Spider-Man: Miles Morales: venha pelo herói, fique pela história

Game de estreia do PlayStation 5 mostra poucas novidades em termos de jogabilidade, mas tem história que traz frescor ao gênero com diversidade

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Foto do author Guilherme Guerra
O jogo é uma sequência direta de Marvel's Spider Man, um dos melhores jogos exclusivos de PlayStation 4. Foto: Reprodução/YouTube

Introduzido nas histórias em quadrinhos em 2011 como uma nova identidade do Homem-Aranha, Miles Morales fez uma participação bastante especial no jogo mais recente do herói para o PlayStation 4, Spider-Man, lançado em 2018. A presença do personagem – um adolescente negro do bairro do Harlem, em Nova York – deixou um gostinho de quero mais para muitos fãs. E deixou também uma pergunta: afinal, como seria um jogo só com Miles? Lançado recentemente para o PS4 e também como jogo de estreia do PlayStation 5, Spider-Man: Miles Morales responde isso com sucesso. 

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Antes de avançar, é bom avisar: este é um jogo curto e que, de certa forma, parece um DLC (conteúdo extra) caro – afinal, custa pelo menos R$ 250. Mas, no tempo em que dura, é um jogo muito divertido, tal qual seu antecessor, trazendo gráficos incríveis de uma Nova York sob a neve. O maior destaque, porém, é a diversidade: com um núcleo de personagens cheio de latinos, negros e asiáticos,  a trama que acompanha Morales traz frescor às histórias de heróis (quase sempre todos brancos), contadas repetidamente nas mais diversas mídias nos últimos anos.

Nesta continuação, o pulo do gato (ou da aranha?) da produtora Insomniac é reconhecer que Parker e Morales são personagens diferentes. Logo, não faz sentido repetir a mesma fórmula grandiosa do game de 2018, com meia dúzia de vilões, dezenas de missões secundárias e reviravoltas na trama. A empresa também reconhece que conhecemos de trás para frente a história de Peter Parker (com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, certo?), mas não a de Miles Morales. Por isso, a Insomniac faz questão de apresentar quem é Morales, com bastante razão. Ou seja: faz sentido seguir o beabá da narrativa do herói aqui.

Mais do mesmo

A história é simples e tem um quê de “dèja vu”, mas isso não é necessariamente ruim. Um ano e meio após os eventos com o Bafo do Diabo e o Doutor Octopus, Peter Parker deixa Nova York para uma viagem de férias com Mary Jane Watson. A metrópole americana, então, fica aos cuidados de Morales. Logo no início do jogo, o herói descobre um poder importante: a bioeletricidade, que lhe permite dar poderosos choques elétricos nos inimigos.

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Assim como a trama, a jogabilidade também não é muito cheia de floreios. São basicamente os mesmos comandos do Homem-Aranha de 2018, com a adição das habilidades de biochoque e, mais para frente no jogo, de invisibilidade. A novidade não é exatamente boa, porque deixa alguns combates tediosamente fáceis, principalmente nas missões furtivas (stealth, no jargão mais usado em inglês). Por conta disso, a graça das missões fica bem aquém dos modos furtivos de jogos similares, como a série Batman: Arkham (2009-2015). 

No modo de combate, as finalizações em inimigos são especialmente divertidas, abusando da flexibilidade do personagem para socar capangas das mais diversas formas – as possibilidades podem variar conforme os diversos trajes desbloqueados ao longo do jogo.

Ao mesmo tempo, Spider-Man: Miles Morales se aproveita do fato de que o personagem principal é inexperiente, mas leve e ágil. Por isso, é legal notar como, ao contrário do mentor mais velho, o Aranha balança sobre os arranha-céus de Nova York de maneira muito mais dinâmica. E, não à toa, o herói desequilibra-se (mas não cai!) quando para sobre o parapeito de um prédio, como se ainda não tivesse noção o suficiente do seu peso. É o tipo de coisa que, apesar de pouco alterar a história, confere mais uma camada de desenvolvimento para o personagem.

Os melhoramentos e gadgets do novo Aranha são bem limitados. Quando incrementados até o nível mais alto, as lutas ficam ainda mais fáceis. Talvez valha a pena jogar no modo mais alto de dificuldade para que apresente algum desafio ao jogador.

Além disso, o mundo de Spider-Man: Miles Morales é menor que o de Spider-Man. O jogo continua a usar o mapa real da cidade de Nova York como base, mas há muito menos missões principais e secundárias, o que torna o tempo de jogatina mais enxuto. No total, são cerca de 7 a 9 horas na história principal, ante 15 a 20 horas do antecessor de 2018, de acordo com o site How Long To Beat. Se quiser completar o jogo, as missões secundárias também não são muito desafiadoras e levam pouco tempo para serem zeradas. 

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Diversidade é o ponto alto

Apesar de ser um jogo menor e com poucas novidades na jogabilidade, Spider-Man: Miles Morales traz uma grande novidade, bastante visível: este é um herói negro de origens latinas. E grande parte da ação se passa no Harlem, bairro ao norte da ilha de Manhattan, em Nova York, o que já difere e muito das principais histórias contadas anteriormente. Além disso, há uma personagem surda-muda (uma das mais simpáticas, aliás) e há um casal de lésbicas, amigas do protagonista.

Isso pode parecer informação pequena, mas, dado o alcance mundial que um super-herói do calibre do Homem-Aranha tem, é um passo gigantesco.

Esse discurso pró-diversidade não é só enfeite. Cada personagem ganha o devido espaço para aparecer na história, que é bastante delicada e sensível sobre as visões políticas e econômicas sobre o Harlem. Aliás, as discussões entre “mocinho” e “bandido” são muito mais cinzentas do que se espera do dualismo de um jogo de super-heróis.

Há também detalhes que podem enfurecer o pessoal anti-diversidade, como um mural de grafite e traje próprios em homenagem ao movimento americano Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, aqui no Brasil), ou uma bandeira da diversidade sexual hasteada na janela de um prédio no Harlem.

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É interessante perceber que a equipe de animação também caprichou na renderização dos cabelos dos personagens negros, que têm movimento, textura e brilho. É algo que muitos criadores ignoram na hora de transpor traços de pessoas negras em games.

Enfim no século 21

Spider-Man: Miles Morales parece ser um dos poucos games que saíram do século 21 de fato, ao contrário de muitos jogos de prestígio nos últimos anos que continuam trazendo protagonistas brancos ao lado de coadjuvantes multiétnicos sem muito destaque.

Não é um jogo que procura “lacrar” ou preencher requisitos de diversidade ao léu, sem preocupação com o impacto que a representatividade tem sobre a população, em especial sobre crianças. Ao contrário, o jogo sabe da importância de pintar os videogames com mais tons e faz isso sem cair em lugares-comuns da agenda da diversidade, como o preconceito. É tudo muito natural, como estes tempos deveriam ser.

Em alguns anos, talvez este Miles Morales possa servir como ponto de partida para uma a nova geração de games que chegam ao mercado. Ao que parece, há público para jogar essas novas histórias, mesmo que a jogabilidade seja um mais do mesmo. 

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