A quarentena forçou muita gente a ficar em casa, o que acabou impulsionando alguns novos hábitos. Reformas e investimentos no lar ganharam força - afinal, a casa virou também escritório e escola. Ao mesmo tempo, o comércio online foi impulsionado. Não é coincidência, portanto, que o primeiro ‘unicórnio’ brasileiro de 2021 esteja ligado a esses dois novos hábitos. Especializada em venda online de material de construção e móveis, a startup curitibana MadeiraMadeira anuncia nesta quinta, 7, que o seu valor de mercado superou a marca de US$ 1 bilhão, após receber um aporte de US$ 190 milhões.
A rodada foi liderada pelo conglomerado japonês Softbank, que já havia investido R$ 110 milhões na empresa em 2019, e pela gestora de fundos de ações Dynamo. Participaram também Flybridge e Monashees, que já haviam feito aportes na empresa em rodadas anteriores, além de VELT Partners, Brasil Capital e Lakewood Capital. Essa foi a quinta rodada de investimentos da MadeiraMadeira, que acabou transformando a startup no 14º unicórnio brasileiro.
“A janela de oportunidade para o investimento era positiva. Em um cenário assim, é preciso ficar atento para que outros competidores não passem na frente”, explica ao Estadão Daniel Scandian, cofundador e CEO da MadeiraMadeira. “Iniciativas que desenvolvemos, como o braço logístico, deram certo e decidimos acelerar as apostas. Investimentos que seriam feitos em três anos caíram para um”, diz.
Fundada em 2009, a startup teve um ano bastante agitado em 2020. A companhia aumentou as vendas em 120% no ano - após queda de 50% em março, a startup teve um salto de 250% nos negócios em abril. Com isso, o time também dobrou. No começo de 2020, o quadro tinha 600 funcionários - terminou com 1.300. O objetivo da startup é chegar ao final de 2021 com 2.700 contratados. Outros números do ano passado que também orgulham o executivo são as inaugurações de dez centros de distribuição e de nove lojas físicas.
“Esse investimento na MadeiraMadeira aconteceria independentemente da pandemia, pois a empresa já vinha apresentando bons números”, diz Paulo Passoni, sócio do Softbank na América Latina. “O mercado em que eles atuam ainda está no começo. Ele ainda é extremamente ineficiente. O relacionamento entre os fabricantes e o consumidor demora e o preço é alto. É isso que estamos tentando mudar com a MadeiraMadeira”, diz.
Inspiração
Para o consumidor, uma das coisas que chama a atenção na startup é o fato de que ela oferece produtos, principalmente móveis, com preços baixos - uma escrivaninha pode custar a partir de R$ 110. Na plataforma, existem tanto vendas diretas como um marketplace. Scandian não entrega todo o segredo de como isso é possível, mas dá algumas pistas.
“Trabalhamos com margens magras e economia de escala. Todos os ganhos que temos na cadeia repassamos ao consumidor. Temos metas internas para sempre reduzir os custos”, diz. É uma visão que lembra a de alguns fabricantes chineses de smartphones, como a Xiaomi, que se popularizaram recentemente por dispositivos bons e baratos. A inspiração para Scandian, porém, é mais antiga: “Queremos ser o que o Walmart foi nos anos 1970 e o que a Amazon foi na década de 1990”.
“O modelo da MadeiraMadeira também está ligado a comercializar diretamente o estoque dos fornecedores, o que reduz o número de ‘mãos’ na cadeia. Além de reduzir custos, é um formato que se encaixa bem no mundo de pandemia”, explica Guilherme Fowler, professor do Insper. De fato, o braço logístico da empresa deverá ser um de seus diferenciais.
“Móveis não navegam na mesma malha que, por exemplo, uma caixa de tênis. Ítens grandes e pesados precisam de uma rede de distribuição diferenciada. É isso que permite à Madeira Madeira competir com os grandes nomes do comércio eletrônico. O foco deles não é esse”, diz Passoni.
Investimentos
A melhoria da logística de produtos está altamente ligada a um dos pontos de atenção da startup depois do investimento: melhorar a experiência do cliente. Recentemente, a MadeiraMadeira passou por uma situação incômoda. No final de dezembro, a jornalista Vera Magalhães publicou no Twitter reclamações sobre uma compra feita na MadeiraMadeira que supostamente não teve seu prazo de entrega cumprido. O barulho nas redes sociais chegou até a Scandian.
Sem citar a jornalista, ele disse: “Recentemente, tive uma aula com a Luiza Trajano, do Magazine Luiza. Ela me ligou após um problema com um cliente que temos em comum. Foi um puxão de orelha para entender o quanto o cliente é importante. Rapidamente, montamos um plano de trabalho agressivo para 2021”, diz ele.
Os especialistas também enxergam a satisfação do cliente como o grande desafio da empresa a partir de agora. “O desafio de qualquer e-commerce é como chegar até o consumidor. Com o crescimento, a escala aumenta, o que também aumenta as chances de problemas ocorrerem”, diz Felipe Matos, presidente eleito da Associação Brasileira de Startups (ABStartups) e colunista do Estadão. “Para um influenciador, é mais fácil reclamar, mas precisa funcionar para todo mundo”, diz.
Para o Softbank, é possível reduzir o tempo de entrega de produtos grandes de duas semanas para cinco dias - ou até dois em cidades como São Paulo.
Entre os outros investimentos que a empresa fará com o novo aporte estão: reforçar sua marca própria de móveis, aumentar a presença física e fazer aquisições de outras startups - um time interno já foi criado para avaliar possíveis negócios. Sobre o primeiro item, a MadeiraMadeira se inspira na sueca Ikea, que oferece o chamado “design democrático”, produtos atraentes por preços baixos.
Já em relação às lojas físicas, o formato adotado é o de “guide shop” - espaços pequenos que permitem conhecer ao vivo alguns produtos e fazer encomendas online. Scandian diz que a pandemia ainda não permitiu explorar todo o potencial desses espaços que, segundo ele, tendem a crescer. Por outro lado, Passoni lembra que o contexto de pandemia permite negociar aluguéis mais baratos.
Abertura de capital
Após virar unicórnio, Scandian admite que espera abrir o capital da companhia em algum momento. A escolha dos investidores na nova rodada é uma indicação. “Os novos investidores têm um perfil voltado ao mercado público de ações. Eles são investidores de mercado público com um pé no investimento privado - a ideia é orientar os passos até a abertura de capital.Eles podem nos orientar da mesma maneira que fizeram os primeiros investidores da companhia”.
Ele, porém, não estima uma data para que isso ocorra. “Com essa nova captação, precisamos focar na execução e no retorno, o que nos tornará uma empresa mais sólida e maior. Queremos abrir o capital quando tivermos as nossas iniciativas mais provadas. Estamos montando um time para fazer o IPO em algum momento. E ele poderá acontecer tanto no Brasil quanto fora”, diz.
Para Felipe Matos, a consolidação da MadeiraMadeira é também positiva para o ecossistema brasileiro de startups. “Começamos a ver os unicórnios brasileiros diversificando o perfil, saindo das fintechs”, diz - ele faz referência ao fato de que a maioria das startups nacionais mais valiosas são bancos digitais, como o Nubank, ou trabalham com crédito, como a Creditas. “Podemos gerar valor fora de um segmento específico. E isso é uma boa notícia”, diz.
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