Quem vai às festas da família Bushnell pela primeira vez pode ter duas surpresas: a primeira é ver o Nolan Bushnell, um senhor de 74 anos, requebrando ao som do hit dos anos 1980 “Flashdance” em frente a um videogame. A outra é saber que esse senhor é um dos responsáveis por iniciar a bilionária indústria com a qual se diverte.
Há 45 anos, o engenheiro criou um jogo simples de “tênis virtual”, o Pong. Primeiro game comercial da história, ele deu origem à Atari, também fundada em 1972. “É um jogo maluco, porque ele usa uma bola quadrada”, disse Bushnell, em entrevista exclusiva ao Estado. Em outubro, o “pai do Atari” virá ao Brasil para contar essa história, durante a 10ª edição da Brasil Game Show, principal feira de games da América Latina.
É uma trajetória tortuosa – para financiar o primeiro console da Atari, o Atari 2600, ele teve de vender a empresa para a Warner em 1976. Lançado em 1977, o console fez sucesso, mas a Atari parou de inovar, e não percebeu que seu mercado estava saturado – em 1983, ao insistir no erro, a empresa acabou falindo. “Se você parar de inovar, vai perder seu mercado. Foi o que aconteceu conosco.”. Nos anos 2000, a marca voltou ao mercado pela mão da francesa Inforgames.
Na entrevista a seguir, Bushnell fala sobre a Atari, pirataria, acesso a jogos antigos, e discute novidades como a realidade virtual – ele é dono de uma empresa que explora a tecnologia para “fliperamas”. “Hoje, ainda é uma tecnologia cara e com pouco conteúdo para as pessoas terem em casa”, avalia.
Games são hoje um negócio bilionário. Como é ser um pioneiro dessa indústria? Tenho muito orgulho. Consegui ter uma vida divertida e interessante graças aos games.
Qual é a diferença de fazer um jogo como Pong, nos anos 1970, e hoje em dia? Hoje é tudo muito mais fácil. Nós tínhamos muitas limitações lá atrás: Pong é um jogo maluco, porque ele usa uma bola quadrada! Era o melhor que nós conseguíamos fazer. Hoje, é possível criar jogos sozinho com uma complexidade muito grande. Pense em Minecraft, por exemplo. Ele foi criado na Suécia por um grande desenvolvedor, o Marcus Notch, e se tornou algo gigantesco.
Qual foi a decisão mais difícil que você tomou na Atari? A venda da Atari para a Warner. Criamos uma grande tecnologia para o Atari 2600, nosso primeiro videogame. Mas ele tinha componentes caros. Para ver nosso sonho no mercado, vendi a Atari a quem tinha recursos. Eu me arrependo até hoje dessa decisão, pois ela levou a uma série de erros. Era a opção que eu tinha.
Que erros foram esses? Criamos o mercado de videogames, mas depois paramos de inovar. No Natal de 1982, a Atari deveria ter criado um novo videogame, mas decidimos insistir com o Atari 2600 por mais um ano. O que não sabíamos, na época, é que o mercado estava saturado. Nós nos apressamos para lançar o jogo do ET a tempo do Natal, mas o jogo era ruim, e quase todas as cópias foram devolvidas. Logo depois, a Atari faliu.
Muita gente diz que o E.T. é o culpado pela falência da Atari. Não concordo. A Atari não foi vítima de um homicídio cometido pelo E.T. Ela se suicidou. A prova disso é que a Nintendo surgiu pouco tempo depois com uma tecnologia nova, superior, e conseguiu triunfar no mercado.
É comum no Brasil “piratear” games antigos no PC, nos chamados emuladores, para conhecer os jogos da Atari. O que você acha do assunto? Os emuladores infringem os direitos de propriedade intelectual, mas são úteis para quem não pode pagar por eles. Manter a cultura de games antigos é importante, mas precisamos achar um jeito de remunerar os criadores.
A Nintendo está relançando consoles antigos e a Atari terá uma versão retrô do 2600. É um caminho? Acho que sim. Os jogos daquela época eram muito bem construídos: como o hardware não era tão avançado, os jogos precisavam ser caprichados. Por isso eles ficaram no coração de muita gente. É como xadrez: é um jogo milenar, e quando eu jogo, gosto de usar peças de madeira. É a essência. Ter edições “retrô” dos videogames antigos é recuperar sua essência.
O sr. lançou em 2016 uma empresa de realidade virtual. É uma tecnologia que vai servir para todos os jogos? Ainda teremos a tela tradicional e o controle por muito, muito tempo. Hoje, realidade virtual ainda é uma tecnologia cara e com pouco conteúdo para as pessoas terem em casa. Ela vai chegar ao mercado da mesma forma que os videogames: primeiro, você vai pagar para jogar por quinze minutos, fora de casa, num fliperama. Depois, com a evolução da tecnologia, vai querer levar isso pra casa. É no que a minha empresa trabalha: em montar fliperamas de realidade virtual.
Como o sr. vê os jogos de hoje? Eu os adoro. Nas festas de família, jogamos Just Dance. Sou o melhor dançarino de “Flashdance”! Adoraria jogar [o game de tiro] Call of Duty, mas entro nas arenas e morro.
O que o sr. acha das competições de videogames, os eSports? É algo que me impressiona, bem como as corridas de drones. Uma corrida de drone é um videogame que virou real. E combates de robôs: adoro ver robôs se batendo! Acredito que é possível que esses esportes sejam tão importantes no futuro quanto os esportes tradicionais. Hoje, você vê jogadores de futebol porque gosta de dar dribles e se identifica com eles. O mesmo vale para quem cresce se identificando com os videogames.
Pong completou 45 anos em 2017, mas muita gente ainda diz que videogame é coisa de criança. O que o sr. pensa disso? Um dos maiores problemas que existem hoje na humanidade é deixar o cérebro envelhecer sem exercício. Os videogames são um dos melhores jeitos de exercitar o cérebro, sempre fazendo coisas diferentes. É uma arma contra o envelhecimento. Jogar é um ótimo jeito de cumprir aquele ditado “mente sã, corpo sadio”.
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