No mundo digital, cultivar bons hábitos e estabelecer limites não são tarefas exatamente fáceis, especialmente em crianças. Impedir que os pequenos sejam abordados por adultos estranhos talvez seja o maior desafio para as famílias.
Foi nesse cenário que cresceu o Roblox, game que permite à própria audiência desenvolver jogos de variedades infinitas. Além de ser um recanto criativo para crianças e adolescentes, ele também parecia livre de conteúdos impróprios para menores. Porém denúncias recentes colocaram uma interrogação sobre a segurança da plataforma, trazendo um grau de preocupação a pais e escolas.
Antes, é preciso entender o funcionamento do jogo: por meio de bonecos (ou avatares), usuários entram e saem de salas, onde há diferentes jogatinas conforme o gosto do freguês. É possível cuidar de animais de estimação digitais, participar de campeonatos de pingue-pongue e administrar parques de diversão. São centenas de milhares de games dentro do próprio game, que pode ser acessado gratuitamente de computadores e dispositivos móveis.
Desde 2004, quando foi fundado, o Roblox consolidou-se como um dos principais espaços infantis da internet — hoje, são 49,5 milhões de usuários ativos por dia. Mas há um detalhe: a plataforma nunca vetou a entrada de pessoas maiores de 18 anos. O resultado foi óbvio: com o tempo, surgiram denúncias de episódios de palavrões em bate-papo, de sexo virtual, de apologia ao nazismo e de disseminação de conteúdos de ódio.
Em 2018, o jornal El País denunciou um “estupro do avatar” de uma menina americana de 7 anos. Em dezembro do ano passado, a polícia escocesa emitiu um alerta para pais e responsáveis após uma mãe descobrir que o filho recebia conteúdo pornográfico. No último mês de fevereiro, a BBC revelou que há salas em que são recriadas cenas de tiroteios em escolas e espaços que simulam cenas de sadomasoquismo.
Questionada já em 2021, a empresa responsável pelo jogo (também chamada de Roblox) implementou um novo painel de controle para os pais, mas monitorar todo o conteúdo da plataforma é um desafio - os espaços onde conteúdos impróprios circulam costumam desaparecer após um determinado período.
Reação
Isso tudo, claro, reprisa os temores de pais e familiares já vistos em outros momentos da internet e dos jogos conectados.
“Depois das últimas notícias, eu tirei o jogo das minhas crianças”, conta Fabiana Maggieri, 45, mãe de trigêmeos de 7 anos. Os pequenos baixaram o jogo há seis meses por indicação de uma amiga do condomínio em que moram e logo se apegaram. Mas a brincadeira acabou: “Meus filhos são muito curiosos e não conseguimos controlar o tempo todo o que eles fazem na plataforma”, completa ela.
Para Lisaura Gilz Noda, 43, mãe de dois meninos, de 5 e 8 anos, o caso é sério e a companhia precisa atuar para impedir esses episódios. “Fiquei muito assustada com essas notícias recentes sobre o Roblox. Quando a gente fala de crianças, a preocupação triplica. É uma falha de segurança muito grande”, diz.
O Roblox afirma que esses casos são minoritários e que são rapidamente retirados do ar assim que descobertos. A reportagem tentou contato com a empresa, mas não obteve resposta.
À BBC, a empresa disse: “Sabemos que há um subconjunto extremamente pequeno de usuários que deliberadamente tentam quebrar as regras”. A companhia acrescentou que usa inteligência artificial e análise humana para detectar os casos o mais rápido possível.
Monitoramento e limites
Para Marcelo Lopes, cofundador da startup For Education, especializada em digitalização na área educacional, há dois componentes para evitar que crianças sejam expostas a conteúdo impróprio nas plataformas. Uma parte pertence às empresas de tecnologia, que precisam de melhores instrumentos de controle e moderação. A outra parte depende de pais e responsáveis, que devem estabelecer limites.
“O responsável precisa ficar atento ao tempo de uso da criança. Qualquer jogo ou plataforma busca engajamento dos usuários, e isso significa mais tempo”, explica. A dica é estabelecer limites diários, inclusive adotando controles parentais nos sistemas operacionais. Por fim, criar diálogos para entender o que os pequenos fazem quando têm um celular em mãos.
Luciane Carvalho, 47, mãe de um menino de 13 anos, costuma checar o histórico de navegação, bem como os programas, apps e jogos acessados no computador, celular e console Xbox. “Eu acompanho como ele usa a internet, mas não me aprofundo tanto nos jogos”, diz. “Essa tarefa fica com o pai”.
É o mesmo com Lisaura, que se divide com o marido para checar os afazeres das crianças no mundo digital. “Depois das notícias sobre o Roblox, eu passei a monitorar mais o uso deles da internet”, conta ela, que espia os apps baixados e vídeos assistidos nas plataformas. “Quando eles estão usando o tablet, eu fico por perto dando uma espiadinha. Estamos mais ligados agora.”
Equilíbrio
Se essas plataformas podem expor crianças a conteúdo impróprio, por que insistir em usá-las? Para especialistas, proibições completas podem incentivar o uso às escondidas, o que pode ser ainda mais prejudicial.
Além disso, essas plataformas podem ter usos muito saudáveis: elas permitem que a criança seja gradualmente inserida à rede mundial de computadores, onde as possibilidades de aprendizado são imensas.
“O Roblox é uma ferramenta incrível, porque permite a autoria sobre seus próprios jogos. Para a criança e o adolescente, não é só o papel de mero consumidor, mas também de produtor”, afirma Lopes. “Isso é fantástico.”
Aproveitando-se desse potencial, o Colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo (SP), é uma das instituições de ensino que, como atividade complementar, reúnem professores e alunos para utilizar a ferramenta e trabalhar conceitos matemáticos e físicos.
“Na área de Educação estamos sempre pesquisando e refletindo sobre como relacionar da melhor forma conteúdos sociais urgentes e emergentes dentro do espaço escolar”, conta a educadora Joice Lopes Leite, diretora de educação digital da escola paulista.
O Porto Seguro, no caso, usa o Roblox Studio, ferramenta educacional da própria companhia americana que é fechada para usuários não assinantes — mais segura, portanto. “Mesmo assim, reforçamos a importância de saber com quem falar quando entrar em uma plataforma e que tipo de informação compartilhar. É uma oportunidade de diálogo.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.