"Tecnologia não é boa ou ruim, ela simplesmente avança e nada pode ser feito para impedir isso". Foi o que me disse Joi Ito, diretor do Media Lab, centro de tecnologia e mídia do prestigioso Massachussetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, quando o entrevistei para o Link há cerca de um ano. Me lembro toda hora dessa frase. Quando leio que um taxista agrediu um motorista do Uber, por exemplo, ou que um ministro defendeu as teles contra o WhatsApp.
O ímpeto de frear a roda da inovação deve existir desde que inventaram a própria roda. É bem provável que naqueles tempos neolíticos havia uma classe de carregadores de coisas para quem aquele facilitador de movimento representou uma ameaça. No século 19, período onde a vida se tornava irreconhecível graças à revolução industrial, o movimento ludista saiu quebrando máquinas de costura. Existem muitas máquinas de costura hoje: a internet, o smartphone, os aplicativos. Para muitos, são invenções que estão estragando o mundo.
Há também muitos autores pessimistas que, embora não sejam contra a tecnologia em si, atacam o rumo que ela tomou. Entre eles, está o músico e cientista da computação Jaron Lanier, autor de Gadget - Você Não é um Aplicativo!, e Andrew Keen, que escreveu The Internet is not the Answer.
É inegável que, ao se deparar com mais um caso de pornô de vingança ou a espionagem promovida por governos, é tentador pensar que estamos indo todos para um abismo distópico, onde a vida é guiada por algoritmos e as relações humanas ficaram obsoletas.
Mas isso não é a tecnologia sendo má, e sim o ser humano por trás dela. Corrijam o ser humano antes de pensar em obstruir o caminho da tecnologia. Adaptando a frase de Ito, a tecnologia não é boa nem ruim, e sim o uso que você faz dela.
A tecnologia cria oportunidades e promove melhorias. Já contei aqui a história dos cinco empreendedores do Recife que criaram o aplicativo Colab, onde cidadãos podem reportar problemas de sua cidade. Mas poderia também falar da ONG Enabling the Future, que está enviando próteses feitas a partir da impressão 3D para crianças que perderam as mãos em todo o mundo. Ou ainda lembrar do papel fundamental que o celular teve em facilitar o acesso de populações na África a remédios e médicos.
Em quatro anos de trabalho no Link, dois como repórter e dois como editor, convivi diariamente com esses muitos aspectos da tecnologia e suas interações com a cultura e a sociedade. Com distância e equilíbrio, a postura da editoria sempre foi de retratar e analisar a tecnologia sem deslumbre nem preconceito. Mais do que gostar da tecnologia em si, acredito que a pegada do Link sempre foi gostar do que a tecnologia permite fazer.
Nesse tempo, eu e meus colegas abordamos assuntos tão diversos como legislação, música, televisão, mobilidade urbana, política internacional, comportamento, educação, segurança, negócios e empreendedorismo. Foram quase 200 edições do Link às segundas-feiras, além de centenas de contribuições para o caderno de Negócios do jornal.
Com esta edição, encerro meu ciclo no Link e no Estadão, como editor e colunista. Agradeço a todos com quem trabalhei e a quem nos acompanhou do outro lado do papel e da tela.
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