‘Atacadão digital’, startup Frubana anuncia aporte de US$ 65 mi e finca o pé no Brasil

Empresa colombiana fez lançamento discreto no País durante a pandemia para testar marketplace focado em restaurantes e mercadinhos

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Foto do author Guilherme Guerra

Sem fazer muito barulho, a startup colombiana Frubana chegou ao Brasil em outubro de 2020. A empresa, que funciona como um “atacadão digital”, tinha motivos para isso: a estreia ocorreu em meio à pandemia de covid-19, o que fragilizou restaurantes e mercadinhos, principais clientes da empresa, e colocou dúvidas sobre a viabilidade da operação. Oito meses depois, porém, o cenário parece ter mudado: a Frubana oficializa a operação no País e anuncia hoje um investimento de US$ 65 milhões (cerca de R$ 335 milhões).

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A rodada do tipo série B foi liderada pelo americano Hans Tung, sócio do GGV Capital e dono de um portfólio de investimentos que inclui o site de comércio eletrônico Wish, o Slack e a ByteDance, proprietária do TikTok. O aporte teve ainda participações de Tiger Global Managament, Softbank, Monashees e Lightspeed Venture Partners. Com o dinheiro, a Frubana quer crescer a operação em São Paulo, além de expandir a atuação na Cidade do México (onde atua desde 2019) e em Bogotá (onde foi fundada em 2018).

O esquema da startup é simples para o cliente: restaurantes e mercadinhos acessam site ou aplicativo e encontram e compram produtos fundamentais para suas operações, desde  perecíveis (frutas, hortaliças e proteínas) a utensílios de limpeza. Para a compra, é necessário ter CNPJ e o pedido precisa ser de pelo menos R$ 80. Em um segmento bastante concorrido, que ganha cada vez mais os olhos dos gigantes do varejo, a colombiana aposta em tecnologia para reduzir os preços.

Além de excluir intermediários da cadeia de suprimentos ao negociar diretamente com produtores e fornecedores, a inteligência artificial (IA) da empresa está envolvida em diferentes partes do processo, desde a previsão da demanda dos restaurantes até a logística dos produtos.

Mesmo em meio à pandemia, o gerente de operações da Frubana no Brasil, Breno Lopes, confia nomodelo de negócios da startup Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Os algoritmos de demanda, por exemplo, ajudam produtores a gerenciarem melhor suas colheitas. Já a IA de logística ajuda a determinar as melhores rotas, considerando, inclusive, condições meteorológicas dentro da cidade — os caminhões que fazem as entregas são terceirizados. Tudo isso, diz a empresa, reduz o desperdício de alimentos, um dos problemas mais tradicionais do setor. E caem também os preços: segundo a Frubana, ela consegue vender produtos 18% mais baratos em média, algo muito bem-vindo para um setor que anda na corda bamba para sobreviver a estes tempos.

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Toda essa complexidade por trás das cortinas ajuda a explicar também o começo tímido no País. “Não somos um negócio em que fazemos o ‘setup’ em um mês e estamos prontos para operar”, diz ao Estadão o gerente de operações da Frubana no Brasil, Breno Lopes. Para ele, leva tempo para escolher os fornecedores certos, inaugurar e testar a operação em armazéns e ainda captar clientes. “Amarramos em nossa empresa vários pontos da cadeia de suprimentos e por isso esses meses para testar são valiosos.”

Atualmente, a Frubana tem dois armazéns próprios em São Paulo, única cidade onde atua no País. Com o aporte, ela pretende instalar, segundo o executivo, “quantos armazéns forem necessários, mas ao menos um cada região da capital paulista”. Hoje, os dois estão na Vila Clementino (a capacidade de estocagem não é revelada), e há uma parceria com um refrigerador em Barueri para a armazenagem de proteínas. Com a expectativa de crescimento, a ideia é triplicar também a equipe em até um ano, saindo dos atuais 300 funcionários. 

Brasil no foco 

Mesmo com a atuação discreta, a Frubana já empilhou 10 mil clientes, que movimentaram 1,5 milhão de toneladas vendidas. Embora não revele a meta de crescimento, a empresa aposta bastante no Brasil. 

“Dos dois milhões de restaurantes da América Latina, pouco mais da metade está no Brasil. É um segmento que está aberto à inovação e tecnologia, principalmente nos últimos seis anos com a desbravada do iFood”, explica Lopes. Depois de fincar as raízes em São Paulo, a Frubana indica que pode caminhar para outros municípios da Região Metropolitana ou mesmo para outras capitais. “Mas, antes de fazer a expansão, ainda tem muito território para adentrar na capital paulista”, diz.

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O presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups) e colunista do Estadão, Felipe Matos, concorda com o tamanho potencial de São Paulo. “Certamente há muito espaço por aqui. Se eles foram bem-sucedidos em mercados como do México, há boas chances de se adaptarem bem por aqui também”, explica.

Para Gilberto Sarfati, professor de inovação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os desafios que o País apresenta, como os típicos entraves de logística do agronegócio, são maiores do que o potencial do nosso mercado. Isso poderia afetar as margens e a eficiência da startup, que estabelece uma taxa de lucro (não revelada) na venda de cada produto. “Até me surpreende que eles não tenham entrado em outros países latinoamericanos antes de embarcar no Brasil, dada a complexidade da operação por aqui”, afirma.

Oportunidades

Além das dificuldades usuais, a Frubana precisa lidar com o impacto da pandemia no setor de restaurantes. Dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) apontam que, até abril deste ano, já foram fechados 80 mil estabelecimentos em São Paulo desde o início da pandemia.

A startup, no entanto, quer usar o cenário para convencer os restaurantes a reavaliar custos. “Para não falir, muito estabelecimento precisa trocar o fornecedor por uma opção mais barata. Quando percebemos isso, dois ou três meses atrás, vimos que o negócio iria decolar”, explica Lopes, que já trabalhou na Oyo e no Uber

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“Se a proposta deles for a redução de custos a partir de otimização da cadeia, a hora pode ser boa para os restaurantes”, afirma Matos, da ABStartups. Ele, porém, lembra que a empresa precisa diversificar a fonte de fornecedores para que não dependa de apenas um agente, prejudicando a escala do negócio. “Concentrar a distribuição em um único parceiro pode ser arriscado, ao criar dependência desse canal”, explica

“Crescemos bastante durante a segunda onda de covid-19 e vamos dobrar as apostas no Brasil”, conta. “Quando a covid-19 não estiver aí, cada restaurante que hoje compra de nós vai passar a comprar 50% a mais e a demanda vai aumentar.”

Para o professor Sarfati, não existe tempo ruim para a inovação: “Todo momento é o momento de entrada no mercado. E a pandemia talvez permita mais testes para startups. Se eles já entregam eficiência em um cenário ruim, será ainda melhor em eventual retomada econômica”.

Lopes está confiante depois desses oito meses de testes. “Os números são incríveis. Com essa captação, estamos em expansão. O negócio é promissor e já está testado”.

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