Como as mulheres tentaram mudar a cultura dos games em 2020

Em grande ano para os jogos eletrônicos, trabalhadoras e jogadoras tentam deixar a indústria mais inclusiva

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Por Anita Sarkeesian e Carolyn Petit
Benita Novshadian, jogadora profissional de Counter Strike: em 2020, mulheres tentaram mudar posição na indústria de games Foto: Michelle Groskopf/The New York Times

Não deve ser surpresa que 2020 foi um ano monumental para a indústria de videogames. Enquanto outros setores viram as receitas encolherem e lojas fecharem, as empresas de games lucraram ao longo de todos esses meses, quando milhões de pessoas passaram mais tempo em casa.

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Algumas dessas pessoas sempre foram jogadores de videogame, mas o ano também atraiu uma nova safra de adeptos. Plataformas de streaming como a Twitch, até então reservadas para competidores e fãs, cresceram para hospedar grandes mestres do xadrez e políticos fazendo eventos de campanha. Nos primeiros meses da pandemia, vendedores na Amazon e em outros mercados online começaram a ofertar o Nintendo Switch, lançado em 2017, a preços elevados, para corresponder a um aumento inesperado na procura. E, agora, a demanda pelos novos consoles lançados pela Sony e Microsoft quase impossibilita sua compra (a menos que você queira desembolsar uma fortuna). Mas menos notados são os ganhos que as mulheres  conquistaram no mundo dos games.

Emilia Schatz, designer do estúdio Naughty Dog, foi uma das líderes da criação do mundo de The Last of Us Part II, um dos principais jogos do ano. Em todo o seu trabalho, ela visa expandir a mente e a empatia dos jogadores. “Entre os meios de narrativa, os jogos se destacam principalmente por sua capacidade de imergir o público na identidade do protagonista e nos problemas do mundo em que ele vive”, disse ela. “Para jogadores que jogam imersos como protagonistas de um sexo diferente, com um tom de pele diferente ou apenas uma perspectiva diferente de si mesmos, se essa representação for autêntica e humana, há uma oportunidade real de empatia e compreensão”, continuou ela. Em ‘The Last of Us Part II’, disse Schatz, era importante retratar pessoas queer e transgêneros em papéis muitas vezes preenchidos por personagens masculinos cisgênero, mas ela já previa críticas. “Como pessoa trans, construí uma armadura baseada em como sei que algumas pessoas podem tratar gente como eu”, disse ela. “Não espero nada diferente para os personagens que ajudo a criar”. ‘The Last of Us Part II’ também foi elogiado por muitos na comunidade de jogadores com deficiência por seu vasto conjunto de opções de acessibilidade projetadas para deixar o jogo mais acessível para jogadores com visão limitada, jogadores surdos ou com deficiência auditiva e jogadores com mobilidade limitada. À medida que mais jogos dão as boas-vindas a jogadores com deficiência e mais controles adaptáveis permitem que as pessoas joguem independentemente de sua deficiência, mais pessoas estão criando espaço para si mesmas na cultura dos jogos. Nyree Stevens, gamer tetraplégica e integrante do Quad Gods, uma equipe de jogadores tetraplégicos, disse que mesmo jogos complexos como ‘Fortnite’ - que exige movimentos rápidos e complexos para alternar entre funções como construir e atirar, enquanto o personagem se desloca e mira nos inimigos - estão acessíveis a ela graças a um controle especial.

Desafiando o sistema

Ainda mais do que os grandes hits, os jogos independentes têm buscado resolver as desigualdades nos jogos. Rosa Carbo-Mascarell, designer de jogos em Londres, criou o game ‘A Woman Goes to a Private Industry Party’ (algo como Uma mulher vai à festa da firma), com base em sua experiência na indústria de games. Ela fez o jogo durante uma das ondas #MeToo, na tentativa de chamar atenção para o fato de que o sexismo é um problema estrutural na indústria, não uma coisa que pode ser resolvida expulsando alguns abusadores de alto escalão. “O que mais dói é a misoginia do dia a dia”, disse Carbo-Mascarell. “Cada comentário sexista ou constrangedor corta um pouco mais, até que, no fim das contas, a indústria fica mais machucada e dolorida. É isso que eu queria mostrar com meu jogo”.

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Ocupando espaço

Outras pessoas estão provocando impacto na cultura dos jogos simplesmente por se colocarem aos olhos do público como jogadores e competidores. Kishonna Gray, autora do livro Intersectional Tech: Black Users in Digital Gaming (Tecnologia interseccional: usuários negros em jogos digitais, em tradução livre), estudou como as mulheres, especialmente as mulheres negras, usam plataformas como o Twitch e os desafios que enfrentam ao fazê-lo. “Muitas mulheres dizem que precisam usar roupas insinuantes para maximizar seus seguidores. Algumas dizem que precisam inovar em seu conteúdo, mas os caras não acham que suas contribuições sejam valiosas”, disse ela. “Por outro lado, muitas mulheres ressaltam a autonomia e o poder que têm para controlar seu próprio conteúdo”. Ela observou, no entanto, que “as plataformas de streaming ainda privilegiam os homens brancos”. E mesmo aquelas mulheres que não começam a fazer streaming de olho na mudança política muitas vezes descobrem que sua presença naquele espaço cultural assume uma dimensão política - quer queiram, quer não. “Embora as mulheres negras não tenham a intenção de se envolver no ativismo”, disse Gray, “algumas delas dizem que a presença de seus corpos em espaços não construídos para elas automaticamente as transforma em ativistas, porque sua presença está mudando o espaço”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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