Um quarentão sozinho, em uma cidade com um bar, um cassino e uma discoteca, buscando desesperadamente… por sexo! Em uma época em que a pornografia não estava ao alcance de alguns cliques, a série de games Leisure Suit Larry fez a alegria safada de muita gente durante os anos 1980 e 1990. Mas, a despeito de seu sucesso e mais de 2 milhões de cópias vendidas, a energia cômica e sexual dos jogos não gerou sucessores – pelo menos é o que acredita seu criador, o game designer Al Lowe.
“Ninguém está interessado em fazer coisas novas, mas sim versões melhoradas de jogos que já fizeram sucesso. O problema é que uma piada contada três vezes não tem mais graça”, diz o americano, convidado da 12ª edição da Brasil Game Show, que acontece até amanhã em São Paulo – os ingressos para este final de semana já estão esgotados.
Ao Estado, Lowe diz não entender porque há tantos jogos com tiros, armas e bombas. “Nunca compreendi a fixação americana por violência e a censura quanto ao sexo. Deveria ser o contrário”, brinca ele, que começou a carreira com mais de 35 anos de idade, depois de ser professor de música nos EUA. “Por ser mais velho que todos, tentei fazer algo que não existia nos games naquela época, então busquei fazer comédia.”
Em uma entrevista de cerca de meia hora, Lowe fez a reportagem rir uma série de vezes. É um hábito que ele mantém até hoje: aposentado dos games há quase duas décadas, ele envia todos os dias uma newsletter com duas piadas a seus fãs. “Apenas uma delas é limpa”, diz. Na conversa a seguir, o game designer critica a relação entre Wall Street e o mundo dos games fala sobre como não se encanta mais pelos games de hoje. Ele também se declara um fã de adventures e do encanador Mario – e diz que apenas pessoas chatas têm medo de se aposentar. “A aposentadoria é como se todo dia fosse sábado”.
Leisure Suit Larry era um jogo bastante liberal – com um homem em busca de sexo. Seria possível lançá-lo hoje em dia?
Larry era um jogo de sua época. Os anos 1980 foram uma época difícil, conservadora e reprimida sexualmente. Havia a AIDS, essa doença que ninguém entendia. Eu cresci nos anos 1960, o amor livre era incrível. De repente, as pessoas morriam por transar. Hoje, seria um jogo ao mesmo tempo muito conservador e muito arriscado. Conservador porque hoje as pessoas têm acesso fácil à pornografia, então a excitação em torno do jogo que tinha esses elementos se foi. Ao mesmo tempo, os jogos hoje estão cada vez mais puritanos.
Como assim?
Acredito que tivemos muito progresso, não só em tecnologia, mas também em temas, durante os primeiros 20 anos dos games. Nos últimos anos, foi o contrário: evoluímos em gráficos, mas não em histórias. Quando comecei a criar jogos, nos anos 1980, eu buscava fazer algo diferente. Percebi que ninguém fazia comédia, embora ela estivesse na TV, no cinema e nos livros. Hoje, as empresas de jogos parecem querer criar apenas versões melhoradas de jogos que já fizeram sucesso. Só usamos as mesmas mecânicas, os mesmos truques de jogo, vinte vezes. É um problema: uma mecânica até pode ser reciclada, mas a mesma piada não pode ser contada três vezes. O humor vem do inesperado – e os games não foram nessa direção.
É engraçado, porque há muitos jogos de violência, mas poucos jogos que seguiram a linha de Larry…
Vamos falar a verdade: sexo é bem melhor do que matar pessoas. Nunca entendi a fixação americana por violência e a censura quanto ao sexo. Armas são boas, sexo é ruim? Deveria ser o contrário. Mas é bom dizer: eu também era pai. Quando criei esse jogo, em 1987, meu filho tinha 11 anos. Eu sabia que ele não deveria jogá-lo. Por isso, colocamos o selo “só para adultos” na caixa. Era só um aviso, mas foi uma ótima jogada de marketing: as pessoas compravam o game para ver “as coisas sujas” dentro dele. Também ajudou a pirataria, claro: houve uma época em que vendemos mais livros de dicas para passar as fases do jogo do que cópias do próprio jogo. Pelo menos lucramos um pouco com isso…
Você começou sua carreira tarde, aos 35 anos. Por que isso aconteceu?
Eu era professor de música e já tinha conseguido chegar ao teto do meu salário, mas ainda teria de trabalhar mais de 20 anos até me aposentar. Decidi arriscar: pedi uma licença da escola e tentei criar meus próprios jogos, eu amava computadores. Acabou dando certo – e hoje estou aposentado!
Deve ser um dos primeiros aposentados da indústria dos games…
Eu não me planejei para a aposentadoria, mas fiz bons investimentos. Wall Street é um lugar esquisito. Quando a Sierra abriu capital, os investidores não entenderam que a Sierra era uma empresa de entretenimento. Não é uma empresa de software, as duas coisas funcionam de forma bem diferente. Todo Natal, nossas vendas disparavam e Wall Street, ao ver os resultados, saía comprando ações. Elas subiam de valor, mas no trimestre seguinte, as vendas caíam – afinal, não era final de ano. Então as ações caíam. Consegui minha aposentadoria operando no sentido oposto: quando todo mundo se desfazia das ações, a gente comprava. Quando elas se valorizavam, a gente vendia.
Como aposentado, você aproveita seu tempo livre jogando?
Não! Eu amava videogames antes de começar a trabalhar com eles. Depois, passou a ser pesquisa de mercado. É aquilo: faça o que você gosta e nunca mais vai gostar de nada! (risos). Mas devo ser honesto: só trabalhei com o que gosto na vida. Fiz coisas que, mesmo que não me pagassem, eu teria feito do mesmo jeito. Mas a maior lição que deixo é que ninguém te conta como a aposentadoria é incrível. Muita gente me diz que ficaria entediada com tanto tempo livre. É porque são pessoas chatas. A aposentadoria é como se todo dia fosse sábado!
Se fosse para uma ilha deserta, quais seriam os cinco jogos que levaria?
Dos meus jogos, eu levaria Leisure Suit Larry 7: Love For Sail! É o jogo que eu mais me orgulho da série, até porque tinha música. Não era MIDI, aquele som de tecladinhos, mas sim música de verdade. Sempre fui um grande fã de Loom, de Brian Moriarty. É um jogo de aventura dos anos 1980, incrível. Não é um jogo normal, mas é muito excitante e tem ótimas metáforas. Eu sempre gostei muito dos jogos de adventure, então levaria qualquer um da série Quest. Joguei muito Mario nessa vida, como Mario Kart e Mario 64, por exemplo. E eu sou um grande fã de Monkey Island, de Ron Gilbert. Se eu estiver indo para uma ilha, óbvio que tenho de levar Monkey Island.
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