ENVIADA ESPECIAL A SAN JOSE - Ainda estamos em janeiro, mas 2024 já é o ano em que a inteligência artificial (IA) generativa deu um salto dos navegadores e aplicativos para sistemas operacionais de celulares e eletrônicos vestíveis. O mais novo nome a impulsionar o movimento é a Samsung, que apresentou nesta quarta, 17, o Galaxy AI, ecossistema de IA que vai integrar os novos celulares da marca, a família Galaxy S24. A promessa é de que isso mude nossos telefones para sempre.
A tendência já tinha dado as caras durante a Consumer Electronics Show (CES), que aconteceu em Las Vegas na primeira semana de janeiro. Conhecida por ser a maior feira de eletrônicos no mundo, o evento reuniu milhares de empresas em busca de holofotes - e a IA foi o grande destaque da temporada.
Durante o evento, a IA generativa surgiu em eletrônicos portáteis dedicados, com IA embutida que não dependem de sistemas de outras empresas, como o ChatGPT, da OpenAI. Entre os aparelhos estão o AI Pin, um pequeno broche que projeta e permite a utilização de apps literalmente na palma da mão do usuário, o Kettle X1, uma espécie de radinho de pilha que traduz conversas automaticamente, e até um robozinho chamado R1, da AI Rabbit, que promete usar aplicativos de celular de uma forma menos “viciante”, poupando o tempo do usuário diante das telas do celular.
De carona na CES, o Galaxy S24 reforçou ainda mais como a IA deve parar nos nossos bolsos nos próximos meses. O lançamento desta quarta-feira, 17, inclui ferramentas de transcrição e tradução de chamadas telefônicas e de voz, ferramentas de resumo, formatação e correção ortográfica, edição e geração de ajustes de imagens a partir das câmeras do celular.
“Sem dúvida, estamos ingressando em uma nova fronteira de dispositivos móveis que se integrarão de forma relevante com a inteligência artificial ampliando as capacidades por meio de chips que contenham nativamente esta função”, explica Márcio Kanamaru, sócio-líder de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações da KPMG no Brasil, em entrevista ao Estadão.
A maior parte desses recursos, por exemplo, não são novos para o público - para transcrição de áudio existem ferramentas como o Pinpoint, do Google, enquanto para tradução há o DeepL. Ainda, o resumo e organização de informações pode ser feito, por exemplo, no ChatGPT. Agora, tudo isso passa a virar um conjunto de ferramentas embutidas nos próprios aparelhos.
“Veremos uma ampliação significativa nas próximas gerações dos smartphones para ‘AI phones’, ou seja, com uma capacidade ‘quântica’ local se comparada às gerações anteriores, possibilitando inclusive um uso mais eficiente das redes 5G e seus elementos, sem precisar trafegar dados até as nuvens centrais (DCs) e retornar para o smartphone. Esta nova arquitetura trará uma camada substancialmente robusta no processamento dos dados e, portanto, um novo elemento na evolução da mobilidade”, afirma Kanamaru.
Disputa entre gigantes
No caso da Samsung, a construção de um modelo amplo de linguagem (LLM, na sigla em inglês) próprio ajuda a naturalizar o funcionamento das ferramentas no telefone. Também é possível construir um sistema moldado aos aplicativos da empresa e desenvolvidos de acordo com a capacidade de seus processadores. Para quem também vende hardware, os novos recursos de IA podem tirar a indústria de um plateau de inovação e impulsionar vendas - segundo a consultoria IDC, o mercado global recuou 3,2% em 2023.
Mas a grande expectativa é como a Apple deve se posicionar nesse mercado. A empresa fabricante do iPhone tem sido tímida em relação à IA, afirmando apenas que tem trabalhado no desenvolvimento de um modelo de linguagem e em parcerias com veículos de mídia para alimentar sua IA. Durante o evento de lançamento de seus smartphones, em setembro de 2023, o assunto não foi pautado entre as novidades — mesmo após quase um ano do “boom” da OpenAI. E esse atraso no mercado de IA já custou à empresa o posto de empresa mais valiosa do mundo.
O lançamento da Samsung em janeiro foi estratégico pensando, justamente, na rival, afirma Thomas Husson, analista sênior da consultoria internacional Forrester. De acordo com o especialista, o momento - entre feiras de tecnologia em que a ferramenta pode ficar em evidência - pode dar fôlego para a discussão do Galaxy AI antes do lançamento do próximo iPhone, em setembro deste ano.
“Logo após a CES, a Samsung aproveita o hype da IA incorporada para mostrar a inovação em seus novos smartphones Galaxy S24. O momento é perfeito, pois está chegando a hora do Mobile World Congress, com uma janela de oportunidade de nove meses para assumir a liderança dos smartphones premium antes do lançamento do iPhone 16″, afirmou ao Estadão.
Mas nem tudo são flores. Segundo Husson, a Samsung ainda precisa enfrentar um desafio com o público que é convencer e ensinar um público menos especializado que a IA vale a pena - e que, por consequência, o S24 vale o custo. O modelo mais barato da linha sai por R$ 6 mil reais, enquanto o mais caro fica por volta dos R$ 13 mil. O investimento é grande para ter ferramentas que, com alguns cliques a mais, podem ser encontradas também disponíveis online.
“A maioria dos consumidores não têm a menor ideia do que realmente é a IA generativa, mas o desafio de marketing da Samsung é justamente tornar a tecnologia transparente para impressionar os consumidores com experiências mágicas e invisíveis”, explica Husson. “Embora a IA generativa certamente ajude a Samsung a diferenciar sua nova linha de smartphones, esses não serão os principais motivos pelos quais os consumidores atualizarão seus telefones em um mercado de smartphones em declínio geral”.
*Repórter viajou a convite da Samsung Brasil
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