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Governo sanciona MP que cria Autoridade Nacional de Proteção de Dados

Vetado por Michel Temer por razões burocráticas, órgão terá a missão de garantir a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)

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Por Bruno Capelas e Renato Ghelfi
A lei brasileira de proteção de dados pessoais regulamenta a forma como os dados pessoais de brasileiros podem ser usados por empresas e órgãos do governo Foto: Gabriela Biló/Estadão

O presidente Jair Bolsonaro converteu em lei a medida provisória que recriou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que tinha sido vetada na gestão de Michel Temer

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O novo órgão estatal terá o desafio de garantir a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entra em vigor em 2020 e estabelece uma série de regras para o tratamento das informações de particulares por entes públicos e privados no Brasil. A nova lei veio publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta terça-feira, 9, com 14 vetos – alguns deles, segundo especialistas ouvidos pelo Estado, enfraquecem a recém-criada Autoridade. 

Será da ANPD a tarefa de averiguar, por exemplo, se empresas do ramo de tecnologia, como redes sociais, informam os usuários e obtêm o consentimento destes antes de manipular informações pessoais. A agência, que inicialmente será vinculada à Presidência da República, também terá o papel de aplicar sanções a quem cometer infrações. 

No entanto, um dos vetos de Bolsonaro é o de não permitir, em caso de reincidência ou infração grave que a agência suspenda ou proíba o uso de banco de dados por quem cometer abusos. Além disso, outro veto determinou que o poder público – um dos principais usuários de dados pessoais – não poderá ser punido se descumprir a lei. “É uma mudança profunda, que impacta diretamente a atuação da autoridade”, diz Pablo Cerdeira, diretor do Centro de Tecnologia para o Desenvolvimento da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ). 

Na visão de Bruno Bioni, professor do Data Privacy Brasil, a redução das sanções tem impacto negativo para o País. “Do que adianta a lei ser boa se o arranjo institucional para a fiscalização não é”, questiona o especialista. Outro veto que chamou a atenção de Bioni é o que não permite à ANPD cobrar taxas e emolumentos por consultas feitas por empresas – o que, em sua visão, permitiria à autoridade ter maior independência e poder de fiscalização, como acontece em autarquias como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). “É algo que reduz o poder financeiro da ANPD, algo que seria importante para sua autonomia”, diz. 

Além disso, também houve veto à obrigatoriedade de que decisões tomadas por algoritmos teriam de ser revisados por pessoas naturais – o argumento é de que isso poderia prejudicar os modelos de negócios de empresas de tecnologia e startups, especialmente na área de inteligência artificial. Também ficou de fora do texto da lei um artigo que trazia requisitos específicos para o cargo de Data Protection Officer (DPO), profissional que será encarregado de cuidar da proteção de dados em empresas e enviar relatórios à ANPD sobre o tema. 

Outro ponto que foi vetado foi aquele que protegia os dados pessoais de requerentes de acesso à informação, uma demanda da sociedade civil, mas que também havia sido vetada por Temer ao sancionar a LGPD. Os vetos ainda podem ser derrubados pelo Congresso. Além disso, será necessário um decreto para estruturar a ANPD, bem como a indicação dos diretores do órgão e subsequente sabatina no Senado Federal. 

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Lei brasileira terá funcionamento parecido com a Europa

Na Europa, onde vigora a Regulação sobre Proteção Geral de Dados (GDPR, na sigla em inglês), legislação bastante parecida com a LGPD, o Google foi multado em € 50 milhões, no começo deste ano, depois que a Justiça da França considerou que a empresa não era transparente com os usuários sobre o trato dos dados pessoais.

Elogiada por especialistas do setor, a criação da ANPD não fica imune a críticas. Um dos pontos questionados é a vinculação do órgão público à Presidência da República, que deve vigorar ao menos em um primeiro momento. 

“A lei prevê que a ANPD começa como parte da administração pública direta, mas poderá ser desvinculada da Presidência em um período de dois anos. O ideal seria se a autoridade de dados já fosse criada nos moldes do Cade, da Anatel ou de alguma outra agência regulatória, com maior autonomia técnica e orçamentária”, diz Renato Leite Monteiro, professor do Data Privacy Brasil. 

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Ele afirma que mais de 100 países com leis de proteção de dados contam com agências reguladoras autônomas em relação ao governo. “É um ponto fundamental para que a lei funcione”.

O tamanho da estrutura prevista para a autoridade de dados também preocupa os especialistas. O texto da MP cita a criação de um Conselho Diretor para a ANPD, com cinco membros, e do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade, com 23 integrantes. Além disso, indica de maneira genérica que o órgão público contará com uma Corregedoria, uma Ouvidoria, uma área própria de assessoramento jurídico e unidades “necessárias à aplicação do disposto na lei”. 

Para Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito Digital da Damásio Educacional, é importante que a ANPD tenha escritórios espalhados pelo país e uma equipe qualificada. “Orientar, fiscalizar e impor multas em todo o Brasil não é algo simples. A princípio, a medida provisória garante uma equipe enxuta para realizar essas tarefas, é necessário que o governo vá além”, afirma.

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Desafio para o setor privado

Também há incerteza em relação à abordagem da autoridade de dados com as centenas de empresas que estarão submetidas às novas regras. “Há algumas dúvidas sobre qual será a forma de agir da ANPD. Imaginamos que, em um primeiro momento, a atuação seja mais baseada em denúncias do que na fiscalização, até porque a ANPD ainda estará se estruturando”, diz Adriana Rollo, associada da área de TI do Veirano Advogados. 

A lista de sanções previstas na LGPD inclui a multa de até 2% do faturamento para as pessoas jurídicas que desrespeitarem às novas regras. Segundo Adriana, boa parte do setor privado ainda está se adequando às exigências da LGPD. A nova lei, diz ela, demanda mudanças no tratamento de dados de clientes e funcionários, o que afeta desde o setor de recursos humanos até a direção das empresas. “Temos um ano até a entrada em vigor da lei, ainda há tempo para resolver eventuais pendências”. / COLABOROU LUCI RIBEIRO, DE BRASÍLIA

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