da Positivo. 

Não é só: também dá para ter câmeras de segurança, um sistema que unifica todos os controles remotos da casa, sensores de abertura de portas e, para quem estiver com dinheiro sobrando, até aparelhos de ar-condicionado e robôs que aspiram o pó da casa toda.

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Quem quiser “conectar” um aparelho antigo também pode: basta usar uma tomada inteligente, que pode ser ligada à rede Wi-Fi.  “Estamos ainda no começo”, afirma Ricardo Garrido, gerente geral da Alexa no Brasil. E está mesmo: lá fora, eletrodomésticos como geladeira e fogão também já estão integrados aos assistentes de voz – a Amazon, por exemplo, tem seu próprio micro-ondas da marca Alexa. 

Gerar esse ecossistema de produtos, porém, não é algo simples de se fazer – e pode dar certo aqui no Brasil por dois esforços das gigantes americanas. O primeiro é o desenvolvimento de um sistema capaz não só de entender o que o brasileiro está falando, com uso de inteligência artificial, mas também de integrar quaisquer aparelhos de forma fácil, com auxílio de padrões da indústria de tecnologia como redes Wi-Fi e Bluetooth. Essa integração torna possível, inclusive, que o usuário monitore o que acontece em sua residência à distância, por meio de um aplicativo de celular. 

Além disso, as empresas também tornam disponíveis a qualquer fabricante as bases de comandos que turbinam os aparelhos – de maneira que a indústria pode ganhar escala e criar seus próprios produtos. “Para dispositivos mais sensíveis, como câmeras de segurança, nós fazemos testes. Tirando isso, tentamos não tirar o potencial de massificação do mercado”, diz Alessandro Germano, diretor de desenvolvimento de negócios do Google para América Latina. 

Há, inclusive, objetos conectados que são compatíveis com os sistemas das duas grandes empresas. “Todas as nossas TVs têm compatibilidade com o Assistente e vão receber atualização para a Alexa”, diz Pedro Valery, responsável pela divisão de TVs da LG. “A ideia é que o usuário possa escolher qual assistente ele prefere.” 

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Faça você mesmo

Nos EUA, este é um mercado que já está bem avançado: estimativas da consultoria CIRP afirmam que há 76 milhões de caixas de som conectadas espalhadas pelo país – muitas delas, ligadas a lâmpadas e termostatos inteligentes. A cultura do “do it yourself” (faça você mesmo, em tradução literal), que impulsiona os usuários a comprar e configurar seus próprios sistemas, favoreceu o setor, segundo analistas. 

Há quem afirme que, no Brasil, esse pode ser um dos desafios da casa conectada. “O brasileiro é muito mais próximo do ‘faz pra mim’ do que do ‘faça você mesmo’”, avalia Muratori, da Aureside. “Para muita gente, vai ser melhor chamar o técnico para configurar.”  Não à toa, segundo o executivo, fabricantes de eletrodomésticos já procuraram a associação para fornecer cursos específicos sobre os assistentes a seus técnicos. Assim, quando forem montar um aparelho de ar condicionado, eles poderão também configurá-lo na rede local e com o assistente do gosto do freguês. Outro empecilho está na continuidade do uso – por exemplo, se o usuário vai passar mesmo a acender a luz com a voz ou preferirá levantar e usar o bom e velho interruptor. 

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O maior desafio, porém, é saber se o brasileiro vai conseguir perceber o valor de ter uma casa conectada – nos EUA, por exemplo, uma das funções preferidas dos usuários é ligar o termostato à distância em dias de frio, para chegar em casa com ela já “quentinha”. Aqui, a aposta das fabricantes é que os usuários estão bem interessados na área de segurança. “Poder ver, à distância, o que acontece na porta de casa com uma câmera conectada é algo que pode trazer muito valor para o usuário”, diz Germano, do Google. 

Privacidade e segurança de dados merecem atenção

Áreas que andam de braços dados, a segurança e a privacidade de dados são dois fatores que preocupam os analistas ouvido pelo Estado para a adoção massiva da casa conectada. Afinal, os objetos inteligentes conseguem de fato trazer eficiência à vida das pessoas também por serem capazes de coletarem dados sobre as preferências do usuário.

À reportagem, Amazon e Google disseram que os usuários têm controle para visualizar os dados armazenados, bem como para apagá-los a qualquer hora. “Não compartilhamos as informações com as de outros serviços”, disse Germano, do Google. Para Muratori, da Aureside, não há tabu no tema. “Já temos muitos dados captados com celular. Não adianta ter receio com a casa conectada.” 

Quanto à segurança, o temor é que hackers se aproveitem de brechas para invadir as redes das casas e não só roubar informações, como também causar confusão – nos EUA, ficou famosa a história de um hacker que invadiu um termostato e deixou uma residência muito quente. Para remediar, apostar em senhas fortes e na criptografia.

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