Metaverso, palavra notabilizada por Mark Zuckerberg para definir o futuro da internet nas próximas décadas, virou coisa do passado. Agora, empresas de tecnologia e startups dedicam-se a um novo termo: computação espacial.
O conceito foi apresentado pela Apple em junho do ano passado, quando a companhia revelou os óculos Vision Pro. Nesta sexta-feira, 2, o aparelho enfim chega às lojas dos Estados Unidos, com preços que partem de US$ 3,5 mil (equivalente a R$ 17,5 mil) e vão a até US$ 4,5 mil (R$ 22,5 mil), e a promessa de abrir uma nova área de inovação no mundo.
Pouco afeita a modismos do mercado de tecnologia, a empresa fundada por Steve Jobs em 1976 não adotou a palavra “metaverso” para definir seu novo dispositivo. Mas o conceito está de alguma forma ligado ao que a marca chama computação espacial: quando elementos do mundo real misturam-se com aspectos virtuais, como avatares, gêmeos virtuais e jogos imersivos em espaços físicos.
“O Vision Pro permite que os usuários interajam com o conteúdo digital de uma forma que pareça que ele está fisicamente presente em seu espaço”, diz a Apple no comunicado de divulgação do produto. A interface tridimensional exibida no aparelho recebe comandos por voz, gestos das mãos e de movimento dos olhos, graças à mais de uma dúzia de sensores embutidos nos óculos. “Basta olhar para um elemento, tocar com os dedos para selecionar e usar o teclado virtual ou o ditado para digitar.”
Esse conceito é bastante similar ao que o mercado de tecnologia chama de realidade mista, na qual a realidade virtual (RV) e realidade aumentada (RA) são alavancadas por um aparelho capaz de performar essas atividades de imersão num ambiente digital ou de interação com o mundo real — como o Vision Pro. Não à toa, essas três ideias são os pilares do metaverso.
“Computação espacial é a maior parte do que chamamos de metaverso”, explica Daniel Franulovic, líder de metaverso para a América Latina na Accenture. Segundo ele, o conceito apresentado pela Apple é técnico: trata-se de uma nova maneira de apresentar conteúdos e de programar aplicativos imersivos tridimensionais. “Já o metaverso é o futuro da internet.”
Computação espacial é a maior parte do que chamamos de metaverso
Daniel Franulovic, consultor na Accenture
Em 2021, quando Zuckerberg anunciou o foco no metaverso, o fundador do Facebook vislumbrava um mundo de hologramas, reuniões virtuais dinâmicas e redes sociais interativas, muito além das páginas bidimensionais vistas hoje na web. Para isso, a Meta lançou uma família de dispositivos especializados para operar esse sistema, como os óculos Quest 3, vendido nos Estados Unidos por US$ 500.
De forma similar, mas com preço muito mais alto, a Apple aposta que os óculos Vision Pro vão permitir novos tipos de interação em termos de computação, como filmes e séries com telas infinitas, videochamadas dinâmicas, navegação multitarefas, fotos tridimensionais e outros usos. Leia mais aqui.
Na prática, porém, tanto a Apple quanto a Meta estão jogando a mesma partida, o que explica a confusão entre metaverso e computação espacial. Ambos dispositivos das duas empresas permitem rodar centenas de jogos, transmitir filmes e séries de televisão, alavancam produtividade no mundo do trabalho e podem ser úteis em exercícios. “Os óculos de realidade virtual da Meta são, sim, de computação espacial”, aponta Franulovic.
Briga de nomenclaturas
A Apple e a Meta agora brigam não só pelo mercado de realidade mista, mas também pela chance de cunhar um termo novo que defina toda a indústria: computação espacial ou metaverso.
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A companhia do iPhone já deixou claras suas intenções. Em outubro de 2022, o executivo Greg Joswiak, chefe de marketing da empresa, afirmou que metaverso é uma palavra “que nunca vou usar”, segundo entrevista ao jornal Wall Street Journal. Já o CEO Tim Cook afirmou no mesmo mês, em entrevista ao jornal holandês Bright, que não sabe “se uma pessoa comum sabe dizer o que é o metaverso”.
Além disso, nas diretrizes dadas a desenvolvedores de aplicativos sobre o Vision Pro, a companhia americana recomenda que os apps não utilizem as palavras “realidade virtual” nem “realidade aumentada” na descrição de seus serviços e atividades. Ou seja, a Apple está tentando fazer “pegar” a palavra computação espacial, e não os sinônimos que vinham sendo usados até então.
Se a Apple conseguir transformar a computação espacial em algo massificado, esse vai ser o fim da palavra metaverso
Júnior Borneli, CEO da StartSe
Para o executivo Júnior Borneli, presidente executivo e fundador da escola de empreendedorismo digital StartSe, o metaverso se tornou uma palavra “associada a uma empresa” — a Meta. “Tornou-se algo utópico. E remete a algo que não funcionou”, explica. “Por isso, nenhuma empresa vai se arriscar a dizer que criou algo para o metaverso.”
Franulovic aponta que o metaverso passa hoje por um problema: a velocidade da tecnologia (que exige capacidade enorme de processamento de informações e gráfica, o que ainda não é viabilizado em dispositivos no mercado) versus a expectativa das pessoas, que entraram na proposta de futuro da internet anunciada por Zuckerberg no meio da pandemia de covid-19. “Houve um hype exagerado em cima do metaverso”, aponta ele.
Por isso, o sucesso do Vision Pro, e do conceito de computação espacial, pode ser a pá de cal no metaverso — ao menos a nomenclatura, já que o conceito deve continuar vigorando. “Eu não apostaria contra a Apple”, diz o especialista da Accenture, citando sucessos como o Mac, iPod e iPhone no currículo da marca.
“Se a Apple conseguir transformar a computação espacial em algo massificado, esse vai ser o fim da palavra metaverso”, prevê Borneli, da StartSe.
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