Ao som de O Pai Tá On, de MC Kekel, Neymar iniciou sua primeira transmissão na Twitch, plataforma de streaming da Amazon, e ao longo dela atingiu picos de mais de 110 mil espectadores enquanto disputava partidas dos games CS:GO e Among Us. A live, que aconteceu no dia 1º de outubro, foi a estreia do astro do Paris Saint-Germain como streamer de games. “Live todo dia não vai ter, mas vou começar a fazer de vez em quando (...) Quem sabe não vira uma rotina”, disse aos fãs durante a transmissão.
Um tanto menos famosa que a de jogador de futebol, a profissão de streamer de games tem crescido cada vez mais e derrubado estigmas, muito em conta da divulgação feita por celebridades como Neymar e da ascensão de streamers conhecidos. Entre eles, está Gabriel ‘Alfeim’, criador de conteúdo online que, para definir seu nome artístico, se inspirou em Álfheim, um dos mundos da mitologia nórdica.
Depois de ter trancado a faculdade de administração e deixado o emprego em uma clínica hospitalar, o sul-mato-grossense de 21 anos passou a se dedicar exclusivamente ao streaming de games em 2019, quando fechou contrato de exclusividade com o Facebook, plataforma onde tem mais de 350 mil seguidores. Por mais que também tenha admiração por streamers da Twitch, como Alanzoka, Jukes e YoDa, a principal referência que o fez optar por fazer lives no Facebook foi o streamer Gordox, parceiro da rede que coleciona mais de 2 milhões de seguidores.
De uns anos para cá, o Facebook — ou mais especificamente a seção Facebook Gaming — tem investido continuamente na área dos e-games para rivalizar com o YouTube e a Twitch, considerada a pioneira no mercado de transmissão de jogos online. Comprada pela Amazon em 2014, além de figuras famosas como Neymar, a Twitch também é uma grande porta de entrada para nomes como o paulistano Matheus ‘Momoa’, streamer iniciante que há dois meses tem investido em sua profissionalização na área.
Aos 21 anos, o estudante de design digital tem toda a identidade visual de seu canal inspirada em Jason Momoa, ator conhecido por ter protagonizado o filme Aquaman e participado da série Game of Thrones. Com mais de 300 seguidores, o ‘Momoa’ dos streams conta que pretende investir na recorrência das transmissões para, depois de formado, se dedicar exclusivamente ao streaming — plano que o fez firmar contrato inclusive com uma assessoria direcionada a profissionais da área.
Por ser uma carreira que ainda gera dúvidas, principalmente sobre atuação, remuneração e rotina, elaboramos um material completo, respondendo algumas das principais perguntas sobre a profissão de streamer.
O que é streamer e como é a rotina da profissão?
Streamer é o profissional que trabalha com livestreams — ou seja, transmissões ao vivo — pela internet. Partindo dessa definição, um dos mais importantes segmentos da ocupação é o streamer gamer, que se refere a profissionais que criam conteúdos sobre games em suas redes e trabalham com a transmissão de partidas online de jogos como Free Fire, CS:GO, Fifa, entre vários outros.
Para gerar engajamento dos espectadores, os streamers definem uma rotina de transmissões, que pode ser diária ou em dias espaçados, e divulgam quais jogos e em qual horário vão fazer suas lives. Nesse contexto, há streamers que fazem mais de uma live por dia e também aqueles que chegam a transmitir por dez ou mais horas diárias, dividindo até mesmo o momento do almoço com os espectadores. Um dos mais famosos streamers brasileiros, Alexandre ‘Gaules’ faz lives na Twitch diariamente.
Há também os que, como Neymar, investem em lives esporádicas, como foi o caso da congressista americana Alexandria Ocasio-Cortez, popularmente conhecida como AOC, que fez sua estreia na Twitch no dia 20 de outubro e atingiu picos de mais de 400 mil usuários assistindo simultaneamente:
O que os streamers jogam?
Em relação aos jogos, as escolhas também são bastante variadas — podendo contemplar desde Fifa a Dota 2, por exemplo. Se, em sua primeira live, AOC optou por Among Us, Matheus ‘Momoa’ conta que seu foco é em jogos de FPS e de sobrevivência. Geralmente, o streamer transmite partidas de Call of Duty: Warzone, Apex Legends, Rocket League, entre outros games que fazem sucesso entre seus espectadores.
Já Gabriel ‘Alfeim’ costuma jogar os games Battle Royale, Free Fire, que faz bastante sucesso no Facebook, League of Legends, Minecraft, PUBG e, mais recentemente, Among Us. Além da transmissão dos jogos, outras categorias que vêm crescendo entre os streamers gamers são o ‘just chating’, em que o criador de conteúdo fica interagindo com os espectadores, e os ‘reacts’, em que os streamers reagem a eventos específicos — como vídeos, programas de televisão e seriados.
Por que um youtuber não necessariamente é um streamer?
Ainda que seja frequente a confusão entre streamers e youtubers, uma coisa não necessariamente leva a outra. Isso porque o termo youtuber é utilizado para quem publica vídeos no Youtube, ação que até é adotada por muitos streamers. Independentemente de onde transmitem suas lives, uma prática comum é publicar conteúdos editados com cenas das transmissões — como se fosse um vídeo de melhores momentos de uma partida de futebol.
Já o termo streamer é específico para quem faz lives. Se um criador de conteúdo posta vídeos de seus jogos no Youtube, mas não faz lives em nenhuma das plataformas, ele não pode ser considerado um streamer. “A maior diferença de streamer e youtuber é o tipo de interação com os seguidores. O streamer tem contato com espectadores em tempo real. Pode conversar com os espectadores cara a cara, no tempo em que as coisas estão acontecendo”, explica Matheus ‘Momoa’.
Qual é a diferença entre um streamer amador e um profissional?
Ainda que não haja uma definição clara sobre as diferenças entre streamers amadores e profissionais, os critérios mais utilizados para diferenciá-los são os seguintes:
- Se o streamer trabalha exclusivamente para isso e gera receita com as transmissões, ele é considerado profissional. Se transmite apenas como uma atividade auxiliar, é visto como amador;
- se o streamer produz conteúdos com recorrência e gera engajamento relevante, ainda que não gere um lucro considerável, é tido como profissional. Se não, é visto como amador.
Para além desses critérios, também há casos em que o jogador de e-games é profissional — disputando campeonatos de Call of Duty: Warzone ou League of Legends, por exemplo —, mas ainda assim não trabalha com o streaming recorrente de suas partidas. Ou seja, a definição do que é um streamer profissional varia de acordo com cada caso.
“A dedicação de um streamer profissional para um amador talvez nem mude tanto. Querendo ou não, o streamer amador às vezes quer tornar as livestreams como profissão”, destaca Matheus ‘Momoa’. Segundo ele, independentemente se é ou não profissional, “você tem que olhar para aquilo sendo seu trabalho”, o que seria fundamental para a evolução da carreira.
O que é necessário para ser um streamer e fazer transmissões ao vivo de qualidade?
Para fazer um streaming, os principais fatores são a qualidade da internet (o que inclui velocidade e estabilidade), do computador em que se roda os jogos (principalmente se a intenção for jogar um game mais pesado) e do microfone pelo qual se capta a voz do streamer, fator que, segundo Matheus ‘Momoa’, é até mais preponderante que a webcam — já que uma transmissão com a imagem do streamer comprometida não atrapalha tanto a interação com os espectadores.
“Com meu primeiro emprego, a primeira coisa que eu fiz foi juntar dinheiro para comprar um computador. Depois, quando comecei, a internet me impediu, porque você tem que ter uma internet muito boa”, conta Gabriel ‘Alfeim’, que fez sua primeira live no final de 2017 e demorou cerca de um ano e meio para “emplacar”. Segundo o gamer, ainda que não seja necessário ter tudo para começar, é importante saber respeitar as próprias limitações para planejar as livestreams, entender que a profissão ainda é alvo de preconceitos e ir construindo a relação com os espectadores dia após dia.
Como os streamers ganham dinheiro com as transmissões ao vivo?
De acordo com Matheus ‘Momoa’, as principais opções de monetização dos canais são as seguintes:
- Inscritos: frequentemente confundidos com os seguidores, os inscritos, conhecidos também como subs ou subscriber, são usuários que assinam um canal pelo período de um mês para assistir às transmissões sem interrupção de anúncios e colher benefícios exclusivos, que variam de acordo com o que cada streamer oferece. É uma alternativa paga, que destina uma parcela do valor ao streamer e outra à plataforma. O valor mínimo para um usuário se inscrever em um canal na Twitch é de U$ 4,99 por mês;
- bits: moedas que podem ser direcionados aos canais e, dessa forma, gerar renda aos streamers;
- doações: dinheiro que vai direto para o streamer sem a plataforma ficar com uma parcela. Em geral, os streamers colocam os links diretos para receberem doações e oferecem recompensas.
Além dessas alternativas, há também a opção de monetizar o canal por meio de anúncios, o que pode ser feito manualmente, com parcerias para divulgar produtos ao longo das transmissões, e por comissões de receita de anúncios destinadas pela Twitch aos afiliados. Os streamers também podem ganhar dinheiro por patrocínio de marcas ou pela venda de jogos, divulgando links de jogos específicos que, caso comprados pelos usuários, acabam destinando uma comissão aos divulgadores.
Em geral, as outras plataformas seguem a mesma lógica para a monetização, mudando apenas os nomes. No Youtube, que também permite doações e anúncios, o inscrito se chama membro do canal. Já no Facebook, os bits se chamam estrelas e o inscrito recebe o nome de apoiador. Segundo explica Gabriel ‘Alfeim’, a plataforma ainda firma contratos de um ano pagando de U$ 500 a U$ 1000 por mês na parceria mais básica com os streamers, o que também acontece com a Twitch, que tem diferentes níveis de afiliados e parceiros.
Quais termos são importantes para entender o universo dos streamers?
Listamos alguns dos termos que geram mais dúvidas na comunidade de streamers:
- Subs: são os inscritos na Twitch. Elas pagam um valor e ficam um mês como inscritos no canal, podendo renovar continuamente;
- tier: são os níveis de inscrição dos subs, que variam de acordo com a assinatura escolhida para se tornar inscrito de um canal. Na Twitch, há três níveis, chamados tier 1, tier 2 e tier 3;
- bits: moeda virtual da Twitch;
- donate: fazer doações aos streamers;
- chat: aba de comentários, onde normalmente os espectadores interagem entre eles e com o streamer;
- gunk: quando um streamer finalizar a live, ele pode ‘gunkar’ (ou seja, direcionar) seus espectadores para a live de um outro streamer parceiro. Isso pode ser feito na Twitch por meio das opções de raid, quando os usuários são “jogados” para outro canal, ou host, quando o canal que está encerrando a live passa a hospedar uma outra live;
- networking: o termo é utilizado no nicho para fortalecer conexões entre streamers e aumentar a autoridade dos canais nas plataformas;
- views: visualizações das lives;
- hype: termo que faz referência games que estão em alta e, normalmente, são jogados por muitos streamers;
- squad stream/mutual stream: quando vários streamers disputam um game online e transmitem de forma simultânea, cada qual com sua perspectiva do jogo. Na Twitch, existe um comando que permite que o espectador assista a essas lives ao mesmo tempo;
- insígnia: símbolo que aparece ao lado do nickname dos usuários que estão inscritos nos canais.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.