Lançado em 2014, o Apple Watch carregava mais do que a expectativa em relação a um novo produto da empresa criada por Steve Jobs. O produto inauguraria a era dos vestíveis: dispositivos inteligentes camuflados de peças de vestuário que deixariam no passado os smartphones. Não foi isso que aconteceu. Eles viraram produtos de nicho, como o de atletas. Agora, isso pode estar mudando, mas não graças a Apple. A categoria começa a romper a bolha, especialmente no Brasil, pelas mãos de fabricantes chinesas, que estão popularizando as pulseiras inteligentes.
Tanto as pulseiras quanto os relógios têm recursos parecidos: notificações, medidor de passos, contagem de batimentos cardíacos e monitoramento de sono. A segunda categoria carrega, porém, componentes extras, como rádio, sensores e antenas – itens que se refletem no preço. A versão mais recente do Apple Watch custa no mínimo R$ 4 mil no Brasil, enquanto as pulseiras inteligentes da fabricante chinesa Xiaomi custam a partir de R$ 280 – a reportagem, porém, encontrar um modelo de Mi Band 3 por R$ 115 em lojas do centro de São Paulo.
Um argumento e tanto na hora da escolha. Segundo apurou o Estado, a Xiaomi é responsável por mais da metade das vendas de pulseiras, ou smartbands, no Brasil. “Atendemos uma demanda ainda reprimida, que busca soluções com bom custo-benefício”, diz Luciano Barbosa, diretor de produtos da Xiaomi.
A estratégia agressiva de preço da fabricante chinesa ajudou a derrubar nomes tradicionais do setor. A americana Garmin começou a vender smartbands no País em 2013, mas desistiu no começo do ano passado.
“Não conseguimos adequar o preço no Brasil”, afirma Daniele Rocha, gerente comercial da Garmin. “Nossos produtos oferecem dados muito completos e os valores do mercado são muito fora da realidade.” Os carros-chefe da empresa são relógios inteligentes, que custam a partir de R$ 1,6 mil, e têm como público-alvo os amantes dos esportes – a Garmin não tem planos imediatos de voltar a vender pulseiras no País.
Quando questionada sobre o segredo dos preços, a Xiaomi diz que a fórmula é uma combinação de produção em grande escala com margens menores.
Bom momento
A liderança da empresa se deu num momento favorável para a categoria. Segundo a consultoria IDC Brasil, o mercado de pulseiras e relógios inteligentes no País cresceu 93% no primeiro trimestre, em comparação ao mesmo período de 2018.
Para Renato Citrini, gerente de produtos de dispositivos móveis da Samsung, o mercado de vestíveis está amadurecendo no Brasil. “O cliente chega perguntando pelo produto”, diz. “Muitos já estão no segundo ou no terceiro aparelho.”
A gigante coreana, que trouxe ao Brasil sua primeira pulseira em 2015, tem hoje dois modelos de smartband, que custam a partir de R$ 300, e duas versões de relógios, cujo preço mínimo é R$ 1,5 mil.
Além de já serem mais reconhecidas, as pulseiras estão indo além do nicho de atletas que se interessam pelo acompanhamento de treinos: elas estão conquistando o público comum, preocupado com o próprio bem-estar. “Os consumidores estão começando a enxergar o valor de funcionalidades de aparelhos vestíveis”, diz Ranjit Atwal, analista da consultoria Gartner.
A Xiaomi vê nesse tipo de produto uma forma de facilitar atividades do dia a dia do usuário. Michelli Cristini, profissional da área de tecnologia da informação, passa o dia todo com sua pulseira inteligente no braço. “Estou em uma rotina de emagrecimento e a pulseira está me ajudando a monitorar quantas calorias estou queimando”, afirma Michelli. “Uma simples pulseira consegue fazer muita coisa, é quase uma experiência futurista.”
Produto de entrada
Ainda que os preços sejam um incentivo, as pulseiras não vão engolir os relógios inteligentes. Pelo contrário: a tendência é os usuários investirem mais em produtos sofisticados depois de entrarem em contato com a tecnologia. Segundo a IDC Brasil, os relógios vão se sobressair futuramente no mercado em relação às pulseiras.
A Gartner diz que a venda mundial de relógios deve duplicar de 53 milhões, em 2018, para 115 milhões, em 2022. Já as pulseiras devem crescer menos: de 38 milhões para 51 milhões de aparelhos no mesmo período.
Uma das razões é que os relógios estão mais perto de ser um aparelho celular do que um acessório que precisa estar próximo a um smartphone. Muitos relógios têm conexão com redes 4G e aplicativos complexos, que dispensam o apoio do smartphone. Já as pulseiras só funcionam se conectadas ao celular.
Ao que tudo indica, os vestíveis estão pulsando mais forte do que se imaginava.
*É estagiária, sob supervisão do repórter Bruno Romani
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.