iPhone ‘sem carregador’ tem bandeira ecológica, mas sucesso de meta é difícil

Para reduzir emissões de carbono e lixo eletrônico, Apple decidiu não incluir adaptador de energia nem fones de ouvido em seus aparelhos novos; impacto de medida ambiental pode ser reduzido, mas aponta futuro para o mercado de smartphones

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Foto do author Bruno Romani
Caixinha. A partir de agora, todos os iPhones vendidos oficialmente pela Apple – incluindo modelos antigos, como XR e SE – não terão carregador nem fone de ouvido em suas caixas Foto: Reuters/Loren Elliott

Como acontece todo ano, a chegada de um novo iPhone fez muito barulho em 2020. Mas desta vez, apesar da introdução da conectividade 5G nos aparelhos, foi uma ausência que chamou a atenção. Pela primeira vez, a Apple vai vender o smartphone sem o carregador e os fones de ouvido – acessórios que acompanham o celular desde 2007. A medida também vale para aparelhos antigos, como o iPhone XR e o SE 2020, mas que estejam sendo comprados agora. A justificativa veio embrulhada num discurso sustentável e causou polêmica nas redes sociais, com muita gente reclamando da necessidade de comprar um carregador à parte, vendido no País por R$ 200. 

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Embora o histórico recente da Apple levante suspeitas, o que já se pode ver é que a decisão pode causar um impacto irreversível no mercado de smartphones, ainda que o sucesso ‘verde’ não seja fácil de se alcançar. Segundo a Apple, existem hoje mais de 2 bilhões de carregadores de iPhone no mundo. Muitos deles estão nas mãos de usuários que trocam de aparelho da marca constantemente. Na visão da empresa, todos poderiam ser reutilizados com os novos celulares – na caixa do iPhone 12, virá apenas um cabo Lightning/USB-C, o mesmo vendido com o iPhone 11. 

Assim, a empresa poderia reduzir a produção de carregadores, diminuindo seu impacto na mineração e nas emissões de carbono. De quebra, a fabricante de Cupertino também tentaria abaixar a quantidade de lixo eletrônico no mundo – mas a medida pode mudar pouco a questão. 

Segundo o relatório E-Waster Monitor 2020, feito por diversas instituições e com a participação da ONU, o total de lixo eletrônico produzido em 2019 foi de 53,6 milhões de toneladas. Até 2030, a marca pode chegar a 74 milhões. Mas o peso de carregadores de celular neste total é pequeno: apenas 0,1%, afirmou Ruediger Kuehr, coautor do levantamento, à revista Wired. Levando em conta apenas os acessórios da Apple, a marca cairia para 0,05%. 

O histórico da Apple nos últimos anos, porém, deixa dúvida sobre a bandeira ecológica. Em 2012, a empresa trocou o conector de energia do iPhone – do cabo de 30 pinos ao Lightning –,o que tornou obsoletos cabos e acessórios de quatro gerações do celular. Quatro anos depois, foi a vez da remoção da entrada de fones de ouvido P2. Quem quisesse ouvir música no celular precisava de um adaptador, o que exigiu a criação de um novo acessório. Além disso, a mudança impulsionou o mercado de fones de ouvido sem fio, na qual a empresa também surfou com os AirPods, vendidos por valores acima dos R$ 1 mil. 

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Além disso, a decisão da Apple vai contra discussões recentes na indústria de tecnologia para reduzir o lixo eletrônico. Em janeiro, a União Europeia começou um processo para exigir conectores universais dos fabricantes, como o USB-C, buscando reduzir a compra de novos carregadores e cabos. “Nesse aspecto, a Apple não aderiu, uma vez que manteve o formato proprietário Lightning nos aparelhos, em vez de usar o USB-C”, diz Renato Franzin, professor da USP. 

Puxando a fila

No primeiro momento, o movimento da Apple abre oportunidades para outros fabricantes. A chinesa Xiaomi, por exemplo, lançou um carregador compatível com o iPhone por US$ 5 nos EUA – lá, o da Apple custa US$ 19. Concorrentes no mercado de smartphones, por sua vez, devem usar a presença de carregadores nos seus aparelhos como ferramenta de marketing. Não é algo inédito: ao longo da década, a incompatibilidade da Apple com o sistema Flash ou mesmo a já citada entrada de fone de ouvido também foram usados como tática por rivais. 

Com preço de R$ 199, o carregador não acompanha o cabo de conexão Foto: Apple

Mas passada a onda inicial, é possível que a situação mude. “Acredito que (a ausência dos carregadores) é um movimento que chegará a outros fabricantes”, diz Tereza Cristina Carvalho, membro do IEEE e professora de sustentabilidade e tecnologia na USP. Historicamente, é isso o que acontece com a Apple. 

Quando a empresa abandonou a entrada para fones ou adotou o entalhe para a câmera frontal, os concorrentes primeiro fizeram piada e depois seguiram os passos. Dessa forma, o impacto no meio ambiente poderia ser maior.Já circulam rumores na imprensa da Coreia do Sul de que o próximo celular da família Galaxy S, a ser lançado em 2021 pela Samsung, deve vir sem o carregador e os fones. A empresa não comentou a notícia.

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O fim dos carregadores como acessório de celular pode ser apenas o primeiro passo de um projeto ainda maior. “Tenho a impressão de que a Apple está fazendo um movimento em direção ao carregamento sem fio, o que seria realmente sustentável”, diz Tereza. Carregadores sem fio consomem mais energia do que os carregadores tradicionais, mas ela afirma que um único carregador sem fio para uma única casa, com vários donos de iPhone, poderia ter saldo positivo para o meio ambiente. 

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Desde 2017, os iPhones têm suporte a tecnologia de carregamento sem fio. Porém, com o iPhone 12, a empresa dobrou a aposta. Os aparelhos contam agora com tecnologia MagSafe, que permite carregamento sem fio de 15 Watts, inédito no mercado, além do carregamento de outros equipamentos, como o Apple Watch. “O caminho do iPhone é se tornar um aparelho monolítico, sem nenhum tipo de orifício”, diz Franzin. Dessa maneira, segundo ele, a Apple poderia turbinar seus programas de logística reversa ao receber com exclusividade iPhones antigos. “Isso sim seria sustentável”, afirma o professor da USP. 

E o consumidor, como fica? 

Apesar do movimento aparentemente sustentável, ainda ficaram dúvidas sobre o quanto a decisão pode ser prejudicial para o consumidor. Nos EUA, o preço do iPhone não caiu mesmo com a ausência dos componentes e com a redução de embalagem. “Estimo que o preço de produção de um carregador seja de US$ 3 a US$ 5, não faria sentido esse repasse”, diz Tereza. Para Franzin, a “Apple poderia argumentar também que incluiu componentes e tecnologias mais caras, então uma coisa compensaria a outra.” 

A atitude da empresa, porém, levanta dúvidas sobre venda casada – prática que é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor brasileiro e várias outras leis consumeristas no exterior. Afinal, é preciso comprar um carregador para usar o celular, não é mesmo? Aqui no Brasil, o Procon de São Paulo decidiu notificar a empresa, que tem até o dia 10 para se pronunciar. 

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“Tenho apenas uma pergunta para a Apple: os novos iPhones precisarão de um carregador específico, mesmo que fabricado por terceiros? Isso poderia configurar uma venda casada”, explica Fernando Capez, diretor executivo do órgão. A tese, porém, não deve prosperar, dado que carregadores USB-C são universais e funcionam com o cabo ofertado pela Apple. Mas o movimento se justifica, dado que o acessório custa R$ 200 no País – a atual cotação do dólar é cruel com o bolso do brasileiro.

Outra preocupação seria o impacto da ausência do carregador na revenda de iPhones, mas há quem afirme que esse efeito é reduzido. “Há quatro anos, as pessoas se importavam em comprar um celular usado com seu carregador original, mas isso mudou”, explica Guille Freire, fundador da Trocafone, startup que compra e vende smartphones de segunda mão. Segundo ele, 80% dos clientes do site não compram carregadores. “Fomos investigar esses clientes e descobrimos que a principal causa para o comportamento é que eles preferem usar carregadores antigos”, diz, reforçando a tese da Apple. 

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