A Copa do Mundo sempre foi uma data de ouro para a venda de TVs no Brasil. Historicamente, os anos do Mundial de futebol tendem a ser mais fortes do que seus antecessores para o comércio e, com as telinhas dando lugar aos painéis gigantes e às grandes resoluções — como o aparelho 8K —, uma corrida tecnológica para avançar cada vez mais na qualidade de imagem, som e sinal busca atrair clientes que não dispensam uma boa TV na hora do jogo da amarelinha. E, neste ano, com uma rara conjunção que pode impulsionar ainda mais as vendas: a Black Friday no mesmo período da Copa.
Esse é um dos artifícios para que as fabricantes possam manter o fluxo de vendas positivo: apostar nos anos do Mundial para impulsionar novas tecnologias. Diferentemente do smartphone como o conhecemos hoje, que tem pouco mais de 15 anos, a TV é um produto maduro, com mais de 50 anos — a primeira transmissão a cores de uma Copa pela TV aqui no Brasil, por exemplo, foi na década de 1970.
O mercado passou por diferentes estágios do desenvolvimento tecnológico até chegar ao momento atual: as TVs de tubo com tela de baixas resoluções — que chegavam a 640 x 480 pixels — reinaram nos mundiais dos anos 80. Nos anos 90 apareceram as primeiras e, nos anos 2000, tivemos as TV LCD, LED, Plasma, Full HD, OLED, QLED e 4K. Agora é a vez da TV 8K, equipada com recursos de inteligência artificial (IA).
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“Todo ano de Copa há um aumento natural das vendas de TV com relação ao ano anterior, mas, em 2014, a movimentação das vendas do item foi bem diferente, já que os jogos aconteceram aqui no Brasil, resultando em um aumento de volume de vendas de 25% e de faturamento em torno de 22%. Para 2022, estimamos vendas em torno de 1,5 milhão de telas na preparação da Copa e Black Friday”, diz Fernando Baialuna, diretor de negócios e varejo da GfK.
Dados da consultoria levantados a pedido do Estadão mostram que o ano de 2014 teve aumento de 22% em faturamento e 25% em unidades de TVs vendidas no País em relação ao ano anterior. Em 2018, a tendência de alta se repetiu, com crescimento de 19% em valor e 15% em unidades.
O que é uma TV 8K
Uma TV 8K tem um total de 33 milhões de pixels. Para efeito de comparação, o número é quatro vezes maior que o 4K e 16 vezes maior do que o Full HD. A mudança é significativa, mas, quando uma nova tecnologia como essa se apresenta, o consumidor pode se perguntar: “Será que eu preciso de toda essa resolução de imagem?”.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, a resposta é um sonoro “depende”. A tendência da TV 8K é acompanhada por outra: telas grandes. Se antes uma TV de 32 polegadas era gigante, hoje o mercado só considera como produtos de telas grandes aqueles que têm, pelo menos, 65 polegadas.
Com isso, a diluição de pixels em relação à área da tela é maior, levando a um efeito indesejado de aparente resolução baixa. Em outras palavras, a medida chamada pixel por polegada (PPI) fica menor em TVs de telas grandes. Em uma TV 8K de 75 polegadas, o PPI é de 117. Já em uma TV 4K e Full HD a medida é de 59 PPI e 29 PPI, respectivamente. Ou seja, a diferença na qualidade só vai ser perceptível nas telas realmente grandes.
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Ainda assim, a questão do preço é uma barreira para a popularização rápida de novas tecnologias. Por isso, as fabricantes sul-coreanas líderes de mercado no País (Samsung e LG) apostam também em televisores com resolução 8K e tamanho de 55 polegadas, o que deixa o preço dos produtos abaixo dos R$ 10 mil. O preço é alto, mas é menor do que antes. Há dois anos, uma televisão 8K não saía por menos de R$ 20 mil.
“Nossa estratégia buscou aproveitar um reconhecido marco temporal para a troca de TVs no Brasil – a realização do Mundial, que este ano acontece praticamente colado à Black Friday – para impulsionar as vantagens competitivas das TVs Neo Qled 8K da Samsung, inclusive inaugurando a versão de 55 polegadas, com o modelo QN700B, mostrando a nossa aposta no segmento”, diz Guilherme Campos, gerente sênior de TV e áudio da Samsung no Brasil.
Segundo dados da consultoria Statista no relatório Global Consumer Survey, em 2022, 43% dos brasileiros possuem TV da Samsung, 25% têm da LG e 9% têm da Philco.
Mercado de TVs
Em 2021, a consultoria Omdia estima que foram vendidas 350 mil unidades de TVs com resolução 8K globalmente. A oferta de modelos com telas menores, como 55 polegadas, busca acelerar a velocidade de adoção da tecnologia de imagem. Em 2026, a Omdia prevê que serão vendidos 2,7 milhões de televisores 8K no mundo. Para a consultoria, o consumidor ainda é cético quanto à tecnologia 8K.
No Brasil, o mercado de TVs como um todo ainda enfrenta dificuldades para recuperar o patamar de vendas registrado antes da pandemia de covid-19. Ainda assim, o faturamento mostrou crescimento de 2019 para 2022, o que indica interesse do consumidor em produtos mais caros e sofisticados. No primeiro semestre de 2022, o faturamento subiu 4,9% (após alta de 14% no mesmo período no ano anterior) nas vendas de TVs no País, enquanto o volume caiu 1,2% (após queda de 13,8% no primeiro semestre de 2021) (veja na tabela abaixo). Conforme a Copa do Mundo se aproxima, as vendas de TVs 8K no País aceleram, uma tendência observada em agosto e setembro pela GfK.
Segundo os dados da consultoria brasileira, o patamar de vendas de TVs, em termos de unidades, não voltou ao ritmo da pré-pandemia, mas o valor dos produtos vendidos continuou a subir. Vale notar que os preços de produtos eletrônicos em geral, incluindo as TVs, subiram desde então por fatores como oscilação do câmbio, escassez de semicondutores e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Período | Valor | Unidades |
1º Sem 2020 vs. 1º Sem 2019 | 2,0% | 2,9% |
1º Sem 2021 vs. 1º Sem 2020 | 14,0% | -13,8% |
1º Sem 2022 vs. 1º Sem 2021 | 4,9% | -1,2% |
Ainda assim, a aposta com o Mundial é grande, baseada na experiência anterior de consumo do brasileiro. “Em 2018, tivemos um aumento expressivo na demanda por TVs TCL no Brasil em relação aos dois anos anteriores, o que foi impulsionado pelo último campeonato mundial de futebol e, para 2022, estamos confiantes de que observaremos um movimento semelhante”, afirma Maximiliano Dominguez, diretor de engenharia e produto da Semp TCL, ao Estadão.
As empresas brasileiras voltaram a marcar presença no segmento de televisores nos últimos anos. A Multi, antiga Multilaser, é um dos casos. O primeiro televisor da nova safra da companhia veio em 2018, alguns meses depois da Copa do Mundo. Além disso, a empresa passou a ser responsável pela fabricação e distribuição de televisores da marca Toshiba, patrocinadora da Copa do Mundo 2022. A empresa, inclusive, trabalha em projetos de novos televisores no País.
“Temos novos produtos em desenvolvimento da Toshiba no Brasil. Esse é o caso do lançamento de telas OLED como produtos top de linha para concorrer com as empresas que já vendem esses aparelhos. É uma forma de concorrer com uma multinacional, tanto em quesito de preço quanto de produto”, afirma Fernando Nogueira, diretor de telas Multi e Toshiba. Os modelos com tecnologia OLED devem chegar ao mercado até o fim do ano.
Responsável pela marca Philco no País, a brasileira Britânia entrou no segmento de TVs em 2021 com sua marca própria. A aposta é em aparelhos com telas de 32 a 55 polegadas com resoluções que chegam a 4K.
Porém, até o momento, nenhuma fabricante brasileira se arriscou a lançar uma TV 8K.
O desafio do conteúdo 8K
Ainda que a Copa do Mundo e conteúdos em geral ainda não tenham resolução 8K, os televisores da categoria contam com uma tecnologia chamada de upscalling, que faz uma melhoria automática de um sinal de TV em Full HD ou 4K.
No Brasil, o aplicativo Globoplay produziu capítulos da novela Pantanal em 8K e continuará a oferecer a resolução de imagem em futuras produções originais. No Prime Video, da Amazon, a série Anéis de Poder também teve episódios gravados em 8K.
Para Arthur Igreja, especialista em tecnologia e inovação, TEDx speaker e autor do livro “Conveniência É o Nome do Negócio”, os televisores 8K ainda são produtos de nicho e voltados aos aficionados por qualidade de imagem.
“Uma TV 8K, hoje em dia, é indicada para quem é muito ligado em tecnologia, para quem gosta de estar na vanguarda, mas é importante saber que vai encontrar muito pouco conteúdo disponível. Historicamente, é o que acontece. Quando surgiu o Full HD nas TVs ainda não tinha conteúdo. Anos depois, é que surgiu o Blu-Ray. Em seguida vieram as TVs 4K. O Blu-Ray 4K nunca decolou, virou algo extremamente nichado. Levou muitos anos para o streaming e até o YouTube começarem a ter vídeos em 4K. Agora, esse mesmo salto está acontecendo em relação ao 8K”, diz.
Para o especialista, toda a cadeia de produção e transmissão audiovisual precisa adaptar seus equipamentos para tornar a resolução 8K um padrão de mercado. No entanto, os custos associados a esse nível de qualidade de imagem ainda são proibitivos. “A conta tem que fechar, o que engloba o armazenamento, a transmissão e a produção”, afirma Igreja.
Outro desafio, além do conteúdo, é o gasto de energia que uma TV desse porte pode gerar para alguns países. Na União Europeia, continente que vive uma crise energética por conta da guerra na Ucrânia, uma lei aprovada em outubro deste ano pode proibir a venda de modelos de televisores 8K por não se encaixarem nos padrões de consumo de energia de eletrônicos. A medida, chamada Índice de Eficiência Energético (EEI), começa a valer em março do ano que vem e, atualmente, nenhum aparelho 8K do mercado atende às determinações. Se nada mudar até lá, as fabricantes precisarão adaptar seus produtos para mantê-los no mercado europeu.
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