'Ninguém deveria ter armas', diz John Romero, 'pai' dos games de tiro

Cocriador de Doom, Wolfenstein 3D e Quake, Romero defende que as armas devem ficar apenas nos jogos, como alívio do estresse; designer de games vem ao País para a Brasil Game Show

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Político.'Para mim, um jogo antifascista só pode ser bom', diz Romero Foto: Romero Games

Com quatro décadas dedicadas a criar jogos, o nome de John Romero é uma lenda dentro do mundo dos games. Também, pudera: ele e o parceiro John Carmack foram os responsáveis por Wolfenstein 3D, primeiro jogo de tiro em primeira pessoa do mundo. Lançado em 1992, o título colocou o jogador no papel de um atirador, em um nível de imersão sem precedentes no meio até então. Anos depois, vieram Doom, Quake e outros diversos games com uma legião de fãs. Eles poderão encontrar Romero na Brasil Game Show, maior feira do setor realizada na América Latina – o evento começa na quarta-feira, 9, e vai até o domingo, 13. 

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“Para fazer um bom jogo de tiro, é preciso uma coisa só: dar satisfação ao jogador quando ele atira em algo. E isso só se faz com desafios, se não é desafiador, o jogo fica entediante”, explica o game designer ao Estado. Mas, apesar da violência (por vezes sangrenta e brutal) nos jogos que lhe deram fama, Romero é o que pode se chamar de um pacifista: para ele, ninguém deveria ter armas. “Quando você alivia a tensão em um jogo, não precisa fazer isso na vida real. A maioria das pessoas consegue diferenciar o que é matar alguém na vida real da violência que aparece nos videogames”, afirma. 

Ao Estado, Romero fala mais sobre as diferenças entre criar jogos nos anos 1990 – em equipes de poucas pessoas, em garagens e porões – e nos dias de hoje, sua trajetória e sobre o momento dos videogames. Ele também se revela um fã de Minecraft. “Eu poderia jogá-lo por toda a vida”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista. 

O sr. é o responsável por games de tiro como Wolfenstein 3D, Doom e Quake. Qual é a receita de um grande jogo do gênero? 

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Basicamente, é preciso uma coisa só: fazer o jogador ter satisfação quando atira em algo (risos). Isso pode ocorrer de várias formas: pode ser em uma troca de tiros rápida, com alvos que se movem rapidamente, ou bem lentamente, no caso de um atirador à distância. Para que a satisfação aconteça, é preciso ter certeza que há um desafio. Se não é desafiador, não vai ser legal, vai ser entediante. Uma boa maneira de fazer isso é gerar consequências: em um jogo para tiros à distância, uma forma de ensinar isso ao jogador é fazer com que ele seja atingido caso saia correndo atirando em tudo. É uma questão cerebral. 

Essa receita mudou dos anos 1990 para cá? 

Ela evoluiu. Os jogos agora têm mais elementos em torno desse núcleo. Pense em Half-Life 2, lançado há 15 anos: foi um jogo que mostrou como um game de tiro poderia ter uma história e dar ao jogador o controle das ações, ao mesmo tempo em que trazia cenários em barcos, prisões, uma série de atividades diferentes. Ali, os games de tiro se tornaram parecidos com os filmes de ação, mas com uma melhoria: a possibilidade do jogador controlar, ele mesmo, a história. É o novo entretenimento e ele só melhora. 

Em Wolfenstein 3D, de 1992, Romero e Carmack fizeram o que é considerado o primeiro jogo de tiro em primeira pessoa (FPS) Foto: idSoftware

Uma crítica bastante comum aos games de tiro é que eles incentivam a violência, embora essa correlação nunca tenha sido comprovada por estudos científicos. Ainda assim, como o sr. se sente tendo criado jogos que retratam essa realidade? 

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Um jogo é um meio de expressão, uma forma de aliviar o estresse. Quando você alivia a tensão em um jogo, não precisa fazer isso na vida real. A maioria das pessoas consegue diferenciar o que é matar alguém na vida real da violência que aparece nos videogames, nos filmes ou num desenho animado. São as pessoas que têm transtornos mentais as principais responsáveis pelos tiroteios em massa. 

Qual sua posição sobre a posse de armas de fogo? 

Acredito que ninguém deveria ter armas. Armas são ótimas nos jogos, mas não na vida real. 

Criar um jogo nos anos 1990 era mais difícil do que hoje? 

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Era bem mais difícil: não havia os motores gráficos, algo que nós criamos em 1991, por pura necessidade. Hoje, se você usa um motor como Unreal ou Unity, é fácil colocar um gráfico numa tela. Não precisa de muitas linhas de código. Nos anos 1990, eu precisava escrever uma linha de código para cada pixel que estava na tela. É muita coisa para se fazer. Em 1991, criamos um motor enquanto fazíamos Commander Keen, porque precisávamos entregar três jogos em um período de dois meses e meio. Um motor gráfico poderia nos ajudar a acelerar esse processo. Ao longo de 1991, fizemos mais de dez jogos, estávamos sempre fazendo dois games ao mesmo tempo. Quando percebemos que aquilo poderia facilitar a vida de outros desenvolvedores, passamos a licenciar nossos motores gráficos. Hoje é uma indústria bilionária. E perceba que esse é só um exemplo -- estamos falando apenas de colocar os gráficos na tela, não de contar a história e fazer o jogo todo por completo. Naquela época, éramos uma equipe de três, depois quatro pessoas. Hoje, os jogos têm centenas de desenvolvedores em sua equipe. 

John Carmack, seu parceiro em Doom, Quake e Wolfenstein, hoje trabalha com realidade virtual no Facebook. Qual sua relação com ele?

Não falamos muito um com o outro, mas às vezes nos encontramos. Estamos em áreas diferentes: ele está focado em tecnologia, já eu sigo fazendo jogos. Acredito que realidade virtual é uma tecnologia excitante, mas ao mesmo tempo, tediosa fisicamente. Os movimentos são limitados e ainda não há uma solução sobre como se movimentar muito bem. Acredito que será uma tecnologia mais interessante fora dos games, como em cirurgias de longa distância. E acredito que realidade aumentada é algo interessante, especialmente porque não precisa que o usuário esteja isolado para poder experimentar a tecnologia -- o que não acontece com VR. 

Romero, ao lado dos irmãos Adrian e John Carmack: o time de desenvolvimento de Quake, em 1996 Foto: Romero Games

Estamos perto do fim de uma geração de consoles, com PS4 e Xbox One. O que o sr. espera de uma nova geração de videogames? 

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Se você olhar para todos os consoles, eles basicamente são só uma evolução do que já se fazia antes: jogos maiores e mais bonitos. A única grande inovação do mercado de consoles foi o Wii, com o sistema de controle de movimentos e um viés mais casual. Tirando isso, basicamente a história da indústria de consoles é apenas uma evolução de processadores e placas gráficas. 

A série Wolfenstein mostra um judeu atacando nazistas – e tem sido recentemente revalorizada. Com a ascensão de políticos de extrema direita, como o sr vê o jogo hoje? 

É um jogo bem simples: você é um judeu tentando sobreviver, fase após fase, matando nazistas. Na época que fizemos o jogo, eles simplesmente não existiam. Hoje, com alguns neonazistas por aí, acredito que lançaríamos o jogo do mesmo jeito. As pessoas sabem que eles estão errados e são apenas uma minoria causando problemas. O primeiro Wolfenstein era um jogo bem básico. Não havia nada sobre o sofrimento dos judeus, por exemplo. Mas, na minha opinião, qualquer jogo antifascista só pode ser bom. 

Hoje, os jogos não são só vendidos em caixas, mas também são atualizados e mudam constantemente com o tempo. Eles deixaram de ser produtos e viraram serviços. O sr. não acredita que isso acaba com a satisfação de “fechar um jogo”, de fazer tudo que era possível? E como criador, entender a noção de “obra fechada”, a experiência que você planejou? 

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É um jeito de se jogar um jogo, de entender o que é um jogo – algo com começo, meio e fim, planejado dessa forma, como uma história de fato. É uma forma. Mas também há jogos como World of Warcraft, que existe há muitos anos e está sempre mudando, é um ambiente vivo, os jogadores que chegam aos níveis mais altos sempre têm algo o que fazer, é um alvo que sempre continua. Às vezes, sim, é possível encerrar o jogo, mas haverá mais se você quiser jogar e puder esperar um pouco. E isso pode sim dar uma sensação de satisfação de encerramento, mesmo em um jogo que continua vivo continuamente, continua mudando. É preciso, como jogador, decidir, porém, o que serve como encerramento. Se um DLC sai, a sensação pode acabar para sempre. É um encerramento temporário. 

O que o sr. acha dos últimos jogos de Doom e Wolfenstein? 

Acho incríveis. A Machine Games tem feito coisas incríveis com Wolfenstein e a id Software se redimiu com o último Doom, que saiu em 2016. Estou bem ansioso por Doom Eternal. 

Queria te perguntar também sobre Dangerous Dave: é um dos meus jogos favoritos. Como foi o desenvolvimento desse jogo?

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Eu fiz Dangerous Dave em 1988, num Apple II. Em 1990, exatamente dois anos depois, quando eu estava criando o time da Gamer’s Edge e contratei John e Adrian Carmack, estávamos prestes a fazer algo novo. O time de marketing da Softus, que era a distribuidora da Gamer’s Edge, nos disse que precisávamos criar dois jogos que seriam um exemplo da qualidade dos jogos que lançaríamos, e precisavam desses dois jogos em nada menos que um mês. Eu e John percebemos que não daria tempo de criar um jogo novo, só mexer em algo que já tínhamos feito. Ele tinha acabado de fazer um jogo chamado Capstone e eu dei uma olhada nos muitos jogos antigos que eu fiz. E aí pensei em fazer uma nova versão de Dangerous Dave para PC, que seria algo rápido. É um jogo rápido, simples e muito divertido. Eu e John trabalhamos arduamente por um mês. Acabamos os dois jogos de forma rápida, fizemos tudo isso, e isso se tornou um disco de demonstração para ser enviado aos assinantes… eles tinham 50 mil assinantes! E essas pessoas podiam copiar os jogos do disco e mandar para amigos gratuitamente. Na Índia e no Paquistão, Dangerous Dave é mais popular que Doom, porque era instalado em todos os PCs vendidos por lá. Você não acredita a quantidade de e-mails que recebo de pessoas desses países falando de sua infância. 

Com alienígenas e heavy metal, Doom, de 1993, marcou uma era nos games Foto: idSoftware

O sr. sempre trabalhou com prazos muito rígidos. Hoje, um dos principais problemas da indústria de games é o “crunch”, que faz desenvolvedores trabalharem rotinas massacrantes, com muitas horas extras e assédio moral, para cumprir um prazo. Como vê a questão? 

É importante diferenciar as coisas. Se você está fazendo algo pelo qual é apaixonado, quer dedicar sua vida a isso, não há nada de errado em trabalhar demais. Não se fazem coisas grandes sem dedicação. Mas é diferente quando seu trabalho é apenas desenvolver um jogo. Se as pessoas não querem estar no trabalho quando deveriam estar em casa, no final de semana, elas não deveriam estar trabalhando. O crunch não é o melhor jeito de fazer um jogo. É preciso medir e planejar bem quais funcionalidades estarão no game e quanto tempo será gasto para criá-las -- e aos desenvolvedores, cabe ser transparente e comunicar quais são os progressos. E se parecer que todos estão com problemas, o melhor é adiar o lançamento do jogo e não comprometer a saúde do time. 

O que sr. tem feito recentemente? 

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O principal game que tenho trabalhado é Empire of Sin. É um jogo de estratégia e RPG sobre a Chicago dos anos 1920, situado na era da Lei Seca e da Máfia. Você precisa tentar dominar tudo na cidade, o que é o lado de estratégia, mas o combate e as interações lembram os jogos de RPG, você vai precisar conversar com as pessoas. 

E o que tem jogado recentemente? 

Hitman 2, é um dos meus jogos favoritos atuais. Gosto muito do último World of Warcraft e do último Hearthstone, e tenho também jogado muito Doom. Além disso, gosto de Drop 7, um game para celular que é bem divertido. 

E se só pudesse jogar cinco games pelo resto da sua vida? Quais seriam? 

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Minecraft, World of Warcraft, Doom. São jogos que não se encerram, eu poderia jogar esses três por toda a vida. É sempre possível fazer mais níveis de Doom, então eu nunca ficaria cansado. Além deles, levaria Ghost Recon, a primeira versão, porque é um game de tiro muito difícil e muito imprevisível. E eu adoro Fallout 4. 

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