Novas startups de mobilidade investem em venda direta ao consumidor

Movimento vai na contramão dos mercados europeu e americano para a retomada pós-pandemia, onde a micromobilidade é uma das grandes apostas para 2022

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Foto do author Guilherme Guerra
Atualização:

Quem anda pelas ruas das principais capitais brasileiras percebe que o cenário está menos colorido, sem os patinetes e as bicicletas amarelas e verdes estacionados pelas calçadas. Os veículos da Yellow, que se tornou Grow após uma fusão com a mexicana Grin, sumiram do mapa, assim como os modais de empresas como Scoo e Lime. Porém, após uma sequência de quedas, surge agora uma nova geração de startups de mobilidade no Brasil que nasce alheia ao modelo de compartilhamento de veículos.

A nova leva de “mobitechs” (as startups de mobilidade, no jargão do setor) aposta em venda direta ao consumidor, fretagens de ônibus, uso intensivo de dados para escapar do trânsito e, por que não, em carros voadores. 

Considerados o futuro da mobilidade, patinetes compartilhados desapareceram das ruas das capitais brasileiras em 2020 Foto: Roberto Casimiro/Arena - 30/5/2019

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Um dos principais nomes desse movimento é a Davinci, criada em julho de 2021 por Eduardo Musa, ex-fundador da Yellow (e também ex-Caloi, de bicicletas). A empresa vende patinetes elétricos diretamente ao consumidor por até R$ 5 mil — preço muito mais alto do que as taxas por minuto rodado do modelo de compartilhamento, que começava a partir de cerca de R$ 3. 

A aposta da startup não é no patinete como brinquedo infantil, mas sim como um meio de transporte para distâncias curtas (a tal da “micromobilidade”), como trajetos ao metrô ou percursos rápidos no mesmo bairro, evitando tirar o automóvel da garagem. A vantagem sobre a bicicleta (outro modal nesse tipo de viagem) seria a praticidade do equipamento, mais leve e de fácil armazenamento em casas cada vez menores. E, ao contrário do compartilhamento (em que usuários encontravam o veículo na rua e o largavam na calçada após o uso, o que enfureceu as prefeituras), o motorista é o responsável pelo veículo.

“Apesar de as cidades não estarem preparadas para os patinetes e as bicicletas compartilhadas, algumas pessoas estão se estruturando para essa micromobilidade. É por isso que eu acredito nos modais como propriedade do indivíduo”, defende Musa, que saiu da Yellow pouco antes da fusão com a Grin, em janeiro de 2019 — em julho de 2020, porém, devido a disputas internas no alto escalão e ao custo elevado do modelo de negócio (importação e manutenção dos veículos são as maiores dores de cabeça para essas startups), a companhia, líder no Brasil, pediu recuperação judicial.

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Ex-Yellow, Eduardo Musa criou a startup Davinci, que vende patinetes elétricos diretamente ao consumidor por até R$ 5 mil Foto: Lorenzo Scavone/Davinci

Para Michael Nicklas, sócio do fundo Valor Capital (investidor da Tembici, de bicicletas laranjas patrocinadas pelo Itaú e única sobrevivente do ramo, com operação em oito cidades brasileiras, além de Buenos Aires e Santiago), a história das bicicletas amarelas deixou lições. Na visão dele, o compartilhamento de patinetes e bicicletas tem se mostrado mais eficiente quando é feito o uso de pontos de estacionamento fixos, o que torna a operação mais barata e controlada pela regulação dos municípios.

“A Yellow e a Grin foram pioneiras, e todo pioneiro é quem leva as primeiras flechadas”, diz.

Caminhos

Por apostar em patinetes, a Davinci é um lobo solitário entre as mobitechs. Mas existem outras startups do ramo focadas na produção de veículos — uma das forças do setor seria a bandeira verde, abandonando os veículos movidos a combustão em prol daqueles eletrificados. 

Os principais exemplos no Brasil são a pernambucana Voltz e a brasiliense Origem, de motos elétricas, e a gaúcha Arrow, de vans. Na ponta mais extrema da inovação, a Eve, surgida do berço de inovação da aeronáutica Embraer, ganhou a atenção do mundo para viabilizar o tal do carro voador de propulsão vertical (o eVTOL) e deve entrar no mercado público de ações dos Estados Unidos por meio de um cheque em branco (SPAC). 

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Além disso, há negócios que orbitam outros braços do mercado de transportes. Atualmente, o maior nome do setor é a Buser, que freta ônibus intermunicipais conforme a demanda dos passageiros. Ao levantar US$ 700 milhões em junho, a startup se colocou como candidata a futuro unicórnio em 2022 (avaliação de mercado superior a US$ 1 bilhão), mas deve enfrentar concorrência da gigante alemã Flixbus, recém-chegada ao País, no próximo ano.

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E há quem queira enfrentar gigantes como Google, dono dos Mapas e do Waze: a Quicko, fundada em 2018, é um aplicativo que promete encurtar e reduzir custos de trajetos de passageiros ao traçar rotas mais eficientes, mesclando diferentes modais, como bicicletas, ônibus, metrô, carros e viagens intermunicipais. O foco da startup, no entanto, é o usuário do dia a dia, da volta ao trabalho.  “Nós precisamos caminhar para uma mobilidade mais sustentável e mais prazerosa”, defende Pedro Somma, fundador e presidente executivo da startup.

Atenta a essa nova geração, a Bossanova Investimentos lançou um fundo em busca de mobitechs em estágio inicial no Brasil. “Existem diversos buracos em todos os segmentos de mobilidade, seja de pessoas ou de cargas ou desde a cadeia de fornecimento até a prestação do serviço”, afirma Marcella Santos, sócia da Bossanova. “É um mercado que se mantém aquecido e existem grandes investidores com foco específico para esse setor”. 

Startup Buser, de viagens intermunicipais, é um dos nomes cotados para se tornar 'unicórnio' em 2022 Foto: Divulgação/Buser

Freios no compartilhamento

O cenário de desaparecimento dos patinetes é um movimento contrário ao que se vê na Europa e América do Norte, onde startups de veículos compartilhados são a nova aposta para a retomada do pós-pandemia. Depois do isolamento social exigido pela covid, companhias como as americanas Lime e Bird, a alemã Tier e a holandesa Dott aceleraram aquisições de outras startups e operaram em velocidade máxima para acompanhar a alta demanda por trajetos curtos em grandes centros urbanos.

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Segundo especialistas do mercado de inovação, o motivo para o sucesso lá, e não aqui, está na adesão cotidiana desses modais da micromobilidade à rotina de cidades. “O brasileiro não tem o hábito de se locomover por bicicleta e afins”, aponta Guilherme Fowler, professor do Insper. Com a pandemia, diz ele, a curva de adoção desse tipo de transporte foi interrompida, inviabilizando a popularização dos modais em meio ao isolamento social. 

O que é fato, porém, é que os consumidores gostaram do serviço, o que pode incentivar o ressurgimento desses patinetes e bicicletas nas ruas. “O modelo de compartilhamento passou por um teste de estresse bem forte com a pandemia, mas não fracassou no Brasil”, observa Fowler.

Startups Yellow e Grin fundiram-se para formar a Grow, que teve trajetória de tropeços e problemas internos Foto: Nilton Fukuda/ Estadão

Para Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), o desafio para os empreendedores do ramo é conseguir resolver a equação do modelo de negócio. O principal fator está no alto custo de manutenção (por vezes, esses equipamentos eram danificados por usuários, sem serem responsabilizados pelos reparos) e de importação dos veículos, que são produzidos no exterior – e a atual alta do dólar pode ser uma barreira neste momento. “A conta fecha melhor na Europa do que aqui, mas isso não significa que não possa passar a fechar aqui também no futuro.”

Apesar de não entrar agora no modelo de compartilhamento, a Davinci reconhece que o ressurgimento desse serviço nas ruas pode ajudar a vender mais dessas patinetes para os consumidores e que, principalmente, a startup tem uma vantagem sobre novas concorrentes: possui uma fábrica em operação na Zona Franca de Manaus, o que pode tornar o produto mais competitivo em relação aos importados.

“Não descartamos entrar no sharing porque nós podemos resolver essa equação, que é o alto custo da operação. Se esse modelo voltar, estamos bem posicionados para isso. Mas, antes, precisamos resolver problemas de infraestrutura e de legislação para permitir a micromobilidade. E isso está longe no momento”, explica Musa. 

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